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A vontade popular mede forças no Peru

Neste sábado, apoiadores de Pedro Castillo voltarão às ruas do Perú em defesa dos resultados eleitorais. Foto da celebração da vitória [Oficial Pedro Castilo/Facebook]
Neste sábado, apoiadores de Pedro Castillo voltarão às ruas do Perú em defesa dos resultados eleitorais. Foto da celebração da vitória [Oficial Pedro Castilo/Facebook]

O uso abusivo do judiciário e da mídia para colocar em dúvida resultados eleitorais indigestos já faz parte do arsenal usado nas tentativas de impedir adversários de governar.  Os golpes da última década na América Latina contaram com isso. O Peru de Pedro Castillo é a bola da vez, embora com muita gente na vigilância para assegurar sua posse.

Apesar do frio e da falta de suporte para alimentação e passar a noite, indígenas e trabalhadores rurais no interior do Peru preparam a ida à capital neste sábado (19), para exigir o respeito às urnas. A cada dia, uma nova tentativa burocrática procura retardar e subverter o resultado eleitoral.  Vitorioso no segundo turno das presidenciais, realizado no último dia 6, e já com  100% das urnas apuradas, o professor sindicalista socialista do interior do Peru ganhou, mas ainda não levou.

Na onda de popularização da extrema direita, com apelo ao discurso do medo, propagação de fakenews e ameaça do uso da força, a estratégia de questionar as urnas tem servido para contrapor a saída autoritária à difícil construção da democracia. Sendo de interesse das elites no poder, não há constrangimento em adotá-la. É o que Keiko Fujimori, a candidata derrotada por Castillo por pequena diferença, está fazendo, embora ela própria não seja palatável aos seus apoiadores mais liberais. O fantasma pintado na mídia é o esquerdismo do candidato vencedor.

Campanha de Fujimori propaga o medo do comunismo como estratégia contra Castillo [Twitter]

Não custa lembrar uma vez mais que a esquerda no Brasil é escaldada pelas consequências dessa negação das urnas que começou com Aécio Neves, inconformado com a reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em 2014. Sem conseguir admitir a legitimidade de um quarto mandato do Partido dos Trabalhadores, que poderia ainda ter um quinto e sexto com Lula de volta, a mídia engrossou o inconformismo de Aécio, o PSDB e toda direita enxergou a oportunidade de cortar caminho pelo impeachment. Com as bençãos dos EUA,  a Lava Jato fez o resto. Contra o fantasma de Lula, a elite e a mídia se contentaram com o temerário Bolsonaro e seu escatologismo sionista em troca de um Posto Ipiranga – a escolha de Paulo Guedes para ministro –  como selo de garantia da espoliação do país.

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As armações de golpe pelos centros de poder no mundo não acontecem apenas nos países dos outros, como os Estados Unidos têm feito no seu quintal latinoamericano desde o século passado. Hoje, a novidade do abuso judiciário em parceria com as corporações de mídia – a receita pronta do lawfare – faz sucesso também dentro da casa dos donos do poder.   A denúncia de fraude sem provas serve, se der sorte, para mover os tribunais na remoção de adversários. Mas ainda que não leve à nada,  a real serventia é arrebanhar, alimentar e mobilizar as forças capazes de empurrar as coisas pelo ódio. No caso do Perú, a luta de Keiko Fujimori é mais dramática. Ou ela vira o jogo e consegue um mandato, ou vai para a cadeia. Mas seu apoio junto a setores de classe média e alta mira a alternativa autoritária contra a perda da orientação liberalizante iniciada pelo pai da atual candidata, Alberto Fujimori, em 2002, quando privatizou as estatais de energia elétrica e criminalizou o plantio indígena de coca.  A linguagem de Castillo é outra: soberania alimentar e agricultura familiar como política estratégica, prioridades que o Consenso de Wlashington, que rege a direita peruana, não acomodou muito bem.

Donald Trump foi mestre em ensinar como se faz o jogo da burocracia jurídica para ganhar tempo e mobilizar anseios fascistas. Passou a vida jogando xadrez com os tribunais e tocou seu mandato fazendo bravatas autoritárias nas redes sociais. Não conseguiu sustentar a acusação de fraude na eleição de Joe Biden, mas mostrou o que queria de fato – a capacidade política de enviar um bando de fascistas para vandalizar o Congresso dos EUA no dia da proclamação do resultado.  Esses apoiadores continuam se movendo nos EUA, no Brasil de Bolsonaro e no esforço de reorganização da direita fascista no mundo.

Em Israel, o caso pode ser chamado de briga de branco. A extrema direita do partido de  Benjamin Netanyahu desafia a extrema direita da coalizão Naftali, acusando fraude a ameaçando revanche. As demonstrações de força do primeiro – incluindo uma guerra de ocasião na Faixa de Gaza –  não conseguiram impedir fosse defenestrado do cargo de primeiro-ministro, após quatro eleições fracassadas em menos de dois anos. A luta entre os dois é sustentada de parte a parte pelas hordas de colonos extremistas pedindo morte aos árabes como slogan de campanha.

Assim como Netanyahu, que se vê mais perto de uma condenação por corrupção após perder a disputa para Naftali Bennet, Keiko Fujimori se agarra a fios de esperança para livrar-se da sentença certeira.  De um lado tenta virar o resultado eleitoral por uma recontagem de votos, de outro tenta arrastar indefinidamente e delegetimar todo o processo, até que eventualmente um novo Congresso venha a indicar um aliado de extrema direita, substituto para os dois.

O elemento que todo esse jogo político burocrático não tem segurança de controlar é essa vontade histórica dos povos do interior do Perú que caminha para o centro das decisões no país.  Neste sábado, a vontade popular mede forças no tabuleiro.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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