O Centro Internacional para a Língua Árabe Rei Abdullah – centro saudita dedicado ao estudo, difusão, preservação e desenvolvimento da língua árabe em todo o mundo -, lançou dois livros sobre a língua no Brasil e como o vocabulário árabe foi incorporado à língua portuguesa. Os livros, publicados em árabe, foram escritos por Mohamed Salah El-Mahdawy, especialista em cultura e civilização e mestre em mídia pelo Instituto de Estudos Midiáticos do Egito.
O Monitor do Oriente Médio conversou com El-Mahdawy sobre o que o levou a escrever sobre o assunto, o avanço, estudo e influência da língua árabe no Brasil.
El-Mahdawy é um consultor egípcio, que trabalhou por 39 anos no setor de mídia da Arábia Saudita, onde apresentou vários programas de televisão na Al-Majd TV e Al-Resala TV, ligadas ao príncipe saudita Al-Waleed bin Talal. Hoje é casado e mora no Brasil, local que lhe abriu novos horizontes, expandindo seus interesses sobre a língua árabe e suas formas de difusão.
Os livros foram encomendados e supervisionados pelo centro dentro da série “Árabe em todo o mundo”, que tratou de vários países, como Índia, Coreia do Sul, China, França e Grã-Bretanha. Nas Américas, o Brasil foi o primeiro país a entrar na série.
Foram lançados após o encerramento da 31ª Conferência Internacional para Muçulmanos Latino-Americanos e Caribenhos sob o título: “Ensinando a Língua Árabe nos Países Latino-Americanos e Caribenhos: Realidade e Esperança”, organizada pelo Centro Islâmico na América Latina e Caribe, em cooperação com o Ministério de Assuntos Islâmicos da Arábia Saudita, e a participação do Centro Internacional King Abdullah para a Língua Árabe durante o mês de novembro de 2018, na cidade brasileira de São Paulo. Este projeto é a primeira obra do gênero, ele fornece guias de dados contemporâneos e completos sobre indivíduos e entidades brasileiras importantes para a língua árabe. Apresenta também, um estudo teórico e documentado da realidade atual da língua árabe no Brasil, a especificidade do país em relação a esta língua e os desafios mais importantes para seu crescimento no Brasil.
Qual a importância destes livros?
Os livros levam em consideração o status especial e a grande importância do Brasil, como o país do continente latino-americano com uma maior aproximação positiva com o mundo árabe e seus temas.
Eu fiz questão de ampliar o estudo e a parte teórica, que ocupou oitenta páginas na introdução de cada um dos dois guias, para esclarecer a especificidade do árabe no Brasil, visto que este é o primeiro trabalho científico especializado neste conteúdo.
Este projeto, com seus dois livros, representa uma das evidências da cooperação e dos resultados da comunicação cultural entre o Brasil e o Reino da Arábia Saudita.
Atende ao movimento cultural árabe na diáspora latina, transmitindo-lhe força e renovando o entusiasmo e a conexão com a língua árabe e sua realidade nos países distantes do mundo árabe.
O ensino de língua árabe no Brasil está confinado aos dialetos sírio e libanês ou outros dialetos também são estudados? Quais são as características do ensino árabe no Brasil?
Existe o dialeto marroquino, o egípcio e o palestino também. No Brasil e na Argentina há muitos cursos ensinando o dialeto levantino [ Síria, Jordânia, Palestina e Líbano] como um todo e isto eu não notei em outros países.
Uma das peculiaridades do ensino do árabe no Brasil é o ensino do árabe falado no dialeto libanês e no dialeto sírio. E oferecimento de cursos e currículos de forma comercial para ensinar conversação nos dialetos levantinos em geral, e libaneses em particular, com a demanda do povo brasileiro por esses cursos. Encontramos vários professores de origem árabe que escreviam e vendiam luxuosos e coloridos livros de ensino de árabe falado contendo as regras de formação de frases e a história do vocabulário local, especialmente o libanês.
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Qual o principal motivo para o interesse dos brasileiros pela língua árabe?
A difusão da língua árabe se deve aos casos de casamentos mistos entre árabes e brasileiros, além do entusiasmo dos brasileiros em acompanhar seus amigos árabes no trabalho, amizade ou viagens.
O brasileiro adora conhecimento e experiência, e o maior motivo do interesse popular em aprender a língua árabe é a admiração dos brasileiros pelos árabes, seu amor pela arte, cultura, gastronomia…E também a busca por oportunidades comerciais ou profissionais relacionadas ao mundo árabe. Existem motivos especiais, alguns dos quais devido à identidade, onde notamos o desejo dos povos de origem árabe em restabelecer a sua relação com a língua dos seus pais.
Os árabes estão espalhados pelo Brasil e ocupam muitas posições nele, são visíveis em seu entorno e seu papel na multiafluência da contribuição civilizacional. Embora você encontre milhões de árabes da América Latina de terceira e quarta geração que não são fluentes em árabe, eles são árabes com nomes árabes e latinos, e são influentes em ambas as culturas de qualquer maneira. Sem dúvida, o grande número da comunidade árabe [segundo as estatísticas da Câmara de Comércio Árabe, estimada em 18 milhões de árabes no Brasil], contribuiu para a disseminação da língua árabe neste nível.
Qual foi o impacto da língua árabe no vocabulário português?Existem muitos vocabulários na língua portuguesa que remontam a uma origem árabe. O conjunto de palavras árabes que existem no português impressiona, o árabe é responsável por cerca de 25% do vocabulário do português inicial. Essa estatística também leva em consideração palavras recém-derivadas.
Quais são os órgãos acadêmicos mais importantes que ainda oferecem o estudo da língua árabe no Brasil?
Os órgãos mais profundos no ensino do árabe no Brasil são as faculdades de línguas de universidades brasileiras. As mais numerosas, em quantidade, são associações e centros islâmicos em suas sedes ou por meio de escolas afiliadas, onde a língua árabe é apresentada.
Há uma série de universidades públicas que anteriormente ofereciam horas acadêmicas credenciadas ou gratuitas para o ensino de árabe em seus departamentos de línguas ou centros de serviço comunitário, mas a maioria desses programas educacionais foi interrompido por motivos que incluem: falta de recursos financeiros governamentais ou externos, provenientes de acordos de apoio de países ou partidos árabes; e falta de professores.
São estes os principais cursos de árabe: Universidade Federal de São Paulo (bacharelado, mestrado e doutorado); Universidade Federal do Rio de Janeiro (apenas bacharelado); Universidade Federal do Estado de Espírito Santo (cursos de aperfeiçoamento credenciados); Centro de Línguas da Universidade de Brasília (cursos de aperfeiçoamento credenciados); Universidade Federal de Belém (cursos de aperfeiçoamento credenciados). O Instituto Latino-Americano de Estudos Islâmicos de Maringá, no Paraná, também oferece o diploma do curso de língua árabe (seis semestres), e os certificados deste instituto ainda aguardam o reconhecimento oficial brasileiro.
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E quanto às escolas regulares em língua árabe?
Infelizmente, não existem escolas acadêmicas que forneçam seus materiais apenas em árabe e de forma presencial ao longo da semana, exceto a escola líbia em Brasília, que é supervisionada pela Embaixada da Líbia, com currículo do Ministério da Educação da Líbia e atende filhos de famílias filiadas ao corpo diplomático. A segunda escola era a Escola Libanesa do Rio de Janeiro, que fechou em 2018, e proporcionava um estudo presencial do currículo libanês nas etapas da educação geral, e prestava seus serviços dentro do Consulado do Líbano no Rio de Janeiro.
O Consulado do Egito no Rio de Janeiro também supervisiona um exame anual nos currículos educacionais do Ministério da Educação da República Árabe do Egito, bem como na via educacional de Al-Azhar. Os exames são apresentados em datas anuais, sem aulas ou semestres, mas o estudo pelo sistema de afiliação está disponível para os filhos de egípcios no Brasil e para aqueles que desejam matricular seus filhos para estudar no Egito posteriormente.
Na sua opinião, quais são os desafios da língua árabe no Brasil?
A ausência de órgãos e entidades especializadas em apoiar o movimento árabe em uma imagem social e cultural que vá além da ideia dos tradicionais cursos de língua árabe. Além disso, os esforços não têm uma grande união ou coordenação.
Na sua opinião, qual é a obra de língua árabe mais importante no Brasil?
O Sagrado Alcorão, em minha opinião, é um dos livros mais importantes cujos significados foram traduzidos para o português e alcançaram grandes publicações, vendas e ampla divulgação.
Você mencionou que o Centro King Abdullah realizou trinta atividades em cinco cidades. Como foram estas atividades?
Sim, foram em cidades dos estados de São Paula, Paraná e Santa Catarina. A programação durou um mês inteiro e os eventos incluíram cursos de formação, palestras, concursos e exposições culturais. O Centro também implantou, durante os eventos, o desenvolvimento de habilidades para ensinar árabe a falantes não nativos.
Quem foi o mais importante e primeiro autor de língua árabe a publicar no Brasil?
Quando mencionamos o primeiro, duas coisas devem ser apontadas: há uma parte acadêmica metodológica e uma parte artística e literária. No aspecto artístico e literário, a Liga Andaluza esteve na vanguarda, que foi adotada e apoiada pelo falecido Habib Masoud, e este é considerado um dos mais antigos a apoiar a literatura migrante.
Masoud (1899 – 1977) é considerado o primeiro presidente da revista Liga Andaluza, que se preocupa com a literatura árabe no Brasil, e é autor de dois livros “Gibran Vivo e Morto”, de 1932 e “Que linda você é, Libano”, de 1952.
Na área acadêmica e metodológica, é indiscutível a influência do professor egípcio Helmi Mohamed Ibrahim Nasr (1922 – 2020), estudou língua árabe, literatura e ciências islâmicas. Em 1962, veio ao Brasil como professor universitário para lecionar na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Ele pretendia, como dizia, ficar um ano para dar aulas, mas permaneceu no Brasil por um longo período de quase cinquenta e três anos, cheio de trabalho e dedicação à língua árabe e à introdução da religião islâmica.
Qual foi a importância da Liga Andaluza?
Não há dúvida de que a literatura de emigrantes criada pelos escritores árabes que imigraram para o novo mundo (as Américas) na primeira metade do século XX – especialmente a produção da Liga do Lápis na América do Norte e da Liga Andaluza na América do Sul – é um signo de destaque e um elo importante nos círculos da literatura árabe. Inovou em seus temas e questões, na abordagem e na forma artística. Portanto, essa literatura sempre recebeu notável atenção dos pesquisadores e daqueles que se preocupam com o estudo da literatura e sua história.
As migrações árabes no final do século XIX e início do século XX tiveram um papel muito importante no atendimento à língua árabe por meio da emissão de jornais e revistas árabe [recentemente totalizou 394 jornais e revistas de língua árabe no Brasil]. Entre os imigrantes, vieram um grande número de escritores e intelectuais árabes que atuaram na divulgação da língua árabe no Brasil e na Argentina, estabelecendo associações e fóruns literários, imprimindo coleções e livros de poesia, realizando encontros, divulgando poesia árabe e se comunicando com escritores do mundo árabe.
A Liga da Andaluzia foi fundada no início de 1933 no Brasil e na Argentina, e seu nome simboliza o orgulho da grande herança árabe na Andaluzia. Foi fundada pelo poeta libanês Michel Al-Maalouf e outros , mais notavelmente Rachid Salim Khoury, Michel Al-Mughrabi, Salma Bint Gibran Al-Sayegh.
A Liga da Andaluzia trabalhou para promover a literatura árabe na diáspora e preservar o clássico em prosa e poesia. Um dos frutos mais proeminentes da Liga da Andaluzia foi a publicação da revista A Nova Andaluzia e, em seguida, a revista The League, lançada entre 1934 e 1954.
Muitas dessas iniciativas retrocederam e pararam com o declínio da voz do nacionalismo árabe no mundo árabe, com a morte de muitos escritores na diáspora e o fim da idade de ouro dos impressos. Além da mudança de prioridades e a preocupação com os assuntos econômicos e a sucessão de crises no mundo árabe.
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Quais foram os esforços da literatura árabe no Brasil após a Liga da Andaluzia?
Após a cessação das atividade da Liga da Andaluzia, houve ainda o estabelecimento de uma série de outras associações literárias, como “A Liga da Literatura Árabe”, fundada pelo escritor Nawaf Hardan e poetas da diáspora brasileira em 1978, incluindo Youssef Mismar e outros. Esta liga apresentou uma série de obras literárias e recebeu apoio moral de alguns jornais do Oriente, como o jornal libanês Al-Anbaa, de propriedade do editor-chefe, Al-Amin Nawaf, que dedicou uma página de cada edição do jornal, publicado semanalmente, para os poetas e escritores.
Quais são os últimos projetos recentes entre os governos árabes e a diáspora árabe no Brasil?
Uma das iniciativas é o projeto de tradução de Kalima, do Departamento de Cultura e Turismo de Abu Dhabi, que anunciou a conclusão de um acordo de cooperação com a revista Pessoa, o maior fórum online da língua portuguesa, para a publicação de uma ontologia que inclui a tradução de um conjunto de textos escritos por onze escritores árabes imigrantes que falam português e vivem no Brasil. O anúncio foi feito na Feira do Livro de Frankfurt de 2018, realizada na Alemanha.
O acordo entre o projeto Kalima e a revista Pessoa veio em cooperação com o Consulado dos Emirados Árabes Unidos no Brasil e com o apoio da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira.
Talvez uma das datas mais importantes no apoio do governo brasileiro à língua árabe tenha sido quando o então chanceler do Brasil, Mauro Vieira, convocou, na quarta Cúpula Latino-Árabe realizada em Riad em novembro de 2015, a promoção do ensino da língua árabe no Brasil e continente latino, e indicou que há interesses comuns entre os países do continente e os árabes, apesar da distância geográfica, destacando que os programas de ensino do árabe nos países sul-americanos devem ser um dos objetivos comuns mais importantes.
Mohamed Salah El-Mahdawy, você como autor, quais são suas aspirações para a língua árabe na diáspora brasileira?
Espero que possamos estabelecer cátedras de pesquisa para o ensino do árabe em algumas universidades brasileiras.
Estou ansioso para que o projeto da Biblioteca Árabe esteja disponível a todos, especialmente os jovens e crianças árabes; para que mantenham a língua árabe ativa nas novas gerações e que, nas próximas décadas, possam liderar o movimento árabe.
Hoje, estou trabalhando em uma proposta de cooperação com o Centro para estudar a língua árabe na Argentina, sua história e os aspectos mais importante.
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