Muitos palestinos acreditam hoje que a ofensiva militar israelense entre 10 e 21 de maio e a subsequente resistência em Gaza, junto das revoltas populares por toda a Palestina, representaram de fato um divisor de águas. No entanto, Israel de faz tudo em seu poder para provar o contrário.
Os palestinos têm razão em pensar dessa forma. Afinal, suas capacidades militares ínfimas, em uma pequena faixa de terra sitiada e empobrecida, conseguiram efetivamente forçar o recuo da enorme máquina de guerra israelense, absolutamente superior — senão neutralizá-la.
Contudo, para os palestinos, não se trata apenas de poder de fogo, mas também de sua tão cobiçada união nacional. De fato, a revolta palestina, que incluiu todos os palestinos independente de pensamento político ou localidade geográfica, alimenta agora um novo discurso nos territórios ocupados — um discurso não-sectário, contundente e progressista.
O desafio do povo palestino repousa em sua capacidade de traduzir tais conquistas em uma estratégia política real e enfim superar os trágicos impasses decorrentes da conjuntura de Oslo.
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É evidente, porém, que não será fácil. Forças poderosas mantêm-se profundamente investidas em preservar o status quo. Para elas, qualquer mudança positiva no caminho palestino em direção à liberdade decerto levará a perdas estratégicas, políticas e econômicas.
A Autoridade Palestina, que opera sem qualquer mandato democrático, está mais ciente de sua vulnerabilidade do que em qualquer outro momento de sua história. Não apenas os palestinos comuns perderam toda a fé em sua “autoridade” como a consideram um verdadeiro obstáculo em sua luta por justiça. Portanto, não surpreende que o presidente Mahmoud Abbas — e muitos outros de seu círculo corrupto — levantem agora a bandeira da revolta popular, ao inverter sua retórica por completo, embora de forma fugaz, de um vocabulário cautelosamente projetado para adular “países doadores” a outro que enaltece a “resistência” e a “revolução”.
O círculo corrupto da elite palestina demonstra desespero, a fim de conservar privilégios e sobreviver a qualquer custo.
Caso os palestinos mantenham sua trajetória ascendente de mobilização popular, entretanto, Israel é a entidade que tem mais a perder. Uma duradoura Intifada, com demandas específicas e sob uma liderança nacional unitária, representaria a maior ameaça à ocupação militar israelense e seu regime de apartheid em anos e anos.
O governo de Israel — desta vez, sob a liderança inexperiente do atual premiê Naftali Bennett e seu parceiro de coalizão e sucessor, Yair Lapid — claramente é incapaz de articular uma estratégia posterior aos bombardeios em Gaza. Caso a estranha e atarantada transição de poder entre o ex-líder israelense Benjamin Netanyahu e a coalizão de Bennett seja momentaneamente ignorada, parece de fato que Netanyahu continua no volante.
Até então, Bennett seguiu a cartilha de seu antecessor em toda e qualquer matéria concernente aos palestinos. O novo primeiro-ministro e sobretudo seu Ministro da Defesa Benny Gantz — ex-parceiro de coalizão de Netanyahu — insistem em um suposto triunfo militar em Gaza e na necessidade de avançar com sua “vitória”. Em 15 de junho, não obstante, o exército israelense bombardeou diversos alvos no território sitiado e novamente três dias depois. Algumas bombas a mais, contudo, dificilmente mudarão o resultado obtido em maio.
É hora de converter “conquistas militares” em “ganhos políticos”, declarou Gantz em 20 de junho. Muito fácil falar — por essa lógica, Israel marca pontos de guerra na Faixa de Gaza há anos, ao menos desde a primeira guerra de larga escala contra a área costeira, entre 2008 e 2009. Desde então, milhares de palestinos, a vasta maioria civis, foram mortos e muitos outros feridos. Ainda assim, a resistência palestina prosseguiu inabalada e absolutamente nenhum “ganho político” foi de fato conquistado pela ocupação.
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Gantz, como Bennett e Lapid, reconhece que a estratégia de Israel em Gaza é um desastre completo. Dado que seu principal objetivo é permanecer no poder, todos permanecem comprometidos com regras de um jogo passado, formulado há décadas por políticos de direita e sustentado pela extrema-direita israelense. Qualquer desvio desse estratagema falho significa o colapso de sua frágil coalizão.
Ao invés de mapear uma nova estratégia, ao menos pragmática, o governo recém-empossado da ocupação insiste em mensagens simbólicas. A primeira é destinada à sua principal audiência, o eleitorado de direita e estrema-direita israelense, sobretudo apoiadores frustrados de Netanyahu, e busca expressar o mesmo compromisso à “segurança” do que o governo anterior, ao garantir uma maioria demográfica colonial em Jerusalém e no restante da Palestina ocupada e negar qualquer possibilidade da criação de um estado palestino.
A segunda é destinada aos palestinos e, por extensão, a toda a região, cuja população protestou em massa contra a ofensiva israelense em maio. Sob a lógica de “dissuasão”, deseja demonstrar que Israel ainda é uma força militar extraordinária e que a equação de guerra em campo continua inalterada.
Ao manter sua escalada em Gaza e arredores, sua brutalidade no bairro de Sheikh Jarrah e toda Jerusalém ocupada, suas persistente negativa às demandas mais urgentes da população palestina por reconstrução, a coalizão de Bennett engaja-se meramente em um teatro político. Enquanto a atenção permanece fixada em Gaza e Jerusalém, o premiê e seus aliados ganham tempo para distrair o público israelense de uma iminente implosão política.
Os palestinos, mais outra vez, mostram-se agentes críticos na política de Israel. Afinal, foi a união palestina e sua determinação ao longo de maio que humilharam Netanyahu e encorajaram seus adversários a enfim derrubá-lo. Agora, os palestinos guardam as chaves em potencial de sua sobrevivência perante o governo de Bennett, sobretudo caso haja um acordo de troca de prisioneiros — segundo o qual, soldados israelenses capturados pela resistência em Gaza seriam comutados por centenas de presos políticos palestinos, detidos sob condições hediondas nas cadeias de Israel.
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No dia da última troca de prisioneiros, em outubro de 2011, Netanyahu proferiu um discurso televisionado, cuidadosamente redigido para apresentar a si próprio como salvador da pátria. Bennett e Lapid jamais perderiam tamanha oportunidade.
Cabe aos novos líderes israelenses exercer cautela em como proceder adiante. Enquanto isso, os palestinos demonstram cada vez mais que não são apenas peões no circo político da ocupação israelense e que conhecem também as manobras do jogo político, como visto claramente nas últimas semanas.
Até então, Bennett provou-se nada mais que outro Netanyahu. Ainda assim, em último caso, o mais longevo premiê israelense fracassou em convencer sua população dos méritos de sua doutrina política. Nesta conjuntura, a farsa de Bennett poderá ser exposta bastante em breve — o custo, desta vez, será mais duro.
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