O assassinato de uma família muçulmana em Ontário, Canadá, em 6 de junho, ofereceu outra oportunidade para o primeiro-ministro Justin Trudeau se marcar como uma voz da razão e da harmonia comunitária. Entretanto, a linguagem amável e tranquilizadora de Trudeau foi concebida para ocultar uma realidade sinistra que, por muitos anos, escondeu a verdadeira face da política canadense.
“Este foi um ataque terrorista, motivado pelo ódio, no coração de uma de nossas comunidades”, disse Trudeau ao parlamento, dois dias depois de Nathaniel Veltman ter conduzido deliberadamente seu veículo contra uma família muçulmana canadense em um cruzamento em London, Ontário. Somente um garoto sobreviveu ao ataque que matou seus pais, sua irmã e sua avó. O menino de nove anos permanece em estado crítico no hospital.
Trudeau, cuja fachada amistosa e progressista liberal é muitas vezes justaposta à ascensão da política conservadora e populista em grande parte do hemisfério ocidental, continuou falando como se fosse um ativista defensor dos direitos humanos e da igualdade para todos. “Se alguém pensa que o racismo e o ódio não existem neste país, eu quero dizer o seguinte: Como explicar tal violência a uma criança hospitalizada? Como podemos olhar as famílias nos olhos e dizer: ‘A islamofobia não é real’?”.
Ironicamente, foram necessários anos de pressão e lobby de muitas organizações da sociedade civil, progressistas e grupos muçulmanos para finalmente convencer Trudeau a designar o dia 29 de janeiro de cada ano como o “Dia Nacional da Memória e Ação contra a Islamofobia”. Esta data específica foi escolhida para lembrar o ataque terrorista cometido por um cidadão canadense a uma mesquita da cidade do Quebec em 2017. Seis muçulmanos canadenses foram mortos e outros 19 foram feridos neste crime de ódio em particular.
Essa também foi uma oportunidade para Trudeau combater o terrorismo e o ódio. Em última análise, foi tudo retórica vazia, já que o governo canadense pouco fez para conter o fenômeno perigoso. A ausência de ações significativas torna o governo cúmplice no aumento da islamofobia e dos crimes de ódio no Canadá.
Para explicar sua relutância em reconhecer o dia 29 de janeiro como o dia da “ação contra a islamofobia”, Trudeau disse à Rádio Canadá que, embora seja “importante sublinhar a
intolerância dirigida às pessoas de fé”, ele desejava “evitar esse tipo de reação que vimos quando tomamos esse tipo de ação”, uma vez que os perpetradores de crimes de ódio são “ainda uma pequena minoria intolerante”. Jingoísmo à parte, Trudeau estava essencialmente argumentando que o reconhecimento e a ação contra a islamofobia eram desnecessários, pois eles podem dar demasiada atenção a uma “pequena” e odiosa “minoria”.
Trudeau está completamente errado. Um relatório apresentado pelo Relator Especial da ONU sobre Liberdade de Religião ou Crença em novembro do ano passado mostrou que a maioria dos canadenses – 52% dos entrevistados – acredita que os muçulmanos não são confiáveis, enquanto 42% acham que a discriminação contra os muçulmanos – leia-se, racismo – é principalmente culpa dos próprios muçulmanos.
As conclusões da ONU fazem parte de uma longa trajetória de violência e racismo contra os muçulmanos canadenses. Uma pesquisa Gallup publicada em 2011 desmascarou as afirmações da “pequena minoria” de racistas. Quase metade dos muçulmanos canadenses – 48% – sente-se desrespeitada dentro da sociedade, assim como 52% dos muçulmanos americanos. Este “desrespeito” se manifesta de inúmeras maneiras, muitas delas não relatadas, embora ocasionalmente se torne notícia quando se manifesta em pura violência.
Há muito disso. Relatórios oficiais da polícia canadense demonstram que os crimes de ódio contra os muçulmanos canadenses estão aumentando, com 166 incidentes desse tipo relatados em 2018 e 181 em 2019. Os crimes violentos estão se tornando mais intensos e mais sangrentos com o tempo.
Infelizmente, é provável que o terrorismo anti-muçulmano no Canadá aumente no futuro, não só porque as estatísticas de crimes de ódio mostram uma trajetória ascendente, mas também porque os sentimentos anti-muçulmanos frequentemente ocupam um lugar central no governo e na mídia.
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As representações negativas do Islã e dos muçulmanos na mídia canadense não devem ser agrupadas sob a designação de “preconceito da mídia ocidental dominante”, porque o alarmismo da mídia está penetrando na psique de grandes setores da sociedade canadense. Muitos políticos canadenses, mesmo no próprio partido de Trudeau, frequentemente exploram esse fenômeno alarmante para alimentar suas ambições políticas.
Várias províncias canadenses aprovaram ou redigiram leis que atingem especificamente as minorias muçulmanas do Canadá. A lei 62 do Quebec, por exemplo, restringe o uso do niqab em edifícios públicos. Escandalosamente, a lei foi aprovada pelo governo liberal em outubro de 2017, após o sangrento ataque à Grande Mesquita na cidade do Quebec. Em
vez de combater a islamofobia, os representantes forneceram uma justificativa legal e moral.
Enquanto alimenta a islamofobia em casa, Trudeau se irrita persistentemente contra os violadores dos direitos humanos na China, no Oriente Médio e em todo o mundo. Como o colunista chinês Mu Lu argumentou corretamente no Global Times, o Canadá usa “os direitos humanos como um pau para bater nos outros”. Embora a mesma afirmação também possa ser feita em relação ao mau uso dos direitos humanos como uma ferramenta de política externa por outros líderes ocidentais, Trudeau é frequentemente bem-sucedido em apresentar suas preocupações com os direitos humanos como genuínas.
Se ele é de fato genuíno em seu desejo de erradicar o terrorismo anti-muçulmano do Canadá, o primeiro-ministro deveria começar por limpar seu próprio partido do discurso de ódio, acabar com todas as tentativas de criminalizar o Islã e os muçulmanos bem como proibir o discurso de ódio contra os muçulmanos na mídia.
O terrorismo não terminará com pronunciamentos pomposos, mas através de ações reais. Justin Trudeau parece ser responsável por muitos do primeiro e por nenhum do último.
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