O cessar-fogo entre Israel e o Hamas – apesar das forças israelenses sabotarem a paz com um ataque ao complexo da Mesquita de Al-Aqsa – foi mantido até agora, pelo menos oficialmente. Na Palestina ocupada por israelenses, porém, os cessar-fogos vêm e vão, e geralmente são quebrados por algum tipo de ação israelense. O último irá eventualmente seguir o mesmo caminho, com mais uma ofensiva militar israelense em semanas, meses ou talvez um ano.
Dado esse registro abismal, portanto, vale a pena perguntar qual é o objetivo de um cessar-fogo se não houver presença física e garantia de que ele será mantido no lugar. Israel não é conhecido por suas habilidades de manutenção da paz, e suas forças de segurança são incrivelmente ineptas – ou talvez relutantes – em parar os ataques de colonos ilegais aos palestinos e suas terras, então é razoável sugerir que algo mais é necessário para proteger o povo palestino. Segundo a lei internacional – que não significa nada para Israel e seus aliados – eles já deveriam estar protegidos, porque estão sob ocupação.
Esse “algo mais” é o que a Turquia sugeriu nas últimas semanas. O presidente Recep Tayyip Erdogan propôs a criação de uma força internacional para proteger os palestinos ao falar com seu homólogo russo Vladimir Putin. Seu apelo foi ecoado pelo ministro das Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu, em uma reunião de emergência aparentemente ineficaz da Organização de Cooperação Islâmica (OIC).
A proposta se junta a uma lista de outras apresentadas pela Turquia, como uma comissão de muçulmanos, judeus e cristãos para governar Jerusalém como parte de um “arranjo separado” distinto das autoridades de ocupação israelenses. Na verdade, sob o Plano de Partição da ONU para a Palestina de 1947, do qual Israel reivindica sua legitimidade, Jerusalém deveria ser governada por um “regime internacional sob o controle da ONU”. Israel ignorou essa parte do plano e foi em frente e ocupou, então, anexou Jerusalém de qualquer maneira. Erdogan também defendeu de longa data a crença política de que “o mundo é maior do que cinco” e aderiu aos apelos para que os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (CSNU) sejam alternados com outras nações a fim de ter um ambiente mais justo e uma organização internacional mais eficaz.
De acordo com Cavusoglu, um “mecanismo de proteção internacional” para os palestinos não deveria consistir apenas em pressão diplomática, mas “também incluir proteção física por meio da formação de uma força de proteção internacional com contribuições militares e financeiras de países dispostos”. Essa é uma descrição vaga, que levanta questões sobre a estratégia, as políticas e os processos de tal força, e a extensão de seu mandato militar. Podemos, no entanto, prever como poderia ser com base em empreendimentos internacionais anteriores.
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A opção mais óbvia seria uma força de paz da ONU implantada na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, e nas passagens para a Faixa de Gaza. A missão de paz da ONU existente na Palestina – a Organização das Nações Unidas para Supervisão da Trégua (UNTSO, na sigla em inglês) – foi criada em 1948 e está sediada em Jerusalém, mas não é uma força armada e serve mais como base para outras operações na região.
Uma força armada de manutenção da paz precisaria do consentimento de todas as partes envolvidas e não seria capaz de usar suas armas, exceto em autodefesa. É muito improvável que Israel concorde com tal força sendo implantada no que ele acredita, erroneamente, ser seu próprio território soberano; não tem nenhum incentivo para fazê-lo, em qualquer caso, já que a presença de tropas estrangeiras apenas complicaria as coisas para suas próprias forças de segurança. A Autoridade Palestina, o Hamas e outras facções, e o governo jordaniano – que tem a custódia dos lugares sagrados em Jerusalém e na Cisjordânia – provavelmente concordariam com tal implantação. A Malásia já declarou sua disposição de contribuir com tropas para qualquer força da ONU.
Uma força de manutenção da paz também precisaria do apoio total e incondicional dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Com cada um exercendo um veto, inclusive os EUA, as chances de isso acontecer são remotas, especialmente se o apoio do conselho para a ação contra as forças israelenses for necessário.
As operações de manutenção da paz da ONU existentes e anteriores pouco fizeram para evitar violações do direito internacional e a agressão israelense. A força da ONU no sul do Líbano, por exemplo, e as de Ruanda e Bósnia, são mais frequentemente “espectadores mancos” e, dessa forma, lamentavelmente ineficazes.
Portanto, é provável que a Turquia encontre a proposta bloqueada por um veto dos EUA, especialmente se as tropas turcas estiverem entre as forças de paz da ONU. Não é membro permanente do Conselho de Segurança, nem pode se opor a um veto usado pelos Estados Unidos, Rússia, China, França ou Grã-Bretanha. O caminho da ONU foi tentado, testado e falhou. É improvável que seja viável no contexto dos palestinos.
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Outra possibilidade é uma força de coalizão reunida por países muçulmanos. Essa demonstração de unidade seria popular em todo o mundo muçulmano. Politicamente, porém, essa ideia já morreu na água graças aos acordos de normalização assinados com Israel pelos Emirados Árabes, Bahrein, Marrocos e Sudão no ano passado. Eles se juntaram às poucas nações árabes e de maioria muçulmana que já mantinham relações com o estado de ocupação. Essa desunião política se manifestou nas diversas respostas desses países ao recente ataque israelense à Faixa de Gaza: alguns o condenaram; alguns fizeram apelos fracos por paz; e alguns, como o Marrocos, deram total apoio a Israel.
Com a desunião no mundo árabe, previu-se que Turquia, Paquistão, Irã e Malásia seriam os únicos estados que considerariam ingressar em uma aliança militar para proteger os palestinos. Islamabad e Kuala Lumpur expressaram apoio à proposta de Ancara na OIC, e Teerã há muito tempo está aberto a tal ideia.
No entanto, isso nos leva ao reino da fantasia, porque se essas quatro nações unissem forças para conter os piores excessos de Israel, então as únicas opções viáveis seriam uma ofensiva direta ou algum tipo de acordo internacional para a proteção dos locais islâmicos em Jerusalém.
No caso de um confronto militar com Israel, tal aliança poderia ter alguma influência se não fosse pelo apoio ocidental dado incondicionalmente aos israelenses. Uma ofensiva militar direta, ou mesmo a presença de forças da coalizão nos Territórios Palestinos Ocupados, arriscaria atrair uma resposta militar do Ocidente. No mínimo, os aliados de Israel infligiriam sanções aos membros da coalizão que a maioria não poderia permitir.
Nenhum desses quatro governos muçulmanos quer incomodar Washington, especialmente a Turquia e o Paquistão, que em 2018 sentiram o peso do descontentamento dos EUA na forma de uma punição econômica para Ancara e o corte de milhões na ajuda para Islamabad. É do interesse de ambas as nações e de sua estabilidade não arriscar a ira da América. Isso é especialmente sensível no caso da Turquia, já que qualquer mudança dramática em sua atual política externa de reconciliação teria o potencial de inviabilizar a Visão 2023 do governo.
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Um modelo que poderia ser usado é a Coalizão Militar Contra o Terrorismo Militar Islâmica (IMCTC), liderada pelos sauditas, uma aliança de mais de 40 países de maioria muçulmana contra o terrorismo na região. Com sede em Riad e comandada pelo ex-chefe do Estado-Maior do Exército do Paquistão, Raheel Sharif, sua formação em 2015 foi saudada como uma potencial “OTAN muçulmana”.
Depois de anos concentrando seus esforços principalmente no combate aos houthis no Iêmen e na construção de relações diplomáticas com outras forças armadas, sem sucesso, seus críticos o acusam de ser apenas uma coalizão anti-Irã. O terrorismo de Estado de Israel não é detido nem evitado pela coalizão “contraterrorismo”.
A realidade é que a sugestão de Erdogan de uma força internacional de manutenção da paz para proteger os palestinos parece uma ótima ideia, mas exigirá uma grande mudança na política global para dar frutos de qualquer forma eficaz. E isso, do jeito que as coisas estão na arena internacional, é improvável que aconteça.
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