As disputas em torno dos sentidos conferidos ao antissemitismo voltaram a ocupar os debates globais nos últimos meses. O texto da IHRA (Aliança Internacional para a Memória do Holocausto), que propõe um conjunto de indicadores para se identificar um discurso antissemita, foi o desencadeador dessa nova fase global de criminalização de palestinos/as que estão em diáspora e de ativistas da causa palestina. Como uma reação a esse texto, pessoas judias de vários países lançaram um manifesto (Manifesto de Jerusalém – MJ) objetivando oferecer definições e indicadores para se identificar ações antissemitas (sejam linguísticas e/ou físicas) e, ao mesmo tempo, apresentar-se como uma proposta alternativa ao texto da IHRA. Um terceiro texto, também assinado por coletivos de pessoas judias engajados por justiça social, apontará as limitações dos dois textos, embora reconhecendo certos avanços no MJ. Os três textos se movem em torno de questões como: as denúncias das políticas de opressão do Estado de Israel contra o povo palestino são indicadores de antissemitismo? É possível articular a luta pelo desmantelamento do antissemitismo com outras expressões do supremacismo branco (islamofobia e racismo, por exemplo)? Como reconhecer o direito do povo palestino à indignação sem cometer crime de ódio contra pessoas judias? Qual a relação entre sionismo/Estado de Israel/antissemitismo?
Os conteúdos dos três textos nos apontam para as fissuras e divergências internas dentro do que erroneamente se pensa como “comunidade judaica”, como se “ser judeu” fosse uma amálgama, um todo homogêneo. Tendo a acreditar que a própria noção de “comunidade judaica” seja um ato de apagamento das diferenças internas e um tipo de operação mental, com efeitos políticos desastrosos, que se fundamenta no apagamento das diferenças e, simultaneamente, na essencialização das identidades. Essa invisibilização se aproxima do que Edward Said apontou como uma das características do orientalismo. O ocidente inventou um oriente em que bastaria se conhecer um árabe para se conhecer todos os árabes. Acredito, no entanto, que essa marca (transformar o outro em espécie) seja um dos conteúdos reiterados do colonialismo e não algo singular da relação do Ocidente com o Oriente. Para além das divergências e aproximações entre os três textos, conforme apontarei, as disputas internas às judaicidades, tornadas públicas em uma dimensão global, podem ser interpretadas como possibilidades para intensificarmos a construção de alianças e avançarmos em uma agenda global em defesa da autodeterminação do povo palestino.
IHRA (Aliança Internacional para a Memória do Holocausto)
A definição prática de antissemitismo proposta pela Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA, sigla em inglês) foi adotada por dezenas de países e tem como eixo central a vinculação entre antissemitismo e o Estado de Israel, ou seja, entre sionismo & Estado de Israel. Das 10 definições desse guia prático para se identificar ações antissemitas, seis (06) delas vinculam diretamente à crítica ao Estado de Israel ao antissemitismo. Um dos pontos diz: “É antissemitismo negar ao povo judeu o seu direito à autodeterminação afirmando, por exemplo, que a existência do Estado de Israel é um empreendimento racista”. Pesquisas como as do historiador israelense Ilan Pappé que, trabalhando com fontes primárias nos arquivos das Forças Armadas Israelenses, apresenta farta documentação oficial para sustentar sua afirmação de que Israel é resultado da limpeza étnica palestina (expulsão de quase 800 mil palestinos de suas casas e terras e dezenas de massacres), seriam imediatamente classificadas como antissemitas.
Divergências políticas com o projeto sionista passam a ser lidas como expressões de ódio antijudaico e o Estado de Israel torna-se a expressão total da judaicidade. Quais são os impactos de se utilizar a definição da IHRA? O ativista canadense John Clarke afirma que, nos EUA, a Liga Antidifamação (ADL), entidade reconhecida por sua perseguição voraz a todos/as que defendem os direitos humanos do povo palestino, conduziu um estudo, em 2019, no qual encontrou provas de 2.107 incidentes considerados como antissemitas. No mesmo ano, o B’nai Brith reportou a existência de 2.207 incidentes antissemitas no Canadá. Este é um resultado surpreendente, uma vez que nos EUA há uma população nove vezes maior do que a do Canadá e tem 17 vezes mais pessoas judias. O estudo do Canadá utilizou a definição da IHRA. Atividades organizadas por ativistas da causa palestina contra as políticas de opressão do Estado de Israel foram todas consideradas como antissemitas.
Tenho como hipótese que, se há adesões imediatas ao texto da IHRA, principalmente de setores, partidos e Estados identificados com a direita ou extrema-direita, há efeitos não esperados e que colocam em xeque as finalidades do próprio texto. A B’Tselem, maior organização de Direitos Humanos de Israel, finalmente reconheceu o que os/as palestinos/as já vêm denunciado há décadas: em Israel, impera o apartheid contra palestinos. Israel promove e perpetua a supremacia judaica do Mar Mediterrâneo ao Rio Jordão. Essa foi a conclusão final do relatório da organização. Nos termos do artigo de Nasim Ahmed, caso digamos que a existência de Israel é um empreendimento racista e colonial, seremos tratados como antissemitas. Perguntamos à IHRA: “A B’Tselem passará a figurar entre as entidades antissemitas?”. As encruzilhadas criadas pelo texto da IHRA para pessoas judias estão expostas.
Para a B’Tselem, depois de mais 50 anos, o regime e sua ocupação devem ser tratados como uma entidade única. Suas diretrizes são determinadas por fundamentos racistas para ampliar e assegurar a supremacia de um coletivo (os judeus) em detrimento do outro (os palestinos). Exemplos de políticas segregacionistas para os palestinos-israelenses são abundantes: cidadãos palestinos são julgados em cortes militares em Israel; 99,76% das terras são destinadas a assentamentos exclusivamente judaicos; há prisões administrativas de crianças palestinas (julgadas em tribunais militares); israelenses circulam livremente entre Israel e os assentamentos ilegais na Cisjordânia, o que é interditado aos/às palestinos/as; o Knesset (parlamento israelense) aprova regularmente leis que são exclusivamente para a Cisjordânia ocupada; a bandeira palestina é proibida de ser hasteada. Conforme aponta Thrall, “a absorção israelense da Cisjordânia é um esforço conjunto de todos os ramos do governo – legislativo, executivo e judiciário”. A política continuada de limpeza da presença palestina não é uma política de governos da extrema-direita, como tantas vezes escutamos dos “sionistas de esquerda”. Antes, é uma política continuada que se estende no tempo e em todas as esferas constitutivas do Estado (legislativo, executivo e judiciário).
Nasim Ahmed se pergunta qual o sentido de continuar utilizando as definições da IHRN depois do relatório da B’Tselem. Acredito, no entanto, que a IHRN teve como objetivo central se tornar um instrumento de controle às críticas ao Estado de Israel na esfera global. Internamente, o tropo fundamental da retórica do Estado de Israel para justificar suas ações criminosas é “terrorista”. Antissemitas são os palestinos que estão na diáspora e terroristas os que ainda teimam em resistir e permanecer em suas casas, em solo palestino. De uma pedra arremessada contra soldados à resistência do Hamas, tudo é classificado sob a rubrica de “terrorismo palestino”. O único direito do povo palestino é não ter direito à resistência. A encruzilhada continua: como a IHRN irá qualificar as posições da B’Tselem?
É considerado antissemitismo “Efetuar comparações entre a política israelita contemporânea e a dos nazis” (IHRN). Mais uma vez: O que a IHRN fará com judeus israelenses que sistematicamente dizem “‘Nós somos Nazi’?”. Aqui não há uma comparação, mas uma afirmação identitária.
Globalmente, a perseguição não se restringe aos/às palestinos/as em diáspora, mas a todos/as que ousam trazer para o espaço público os crimes do Estado de Israel. Não sejamos ingênuos, a adoção do guia da IRHN tem efeitos terríveis para os debates de ideias e a liberdade de expressão. Tornamo-nos, por força da injúria que nos lançam, palestinos/as. A palestinização global está na criminalização de todos/as que ousam dizer: o Estado de Israel comete sistematicamente crimes contra a humanidade.
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No momento em que escrevo este ensaio, está acontecendo no Chile uma campanha de linchamento político do candidato à presidência, Daniel Jadue, militante do Partido Comunista. Ele é reconhecido pela defesa da causa palestina e dos direitos humanos. Os sionistas se uniram à direita para acusá-lo de antissemita. Embora nunca neguem as denúncias feitas contra os crimes de lesa-humanidade cometidos por Israel, tentam silenciá-lo com a acusação de antissemitismo. Conforme apontou Marcela Parra,
Destruir a imagem de Daniel Jadue é a estratégia da direita e o sionismo se aproveita dessa campanha midiática para aplastar as denúncias e deixar claro que criticar as violações aos direitos humanos que Israel comete é algo proibido e quem se atreve a fazê-lo será destruído. É uma mensagem de amedrontamento para os políticos, comunicadores e líderes de opinião.
O texto da IHRA é um tipo de máscara de flandres para nos impedir de denunciar os crimes de Israel e a luta por justiça para o povo palestino. Esse instrumento de tortura foi amplamente utilizado pelos senhores escravocratas para impedir que as pessoas escravizadas usassem suas bocas.
Manifesto de Jerusalém (MJ)
Para se contrapor à definição da IHRA, ativistas e intelectuais judeus/judias, reunidos pelo Van Leer Jerusalem Institute, lançaram, em março desse ano, uma Carta-Manifesto, ou Manifesto de Jerusalém (MJ).
O Preâmbulo diz:
Propomos a nossa declaração como alternativa à definição da IHRA. Os objetivos são (1) fortalecer a luta contra o antissemitismo, esclarecendo o que é e como se manifesta, (2) proteger um espaço para um debate aberto sobre a problemática questão do futuro de Israel/Palestina.
Entre os exemplos de hostilidade compreensível a Israel, a declaração cita “a emoção que um palestino sente por conta de sua experiência nas mãos do Estado”. “Emoção” é um sentimento subjetivo. Se uma palestina sente ódio porque teve sua mãe assassinada por Israel, é compreensível ser tomada por esse afeto, nos termos da MJ. Ao fazer o movimento de se deslocar para o âmbito da dor individual e as elaborações subjetivas daí decorrentes, parece que o Manifesto esvazia o conteúdo político, despolitizando a fúria organizada do povo palestino contra as ações do colonialismo e do apartheid israelenses. Pergunto: Se considerarmos que em quase todas as famílias palestinas há membros presos, mortos ou em campos de refugiados, não é legítimo reconhecer o direito desse povo em denunciar para o mundo que a limpeza étnica faz parte do DNA do Estado de Israel? Não é legítimo esse povo organizar táticas de resistência e autodefesa?
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O manifesto define antissemitismo como a “discriminação, preconceito, hostilidade ou violência contra judeus como judeus (ou instituições judaicas como judaicas – negritos meus)”. Temos aqui um problema de outra ordem: Quais instituições judaicas? Israel é o Estado do povo judeu, no âmbito da Lei básica aprovada em agosto de 2018 pelo parlamento israelense (Knesset). Se o Estado de Israel é uma entidade política – uma instituição – definida legalmente como sendo do povo judeu, o que significa alijar 23% de palestinos-israelenses dessa categoria política fundamental para os estados modernos (ou seja, da categoria cidadania)? A Human Right Wacht (HRW), em seu relatório, a exemplo da B’Tsalem, qualifica e define as políticas de Israel para a população palestina-israelense de apartheid.
O MJ diz: “Da mesma forma, retratar Israel como o mal supremo ou exagerar grosseiramente sua influência real pode ser uma forma codificada de racializar e estigmatizar os judeus”. Então, se denunciamos o compromisso da imprensa mainstream com o genocídio da população palestina, estamos sendo antissemitas? O que é o “mal supremo”? Para as famílias que tiveram suas casas destruídas, que presenciaram e viveram massacres e estupros, tiveram suas terras roubadas e foram transformados, da noite para o dia, em “refugiados”, certamente, para esses sujeitos, haveria outra expressão para nomear o Estado de Israel que não seja “mal supremo”? Mas se eles, condenados da terra, ousarem a se referirem ao Estado de Israel como o mal de suas oliveiras, tamareiras, do filho insepulcro, da vida sem rumo serão condenados por antissemitismo? Seria a abertura do processo para investigar os massacres dos palestinos em Gaza, em 2014, pelo Tribunal Internacional Penal de Haia, um indicador de que esse Tribunal está operando suas decisões por concepções antissemitas?
Na parte referente a “Israel e Palestina: exemplos que, aparentemente, são antissemitas”, o ponto oito diz: “Exigir que as pessoas, por serem judias, condenem publicamente Israel ou o sionismo (por exemplo, em uma reunião política)”.
O MJ não nos orienta, ativistas antirracistas, como devemos nos mover e posicionar diante do direito exclusivo conferido pelo Estado de Israel às pessoas judias de “retornarem” a Israel. Esse direito transforma, potencialmente, toda pessoa judia em um colonizador. No livro Aliyah: Estado e subjetividade entre judeus brasileiros em Israel/Palestina, nos aproximamos de biografias de pessoas judias, brasileiras sionistas, que decidiram viver em Israel. O perfil político autodeclarado dos/as entrevistados/as varia de progressista à esquerda. Não precisa ser muito versado em debates sobre as questões da palestina, Nakba, números, datas, mapas, para, no mínimo, ficar paralisado com a ausência escandalosa das existências palestinas em suas narrativas, ainda que eles/elas estejam vivendo em terras e casas que não lhes pertencem. E ainda ousam se definir como “de esquerda”.
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Nos termos do MJ, nos transformamos imediatamente em antissemitas quando perguntamos para pessoas judias se elas se veem no direito de irem viver na Palestina, ou se pedirmos um posicionamento sobre as políticas do Estado de Israel para o povo palestino. Até que ponto uma definição como esta não exime as pessoas judias de suas responsabilidades históricas e contemporâneas com a Nakba palestina? Seria o mesmo que dizer que não se pode exigir de uma pessoa branca, no contexto brasileiro, um posicionamento sobre o racismo “apenas” porque ela é branca. Afinal, qual a responsabilidade que ela teria com os quase 400 anos de escravidão no Brasil? E por que ela teria que se posicionar e lutar contra o racismo se ela não foi diretamente responsável pela situação em que vive a população negra? Esta ausência de responsabilidade ética com as condições históricas que nos antecedem e nos formam produz uma quebra, uma ruptura entre o eu-branco e a situação de genocidade (por sua continuidade histórica) da população negra no Brasil. Somos interpelados a nos posicionar. E esta interpelação é fundamental para os processos de reflexividade sobre o mundo que habitamos. Não é possível fazer uma disjunção entre a fé pública de que a pele branca goza e a contínua negação de humanidade das pessoas negras. A recusa em reconhecer a responsabilidade histórica de um passado que me constitui no mundo é, ela mesma, um mecanismo de negar os direitos à reparação às pessoas negras. O que o MJ diz é que as pessoas judias podem (que luxo!!) não querer se posicionar sobre os crimes de Israel ou sobre a situação do povo palestino. Ao fazê-lo, tentam controlar o debate público, mecanismo de regulação e censura que faz coincidir os dois textos (IHRN e MJ) no desejo de impor a censura e o medo na esfera pública. Então, cuidado, não pergunte a pessoa judia como ela se posiciona porque ela poderá te dizer: “Você é antissemita!!”. Outra vez, a máscara de flandres nos ronda.
Há outras questões problemáticas no Manifesto de Jerusalém. O ponto 10 afirma ser antissemitismo: “Negar o direito dos judeus no Estado de Israel de existir e florescer, coletiva e individualmente, como judeus, de acordo com o princípio da igualdade”. Mas não é exatamente isso que tem acontecido nos últimos 73 anos? O que o MJ omite é que a vida das pessoas judias está florescendo e sua existência se deve à exclusão e à morte do povo palestino. Necropolítico (política de promoção da morte) e biopolítica (políticas voltadas para a proteção da vida) se articulam na necrobiopolítica israelense e tornam-se termos indissociáveis. Morte e apartheid para os/as palestinos/as, nos termos do Relatório do Human Right Wacht e da B’Tsalem. Cuidado e vida para as pessoas judias em Israel.
Princípios para desmantelar o antissemitismo (PDA)
Mais uma vez, as duas declarações (IHRA e MJ) se igualam no apagamento das vidas palestinas. Essa apagamento foi uma das críticas centrais da declaração “Princípios Para Desmantelar o Antissemitismo”, proposta por três coletivos de pessoas judias progressistas organizados no Jewish Voice for Peace (EUA), no Independent Jewish Voices (Canadá) e no Boycott from Within (Israel). Se o Manifesto de Jerusalém discorre sobre a relação entre Palestina/Israel/antissemitismo, onde estão as vozes palestinas?
A preocupação central que norteou a publicação dos PDA foi as continuadas tentativas do Estado de Israel de evitar a responsabilização por seus abusos de direitos humanos e violações do direito internacional, utilizando sistematicamente acusações de antissemitismo contra palestinos e aliados da causa palestina. Distribuir (globalmente) máscaras de flandres tem sido uma política de sucessivos governos israelenses
No PDA, há uma concepção de luta contra o antissemitismo vinculada a outras formas de mobilização contra expressões diversas do supremacismo branco, no espírito relacional proposto por Franz Fanon. As formas de luta contra os racismos existentes, inclusive o antissemitismo, “[são relaciona[is] e se reproduz[em] de diferentes formas de acordo com os seus contextos socioespaciais em distintos períodos da história” (PDA).
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Encontramos no texto do PDA elementos potentes para construção de alianças entre aqueles/as que vivem uma vida precarizada pela barbárie neoliberal e pelo colonialismo, ao mesmo tempo em que nos oferece boas ferramentas conceituas (seja para pessoas judias e não judias) para nos unificarmos contra as violências antissemitas. Segundo o texto:
Acreditamos em um mundo onde todos estejamos seguros e amados – um mundo sem racismo, sem antissemitismo e sem islamofobia. À medida que governos e partidos políticos fascistas, racistas e autoritários acumulam cada vez mais poder em todo o mundo, estamos mais comprometidos do que nunca com o trabalho de construir um mundo onde a justiça, a igualdade e a dignidade sejam concedidas a todas as pessoas, sem exceção.
Os cinco princípios da declaração são: 1. Não isole o antissemitismo de outras formas de opressão; 2. Desafie as ideologias políticas que fomentam o racismo, o ódio e o medo; 3. Crie ambientes que afirmam e celebram todas as expressões culturais e religiosas; 4. Promova o desmonte de todas as formas de racismo e intolerância em políticas e práticas diárias; 5. Pratique segurança por meio da solidariedade ao invés da polícia.
Se, por um lado, o PDA aponta que a definição da IHRA é uma arma para produção incessante de perseguição aos que se engajam em defesa dos direitos humanos do povo palestino, por outro, analisa que o MJ está enredado nos próprios termos da definição que propõe para o antissemitismo, uma vez que situa e restringe o debate, fundamentalmente, à esfera Israel-Palestina, quando a discussão deveria ser mais ampla (e relacional).
É interessante observar como os coletivos judeus que construíram o PDA têm como marca distintiva serem antissionistas e, exatamente por esta marca diferenciadora em relação aos dos dois outros textos (IHRN e MJ), seus membros paguem preços pelo engajamento em defesa do direito à autodeterminação do povo palestino. Muitos são sistematicamente perseguidos por suas posições e acusados (mesmo sendo pessoas judias) de serem antissemitas. Entre os nomes mais conhecidos, a filósofa Judith Butler tem um longo caminho de enfrentamentos com as acusações de sionistas que tentam transformar a defesa do Estado de Israel como critério para se avaliar se um posicionamento pode ser transmutado em injúria antissemita.
Um dos fios condutores da obra da filósofa tem sido apontar que nada é mais contrário aos princípios éticos da judaicidade que o sionismo. O que caracteriza o pensamento da judaicidade? Orientar-nos a coabitar, a lidar com o mundo fora de nós mesmos. Essa foi a lição fundamental da diáspora judaica, além do mandato primeiro: NÃO MATARÁS! Nada mais contrário para judaicidade, nos termos da filósofa, que uma ideologia que toma para si a morte, expulsão, prisão de um povo inteiro, como tem feito o sionismo. A judaicidade encontraria seu contrário, sua negação, no sionismo. Ela diz:
[se eu conseguir] mostrar que existem recursos judaicos para a crítica da violência de Estado, da subjugação colonial das populações, da expulsão e da despossessão, terei conseguido mostrar que uma crítica judaica da violência de Estado israelense é, pelo menos possível – e talvez até eticamente obrigatória. Se eu mostrar, além disso, que alguns valores judaicos de coabitação com os não-judeus são parte da própria substância ética da judaicidade diaspórica, será possível concluir que os compromissos com a igualdade social e justiça social têm sido parte fundamental das tradições judaicas seculares, socialistas e religiosas (Judith Butler, p. 11).
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É como se as teses do livro Caminhos Divergentes tivessem tomado a forma de manifesto para desmantelar o antissemitismo em uma polifonia de outras judaicidades, organizadas em outros coletivos. Felizmente, essas formulações contribuem consideravelmente para nossos combates a todas as formas de discriminação, racismo e colonialismo.
Para pensar o amanhã
A criminalização global contra ativistas dos direitos humanos do povo palestino e do movimento pacífico pelo boicote, desinvestimentos e sanções (BDS) a Israel se intensificará. No âmbito dessa guerra global contra o povo palestino, o Estado de Israel continuará tentando transformar antissionismo e antissemitismo como termos intercambiáveis. O que está em curso é a palestinização dos movimentos sociais globais. Da perseguição ao candidato à presidência do Chile à criminalização do ex-deputado federal Milton Temer, estamos, ativistas dos direitos humanos da causa palestina, sendo transformados em palestinos/as. Não há outra alternativa: continuaremos arrancando as máscaras de flandres e construindo alianças amplas com setores que defendem o direito dos povos colonizados à autodeterminação.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.