Por favor, tenha cuidado … se você é jornalista, sua vida está em perigo.
Caro leitor, este artigo não pretende incitar sentimentos de pânico ou ansiedade, mas sim reconhecer uma realidade trágica vivenciada diariamente por milhões de jornalistas em todo o mundo.
Sentir-se seguro após longa perseguição e assédio da polícia é algo fantástico. Quando as circunstâncias e o destino nos levam a trabalhar no campo jornalístico e começamos a escrever sobre corrupção em nossos países e governos, o texto fatalmente nos carrega longe demais, sobretudo quando ousamos repreender os chefes de estado. Em seguida, somos presos e agredidos. Somos forçados a deixar nossa terra, em busca de um refúgio onde possamos praticar nosso trabalho com segurança para fechar a porta de casa e dormir tranquilamente, quem sabe, pela primeira vez na vida.
Uma vez sedimentada essa falsa noção de segurança, decidimos viajar para o exterior. Entretanto, um dia acordamos e nos encontramos em meio aos nossos piores pesadelos, materializados perante nossos olhos, novamente encarcerados em nossa terra natal. Somos todos Roman Prosatevich.
Demorei dias para conseguir escrever sobre este jovem jornalista, dez anos mais novo do que eu. Roman Prosatevich é um repórter de Belarus que conseguiu alcançar a opinião pública e mobilizar as massas a protestarem nas praças e ruas do país contra o longevo ditador Alexander Lukashenko.
No entanto, para sua surpresa, uma aeronave militar interceptou o avião de carreira de bandeira irlandesa no qual Prosatevich viajava, da Grécia à Lituânia, e mais uma vez sua liberdade foi subjugada. Subitamente, aquele sentimento de segurança desapareceu e o repórter retornou a uma vida de opressão, aprisionado nos calabouços do regime.
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Em fevereiro de 2018, eu viajava de Istambul a Londres para passar um curto feriado com minha esposa. Um oficial do aeroporto de Ataturk checou meu passaporte, me prendeu e cancelou minha viagem. Permaneci meia hora em uma sala onde me disseram que a Interpol do Egito submeteu uma queixa contra mim e que eu deveria ser entregue imediatamente às autoridades do Cairo.
Após uma longa negociação e inúmeros telefonemas, o oficial foi persuadido e me autorizou a viajar a Londres, mas não pude retornar à Turquia desde então. Foi assim que precisei solicitar asilo político no Reino Unido e obtive enfim uma autorização de residência no país.
Também pensávamos viver com segurança e liberdade em nosso refúgio. Mas o que aconteceu com Prosatevich me fez compreender mais outra vez que não podemos desfrutar de plena segurança enquanto exercemos a profissão de jornalista. Recentemente, encontrei-me com um jovem repórter em Londres, que apresentou-se como filho de uma das mais proeminentes jornalistas de Malta, Daphne Caruana Galizia, assassinada em outubro de 2017 por uma bomba instalada embaixo de seu carro. Galizia foi morta, segundo seu filho, devido a um trabalho investigativo que pretendia expor oficiais do governo envolvidos em corrupção e no vazamento dos chamados Panama Papers.
O assassinato de Galizia levou seu filho Paul a seguir a mesma carreira, quando publicou uma vasta reportagem sobre a morte de sua mãe e conquistou assim um prêmio internacional por seu próprio trabalho investigativo.
Como jornalistas que trabalham no exterior, as circunstâncias podem nos levar a buscar ajuda da embaixada de nosso país para obter documentos oficiais, renovar passaporte ou emitir certificados de casamento. No entanto, permanecemos então sob o risco de sermos estrangulados, esquartejados, dissolvidos em ácido, como ocorreu com o Jamal Khashoggi, crítico do regime da Arábia Saudita, no consulado do país em Istambul, em outubro de 2018. Seu corpo jamais foi encontrado.
Sentimos o peso da frustração e mesmo do desespero no exílio e então decidimos retornar a nosso país sem aviso prévio. Acabamos presos no aeroporto, como o jornalista egípcio Jamal al-Jmal, mantido em custódia pelo regime do presidente e general Abdel Fattah el-Sisi, acusado de fabricar narrativas.
Não é necessário sequer que nosso trabalho aborde casos de corrupção de oficiais do governo para enfrentarmos ameaças. É preciso apenas praticar o jornalismo, como no caso dos repórteres espanhóis David Beriain e Roberto Fraile, mortos em Burkina Faso nas mãos de terroristas ligados à caça esportiva.
De fato, vivemos agora em um mundo governado por criminosos sem qualquer respeito à lei internacional, aos acordos e cartilhas das Nações Unidas e outros fóruns globais, em grande parte, graças ao ex-presidente americano Donald Trump, que personificou e consagrou um novo conceito de autocrata em todo o planeta. Segundo sua lógica, quem detém o poder resguarda o direito de fazer o que bem entender e ninguém pode responsabilizá-lo à medida que existam contatos e recursos para encobrir seus crimes.
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Os Estados Unidos já não são a potência que todos temiam e a União Europeia se fragmenta pouco a pouco após o Brexit. Por outro lado, países do Leste Europeu alimentam-se do princípio da mafiocracia russa e, no continente asiático, nada é mais retumbante que os rumores da opressão chinesa perpetrada pelas autoridades contra todos, incluindo jornalistas.
Tomei uma decisão difícil e tenho a recomendá-la a muitos colegas. Não viajem, evitem se mudar e, caso necessário, evitem trajetos que passem pelo espaço aéreo de seu país natal. Compilei uma lista de lugares onde profissionais de imprensa não podem ir, ao menos no momento. Evitem aeroportos internacionais, embaixadas e, sobretudo, países que possuam acordos de segurança com autoridades das terras que tiveram de deixar.
O mundo não é seguro para os jornalistas; não obstante, prosseguimos. Jamais nos sentiremos absolutamente seguros, é verdade, mas nossas palavras não deixarão que governantes corruptos e déspotas ajam em paz.
Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede Arabi21, em 31 de maio de 2021
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