O quê: Independência do Brasil na Bahia
Onde: Bahia, Brasil
Quando: 2 de Julho de 1823

Reprodução da obra de Pedro Américo, “Independência ou morte” de 1888 [Reprodução/Itamaraty]
Em 1941, o escritor baiano Afrânio Peixoto escreveu em “A causa do ‘2 de Julho’ (Discurso à Bahia)”:
“Ao Sul, fizera-se uma evolução, nós tivemos de fazer uma revolução… No Rio, em S. Paulo, em Minas, fora um movimento do Governo, contra a Metrópole distante; o Norte era, então, o melhor do Brasil, o que os Portugueses mais guardavam: tivemos de fazer, combatendo-os, violência à nossa tradicional fidelidade. No Sul, proclamações e paradas, flores e fitas, aplausos e hinos… aquí, sítio e trincheiras, bloqueio, fome e peste, sangue e morticínio… Lá a adesão, aqui a guerra. Por isso, chegamos tarde, fora de hora, eles a 7 de setembro de 22, nós só a 2 de julho de 23… Mas, só depois de 2 de julho, foi o Brasil, realmente, independente…”
O que aconteceu?
Após a recusa do príncipe regente a voltar a Portugal, em janeiro de 1922, tropas portuguesas ocuparam Salvador com o interesse de garantir que a metrópole ainda tivesse controle da produção do açúcar e do norte do país.
Para submeter o povo baiano às normas de Portugal, o brigadeiro português Inácio Luís Madeira de Melo, leal à corte, foi nomeado para o cargo de Governador das Armas, substituindo o brasileiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães.
Entretanto, os brasileiros não aceitaram o novo comandante e, após a chegada do português, Salvador teve uma batalha de três dias, com cerca de 300 mortos, até a conquista da cidade pelas tropas portuguesas.

Obra de Antônio Parreiras “O Primeiro Passo para a Independência da Bahia”, Palácio do Rio Branco, Salvador, Bahia [Reprodução]
A diretora do Convento, abadessa Joana Angélica, escutou os gritos dos soldados, ordenou que as internas fugissem pelo quintal, e se pôs à porta principal para tentar impedir a invasão. Segundo o Dicionário de Mulheres do Brasil, ela afirmou: “Detende-vos, bárbaros, aquelas portas caíram aos vaivéns de vossas alavancas, aos golpes de vossos machados, mas esta passagem está guardada pelo meu peito, e não passareis, senão por cima do cadáver de uma mulher!”. A abadessa de sessenta anos foi assassinada com golpes de baioneta, tornando-se a primeira mártir da guerra pela independência da Bahia no dia 20 de fevereiro.
Enquanto isso, os militares brasileiros se alojaram no Forte de São Pedro e aclamaram Freitas Guimarães como o comandante das Armas da Bahia. Madeira de Melo reagiu mandando bombardear o forte, os brasileiros estavam em minoria e com pouca munição, então se renderam e muitos foram para o interior.
A cidade virou uma praça de guerra, com diversos confrontos violentos, dominada pelas tropas portuguesas. Depois disso, dezenas de famílias e soldados brasileiros deixaram Salvador para refúgio na região do Recôncavo. No local, a resistência ganhou força, reunindo várias tropas de voluntários para compor o exército, formado, principalmente, por pessoas pobres e sem treinamento militar. Segundo o escritor Laurentino Gomes, “em poucos dias, as vilas e fazendas do Recôncavo se transformaram em imensos campos de refugiados brasileiros. O restante da Bahia aderiu em peso à Independência do Brasil, formando um cinturão de isolamento aos portugueses encastelados em Salvador”
Em Cachoeira, ocorreram as primeiras batalhas contra os colonizadores, após a cidade reconhecer oficialmente a sua lealdade a D. Pedro. As tropas portuguesas responderam atacando com uma canhoneira a comemoração dos baianos em praça pública. A população atacou a embarcação, conseguiu cercar a canhoneira com pequenos barcos, interditou as passagens nos rios e cortou as comunicações e abastecimentos dos portugueses. Após três dias de batalhas, os portugueses, que já estavam sem comida e sem munição, foram obrigados a se render. A cidade de Cachoeira se tornou uma espécie de quartel-general das forças rebeldes.
Para organizar e treinar os combatentes, o príncipe D. Pedro enviou o general francês Pedro Labatut com cerca de 750 soldados para pacificar a Bahia. A estratégia definida foi a de cercar as tropas portuguesas em Salvador, impedindo que recebessem provisões e reforços.
A maior batalha dessa guerra, a de Pirajá, aconteceu quando os portugueses tentaram romper o cerco pela primeira vez, em 8 de novembro de 1822. Nesta batalha, segundo Tobias Monteiro em “A elaboração da independência”, o corneteiro Luís Lopes teria, por conta própria, tocado “cavalaria, avançar e degolar”, após o Major Barros Falcão, que comandava as tropas revolucionárias, dar a ordem de retirada. Os colonizadores teriam se assustado com o movimento, entrado em pânico e recuado. O fato nunca foi comprovado, de acordo com Laurentino Gomes, e não havia cavalaria brasileira na batalha.

Representação de Maria Felipa de Oliveira [Filomena Modesto Orge]
Após essas duas derrotas e a atuação do almirante Lord Cochrane, que comandou um bloqueio naval, os colonizadores ficaram completamente cercados em junho de 1823. Sem suprimentos, Madeira de Melo e as tropas portuguesas fugiram para Lisboa na madrugada de 2 de julho. Na manhã do mesmo dia, a libertação da Bahia e a verdadeira independência do Brasil foi oficializada após um ano de batalhas sangrentas.

Retrato póstumo de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, de Domenico Failutti
Na Foto: Maria QuitÈria de Jesus Medeiros
Foto: ReproduÁ„o.
Entre os integrantes da resistência baiana, destaca-se a história da heroína Maria Quitéria de Jesus, a “Mulan” brasileira. Filha de um fazendeiro, Maria Quitéria assim que soube dos primeiros confrontos em Cachoeira, cortou seus cabelos, pegou as roupas e identidade do cunhado e fugiu de casa para se alistar no Batalhão dos Periquitos. Com a alcunha de “soldado Medeiros”, ela lutou em diversas batalhas, ganhando respeito pela bravura e habilidade com as armas.
Sua verdadeira identidade só ficou conhecida alguns meses depois, quando seu pai a reconheceu. O comandante deixou que ela ficasse, tornando-a a primeira mulher soldado do Brasil. Maria Quitéria lutou até o fim da guerra da independência, quando recebeu o posto de alferes e a ordem do Cruzeiro do Imperador D. Pedro I.
O que aconteceu depois?

Imagem da Cabocla no desfile de 2 de julho de 2009, em Salvador, Bahia [Alberto Coutinho / AGECOM]
A Bahia saiu da guerra extremamente afetada e pobre, principalmente nas cidades que foram palco das batalhas. Entretanto, a data de 2 de julho é lembrada com orgulho e desde 1824 o povo sai às ruas todos os anos em uma grande festa popular para celebrar a independência.
O trajeto do desfile é sempre acompanhado de duas grandes figuras simbólicas: o caboclo e a cabocla, que representam os povos indígenas, negros e mestiços que lutaram pela liberdade.
Neste ano e no anterior, as celebrações foram interrompidas devido às restrições do coronavírus e, segundo o jornal baiano Correio, essa foi a primeira vez na história que a tradição do desfile não aconteceu.
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