Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência

A obra Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência  inicia apropriadamente com a seguinte citação do historiador israelense Ilan Pappé, docente em Exeter (Reino Unido) e ex-professor em Haifa.

“Por quanto tempo podemos continuar pedindo – e, mais ainda, esperando – que nossos irmãos palestinos mantenham a fé e nós, que não sucumbam completamente ao desespero e à mágoa que se tornaram suas vidas desde que Israel erigiu sua Fortaleza sobre seus vilarejos e cidades destruídas” (Ilan Pappé, A limpeza étnica da Palestina, 2016, p.291)

Em longas, embora nada exaustivas 412 páginas, o autor brasileiro e militante internacionalista, Sayid Marcos Tenório, descreve, analisa e aponta o drama da ocupação e guerra colonial que insiste em adentrar no Século XXI. Os textos combinam sua formação como historiador, a especialização em relações internacionais a obra também espelha sua experiência militante. Tenório é diretor do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e a Luta pela Paz (CEBRAPAZ), além de reconhecido apoiador da causa da libertação do povo árabe saaraui.

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O livro desmonta a narrativa falaciosa e a mitificação de “terra prometida” manipulada de forma grosseira pelo sionismo internacional. Ao fazer um retrospecto histórico desde os tempos da Cananeia, Sayid demonstra de forma cabal quem são os habitantes originais desta terra tão disputada:

“Aproximadamente 2000 anos depois da chegada dos cananeus, os filisteus, vindos da Ilha de Creta, chegaram à Terra de Canaã, misturaram-se com as tribos cananeias e viveram da região sudoeste, para a qual deram o nome de Filistina ou Palestina” (p.42 – observação nossa, vale observar que a letra P não existe no alfabeto árabe).

Toda a Grande Cananeia, formada por cananeus, filisteus e fenícios, passou por ocupações, guerras de conquistas, lutas de libertação, incluindo Jerusalém. O autor nos possibilita observar a Palestina histórica e não a da mitologia colonial que “justifica” sua internacionalização através de ocupantes europeus. No caos que se seguiu a desintegração do Império Otomano e manipulação das lideranças árabes na 1ª Guerra Mundial, Tenório nos alerta que:

“Os árabes foram de fato traídos pelo acordo secreto realizado em maio de 1916 entre a Grã-Bretanha, França e Rússia, que implicava a internacionalização da maior parte da Palestina. A isso veio se somar a carta enviada pelo ministro de Assuntos Exteriores britânico, Arthur James Balfour, ao barão Lionel Walter de Rotschild, o maior capitalista rentista de toda a Europa” (p.63).

O projeto sionista, sempre associado a impérios coloniais ou expansionistas, foi ganhando legitimidade nos eleitorados e formação da opinião pública de países líderes do ocidente, como a Grã Bretanha e os Estados Unidos. O crime do holocausto aumenta a capacidade de recrutamento da Agência Colonial, levando mais famílias europeias para uma Palestina antes acostumada com o convívio das três religiões monoteístas, dentro da cultura árabe. Marcos Tenório corretamente questiona a legalidade e legitimidade da partilha promovida pela ONU, em 1947:

“Com a partilha proposta, os colonos judeus que detinham 7% do território passariam a ter 53% (as melhores terras), enquanto que os palestinos ficariam com 47%. Uma partilha injusta sob todos os aspectos, pois a Palestina era o lar de 1 milhão e 400 mil palestinos, enquanto que a população de judeus era de 630 mil, onde dois terços delas eram imigrantes ashkenazim (provenientes da Europa  Central e Europa Oriental). Com olhos azuis, cabelos ruivos, pele clara e falando  diversos idiomas, os novos  moradores originavam-se principalmente da Polônia e da antiga URSS (e antes do Império Russo Bizantino Czarista)…” (p.114).

Um território invadido através do ocidente que coloca um contingente populacional – e segue implantando novas levas de pessoas estrangeiras invadindo a terra alheia – e estabelece a entidade sionista como sua cabeça de ponte na região que é estratégica em todos os sentidos. A apropriação territorial é parte do plano de limpeza étnica.

“Em 1916, os sionistas eram proprietários de 241 mil dununs – medida agrária que equivale a 1000 m². Em 1947 essa quantidade já era de 1.850.000 dununs. Durante os anos de 1920 e 1930, o crescimento das colônias judaicas deu início a uma série de conflitos entre judeus-sionistas e palestinos” (p.115).

No decorrer do século XX e nas primeiras duas décadas do XXI, o livro percorre os sinuosos caminhos do Sistema Internacional e suas vítimas, no caso, as famílias de refugiados palestinos ou vivendo sob a ocupação estrangeira. A obra questiona corretamente a eficácia dos Acordos de Oslo, de 1993 e em 1995, assim como o impasse decorrente da chantagem de Israel sobre o povo palestino e a opinião pública dos EUA.

“Os acordos nunca foram cumpridos na plenitude por Israel, que permanece sem reconhecer o direito à existência do Estado palestino. A retirada gradual do exército israelita das zonas que, segundo os Acordos, ficariam sob controle da Autoridade Nacional Palestina foi sempre retardada por Israel, e nunca chegou a completar-se. Com os palestinos de um lado da mesa e Israel e os Estados Unidos do  outro, não precisaria muita imaginação e conhecimento de política internacional para prever quem iria ganhar e quem iria perder no final  das negociações. Em todas as questões consideradas cruciais – Jerusalém, água, indenizações, soberania, segurança e terra – os palestinos não ganharam nada. A aliança americana-israelense conseguiu todos os seus objetivos táticos e estratégicos dos sionistas, em detrimento das aspirações nacionais palestinas” (p.155).

A obra é farto manancial de denúncias às violações dos direitos palestinos por parte da entidade sionista, da defesa do direito legítimo da população palestina à resistência – direito esse assegurado na Carta das Nações Unidas e respaldado pelo Direito Internacional – e também na defesa do direito ao retorno dos refugiados, medidas de reparação e a necessidade da permanência de todos na terra palestina.

“Para um povo que luta há tantos séculos contra ocupações, não importa quanto tempo a ocupação permaneça em sua terra. Apesar de todo o aparato militar e o apoio estadunidense que possuem os ocupantes, eles serão derrotados porque os palestinos estão com a justiça. O direito à terra e ao retorno são inalienáveis e os palestinos são persistentes em alcançar o inalienável direito de retornar e de estabelecer o seu Estado independente” (p.311).

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