Quatro sauditas que participaram do assassinato do colunista Jamal Khashoggi em 2018 receberam treinamento paramilitar nos Estados Unidos no ano anterior sob um contrato aprovado pelo Departamento de Estado norte-americano, informou ontem o New York Times em um artigo expondo até que ponto Washington se envolveu com uma nação autocrática, mesmo quando seus agentes cometeram horrendos abusos contra os direitos humanos.
O treinamento foi fornecido pelo Grupo Tier 1, de propriedade de uma empresa de capital privado. Embora a empresa afirme que seu treinamento foi de natureza defensiva e concebido para proteger os líderes sauditas, o Times apontou os perigos das parcerias militares com governos repressivos e advertiu que há uma fiscalização de cargo sobre essas forças depois que elas voltam para casa.
O Grupo Tier 1 foi fundado para treinar o pessoal militar dos Estados Unidos. Mas quando os orçamentos de treinamento militar americanos começaram a diminuir, a empresa, como outras empresas privadas de segurança, buscou novos clientes. Em 2014, começou a treinar unidades militares estrangeiras, inclusive sauditas. Diz-se que entre seus treinadores há ex-funcionários do famoso grupo mercenário Blackwater.
O Departamento de Estado concedeu inicialmente uma licença para o treinamento paramilitar da Guarda Real Saudita ao Grupo Tier 1 a partir de 2014, durante a administração Obama. O treinamento continuou durante pelo menos o primeiro ano do mandato do ex-presidente Donald Trump.
LEIA: Dawn urge Congresso a questionar chefe de inteligência egípcia sobre Khashoggi
Documentos obtidos pelo Times de um executivo sênior da Cerberus, empresa matriz do Grupo Tier 1, mostram que quatro membros do esquadrão de ataque à Khashoggi receberam treinamento do Grupo Tier 1 em 2017, e dois deles participaram de uma edição anterior do treinamento, que foi de outubro de 2014 até janeiro de 2015.
“O treinamento oferecido não estava relacionado aos seus atos hediondos subsequentes”, diz o executivo, referindo-se ao assassinato do Khashoggi. O executivo também insiste que o treinamento foi “de natureza protetora” e que a empresa não realizou nenhum outro treinamento de sauditas após dezembro de 2017.
Embora o Times tenha divulgado novos detalhes sobre o treinamento ministrado pelo Grupo Tier 1, já em 2019 houve especulações sobre as ligações da empresa com os assassinos sauditas. Um artigo no Washington Post afirmava que alguns membros da Força Saudita de Intervenção Rápida (RIF) que foi enviada a Istambul para matar Khashoggi receberam treinamento nos EUA e que a CIA havia advertido outras agências governamentais que alguns dos treinamentos de operações especiais poderiam ter sido conduzidos pelo Grupo Tier 1.
Khashoggi, um residente dos Estados Unidos que escrevia colunas de opinião para o Washington Post era crítico em relação ao príncipe herdeiro saudita, Mohammed Bin Salman. Ele foi morto e desmembrado por uma equipe de agentes ligados ao príncipe no consulado do reino em Istambul, em outubro de 2018. Um relatório da inteligência dos EUA em fevereiro disse que o príncipe herdeiro havia aprovado uma operação para capturar ou matar o jornalista.
O papel dos agentes da chamada Força de Intervenção Rápida no assassinato de Khashoggi ajudou a sustentar o caso da inteligência americana de que o príncipe Mohammed aprovou a operação. “Membros da R.I.F. não teriam participado” do assassinato sem seu consentimento, de acordo com o relatório. O grupo “existe para defender o príncipe herdeiro” e “responde somente a ele”, acrescentou o documento.
LEIA: Morte de Khashoggi bloqueia o caminho para o trono de Bin Salman