A acusação de antissemitismo tem sido mais uma das estratégias utilizadas por Israel para deslegitimar e fazer com que a opinião pública condene quem se opõe às políticas de apartheid e limpeza étnica adotadas contra o povo palestino. Essa alegação de antissemitismo geralmente se soma à acusação de vínculo com “grupos terroristas palestinos”.
Os sionistas usam o antissemitismo como justificativa para a existência do Estado de Israel e como recurso contra quem, segundo eles, quer derrubar “a única democracia do Oriente Médio”. Essa desavergonhada manipulação é um dos fatores da perda de apoio de Israel por parte de judeus em todo o mundo, como ocorre nos Estados Unidos, e de movimentos da juventude judaica israelense, que se negam a prestar o serviço militar e compactuar com as agressões sistemáticas das forças de ocupação contra palestinos.
Semitas e antissemitismo
Para que possamos começar essa discussão, é necessário entender o que é o antissemitismo, suas raízes e quem são os semitas. Diz-se que semitas são os descendentes de Sem, filho do Profeta Noé e personagem bíblico do Antigo Testamento. São eles: hebreus, árabes, assírios e outros povos originários do norte da Península Arábica. As três grandes religiões monoteístas – islâmica, cristã e judaica – possuem raízes semitas, e não apenas os judeus. Etimologicamente, o termo antissemitismo significa aversão aos semitas. O termo foi criado na Alemanha, no final do século XIX, como uma tentativa de explicar cientificamente o Judenhass, palavra alemã que significa “ódio aos judeus”.

Quebre o silêncio! Antissionismo não é antissemitismo – Charge [Latuff]
Historicamente, não se pode negar o antissemitismo e os pogroms, palavra russa que significa “causar estragos” e foi usada para designar a perseguição a judeus na Rússia e no leste europeu, até desembocar no nazismo. O flagelo do antissemitismo é uma forma repugnante de racismo que discrimina judeus apenas por quem eles são, e, portanto, muito semelhante a todas as outras formas de racismo dirigidas a seres humanos, sejam eles muçulmanos, cristãos, de outras religiões ou mesmo sem religião, negros, pessoas de ascendência asiática, árabes etc., e, por isso mesmo, todas as formas de preconceito e racismo precisam ser confrontadas e eliminadas.
Contudo, há muitos judeus e israelenses, conscientes dos crimes praticados pelo colonialismo sionista, que se envergonham com o que Israel tem feito em seus nomes. Esses judeus de princípios têm condenado consistentemente as violações de Israel contra os direitos humanos palestinos, seu colonialismo de colonos e o apartheid racista praticado sob o manto do judaísmo. Os palestinos sempre conviveram com judeus na Palestina, desde antes de 1948, o que atesta que a acusação de antissemitismo feita à resistência palestina é uma distorção do que realmente acontece hoje, porque são os palestinos que sofrem diariamente com violências e desrespeito à sua condição humana, por serem árabes palestinos.
Antissemitismo como forma de intimidação e perseguições
A acusação de antissemitismo usada por Israel e seus apologistas é muito conveniente e útil quando eles estão sem argumentos. É usada para intimidar os críticos de Israel ou para esterilizar a discussão e desviar a atenção dos problemas reais, quando é sabido que as forças da resistência e os movimentos de solidariedade ao povo palestino rejeitam fortemente as narrativas com viés religioso ou sectário da luta contra a ocupação, condenando qualquer forma de perseguição ou a negação de direitos, seja de judeus, árabes ou qualquer outra pessoa e grupo.

Pessoas que lutam pela libertação da Palestina são acusadas de antissemitismo – Charge [Latuff]
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Por outro lado, o lobby a favor de Israel, além de instrumentalizar a narrativa midiática, compra a lealdade de políticos, governos e bancadas nas casas legislativas de vários países. A partir dessa influência, israelenses cooptam igrejas evangélicas e põem-nas para trabalhar em seu favor, baseados na lenda de que o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 está de acordo com a profecia bíblica do “retorno dos judeus à terra prometida”. Eles lançam uma cortina de fumaça sobre a usurpação da Palestina com apoio das potências do Ocidente desde 1947, sendo a maior ocupação por assentamentos judeus, um colonialismo que foi derrotado por grande parte do mundo e precisa desaparecer da Palestina.
Além disso, os sionistas usam o holocausto de judeus ocorrido na Europa como uma indispensável e conveniente arma ideológica em seu favor nessa política de criar disfarces e deturpar fatos. O escritor de origem judaica Norman G. Filkelstein, que teve grande parte da sua família assassinada nos campos de concentração nazista, escreveu em A indústria do Holocausto que “a maior parte das pessoas desconhece o fato de que o movimento sionista, que sempre invoca o horror do holocausto, tenha colaborado ativamente com o inimigo mais feroz que os judeus já tiveram [o nazismo].”
Há uma clara distinção entre o antissemitismo, por um lado, e as críticas legítimas às políticas degradantes e opressivas de Israel contra o povo palestino, por outro. O Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), por exemplo, que é frequentemente acusado de antissemitismo pelos ocupantes sionistas, tem como prática não manifestar ou apoiar nenhuma conduta contra os judeus por quem eles são. O programa do movimento de 2017 afirma que sua luta é contra “o projeto sionista, não contra os judeus por causa de sua religião. O Hamas não trava uma luta contra os judeus porque são judeus, mas trava uma luta contra os sionistas que ocupam a Palestina.”
As forças da resistência palestina e o movimento de solidariedade internacional são contra Israel enquanto um estado colonial que ocupa a Palestina e sujeita o seu povo aos horrores da guerra, da colonização e do deslocamento, e não por ser um “estado judeu”. O conflito com Israel é fundamentalmente político, e os palestinos estão lutando por liberdade e autodeterminação. Se a Palestina tivesse sido ocupada por outro povo que tivesse uma religião semelhante ou diferente, o povo palestino estariam lutando contra ela com toda a força com que vem lutando nesses 73 anos de apartheid e usurpação israelense.
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