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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Podemos aprender com o Iraque ao contemplar o futuro da Palestina

Crianças palestinas acendem velas em memória da família Abu Hattab, morta pelos bombardeios israelenses contra a Faixa de Gaza, 23 de maio de 2021 [Ashraf Amra/Agência Anadolu]
Crianças palestinas acendem velas em memória da família Abu Hattab, morta pelos bombardeios Crianças palestinas acendem velas em memória da família Abu Hattab, morta pelos bombardeios israelenses contra a Faixa de Gaza, 23 de maio de 2021 [Ashraf Amra/Agência Anadolu]

A Palestina — que vive em nossos corações — conquistou muito em onze dias de resistência histórica por liberdade e justiça, embora um custo que sabemos ser exorbitantemente alto. Para impor tamanho custo, a entidade sionista ceifou vidas de crianças, mulheres e idosos para enfim abater o sentimento de dignidade do povo palestino. Civis foram alvejados a fim de criar desespero e frustração entre aqueles que enfrentam a ocupação há mais de 73 anos. O plano, porém, fracassou.

Além de seu exército assassino, Israel utilizou de propaganda e mentira em sua campanha. A narrativa midiática e política insistiu em um “conflito” entre um país democrático e eurófilo contra “terroristas do Hamas”, ao invés de um movimento legítimo de resistência em resposta a uma ocupação militar brutal. Acusações de antissemitismo foram feitas e os horrores do Holocausto foram mais outra vez evocados, como se fossem os palestinos responsáveis por arrastar os judeus à câmara de gás, e não o nazismo — de modo a, lamentavelmente, tentar justificar a limpeza étnica na Palestina ocupada.

O último bombardeio mortal contra os palestinos na Faixa de Gaza durou onze dias e onze noites, mas demonstrou a fragilidade da narrativa israelense — embora ainda não superada. Não obstante, parte da construção retórica de fato foi enterrada sob os escombros dos edifícios residenciais destruídos pelo bombardeio sistemático israelense, junto da auréola de imparcialidade da mídia, ao passo que reafirmou alegações de “autodefesa” e insistiu em conceder legitimidade a uma entidade colonial construída via atos de terrorismo, limpeza étnica e expropriação de terras. Os dias e noites de assassinato brutal expuseram Israel ao mundo por sua verdadeira natureza: uma potência colonial racista, com apoio de forças imperialistas, cujos tiranos alimentam-se da exploração dos oprimidos.

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Em resposta, vozes se ergueram por justiça, em enormes protestos ao redor do mundo, além de mensagens que viralizaram nas redes sociais. Vimos artigos, entrevistas e seminários com a participação dos palestinos sitiados em Gaza e daqueles que enfrentam a ameaça de expulsão em Sheikh Jarrah, bairro palestino de Jerusalém ocupada. Vimos crianças que cantavam e sorriam como forma de resistir àqueles que querem apagar qualquer alegria. Sobretudo, a resistência não resumiu-se a Gaza e tampouco demonstrou representar a única arma do povo palestino. Todos na Palestina ocupada — incluindo nas terras expropriadas em 1948 — ergueram-se em uníssono, as diferenças de lado, para retornar à quintessência da luta por libertação. Neste contexto, receberam apoio e esperança de todo o mundo.

Centenas de milhares de pessoas comuns — além de políticos e celebridades — saíram às ruas da Europa, Oriente Médio, América Latina e Estados Unidos e entoaram palavras de ordem como “Palestina Livre!”. A cada ato de solidariedade, o discurso orientalista, que retrata árabes e muçulmanos como terroristas bárbaros, minguou exponencialmente e as falácias da narrativa sionista foram enfim expostas. É o que vimos ao longo das duas últimas semanas. A questão agora é como poderemos avançar com tamanha solidariedade. As sementes foram plantadas; como podemos evitar uma seca?

Direitos humanos em Gaza [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

A pergunta é feita com apreensão sobre o que conquistamos, sobretudo porque recordo das milhões de pessoas que protestaram contra a invasão do Iraque e a extraordinária solidariedade global que precedeu a ocupação dos Estados Unidos, em março de 2003.

Na ocasião, 35 milhões de pessoas saíram às ruas em todo o mundo para protestar e demonstrar indignação contra o plano do presidente americano George W. Bush para invadir o Iraque. Árabes e não-árabes expressaram seu apoio ao povo iraquiano. As ruas foram tomadas na Líbia, Egito, Líbano, Jordânia, Síria, Tunísia e Marrocos. Confrontos eclodiram entre manifestantes e a polícia de choque no Cairo e Jordânia, conforme milhares de pessoas se aproximavam das embaixadas da Grã-Bretanha e Estados Unidos. Em protesto, bandeiras norte-americanas foram queimadas. Apelos reverberaram em diversos países para a expulsão dos representantes diplomáticos dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Israel. O silêncio árabe foi veementemente condenado; protestos no Golfo foram silenciados.

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Em âmbito internacional, mais de 200 mil pessoas tomaram as ruas de Atenas, onde estudantes descreveram Bush como “assassino” — termo que recai hoje ao Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu, após sua ofensiva contra Gaza. No mesmo dia, atos eclodiram no Paquistão, Austrália, Indonésia, Turquia, Rússia, França e Alemanha. Milhares de estudantes fizeram greve na Dinamarca, Suíça, Espanha e Nova York; sindicatos conduziram uma enorme paralisação na Itália. A segurança das embaixadas e consulados americanos e israelenses em todo o mundo foi reforçada às pressas.

O movimento de solidariedade decorreu da resiliência iraquiana contra a ocupação. O custo, como na Palestina, foi exorbitantemente alto e a resistência, como na Palestina, foi taxada de “terrorista”. Uma nova doença colonial maculou os órgãos nacionais, com a ascensão de disputas sectárias e étnicas, além de corrupção desenfreada e atos de espionagem em campo.

Apesar do êxito da resistência iraquiana em impedir que a onda imperialista chegasse a outros países, a previsão do então parlamentar britânico George Galloway se concretizou. “Caso Bush envie meio milhão de soldados ao Iraque, todos americanos, apenas com o apoio do premiê israelense Ariel Sharon, acabará em um verdadeiro inferno, com o retorno de muitos americanos em sacos funerários”, declarou Galloway a manifestantes.

Todavia, a fraqueza das forças de resistência no Iraque foi sua incapacidade de trabalhar juntas em nome da libertação nacional. O inimigo colonial tomou vantagem e indicou governos fiéis sobretudo a Washington, em detrimento do povo iraquiano. A falta de um consenso de libertação e o crescimento de um círculo de elite que beneficiou-se de um regime sectário e corrupto perpetuou a ocupação — à medida que políticos do regime insistiam em um simulacro de “democracia” no parlamento, imprensa, conferências a países doadores, programas de reconstrução, oficinas de treinamento de novas lideranças, defesa de direitos humanos e esforços para combater o terrorismo. O povo iraquiano pagou o preço por essa combinação tóxica com a vida de mais de um milhão de cidadãos em um período de dezoito anos. A conta final ainda não chegou. Cidadãos ainda são presos, sequestrados, torturados e mortos — muitas vezes filmados para servir de alerta a quem ouse remover a mordaça.

É claro que a situação no Iraque — suas forças e fraquezas; resistência e colonização; falácias utilizadas para justificar a ocupação; e apoio regional e internacional — não é idêntica à conjuntura na Palestina ocupada. Porém, há lições que podemos aprender caso desejemos avançar nas conquistas recentes do povo palestino, até afinal obter liberdade e justiça.

Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede al-Quds al-Arabi, em 24 de maio de 2021

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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