Em maio último, mobilizações ganharam o mundo em face da brutal violência israelense em Jerusalém e, na sequência, mais onze dias de bombardeios à faixa de Gaza, cujo saldo foi de mais de 250 mortos, entre os quais cerca de 60 crianças. Assim como a resistência que uniu a sociedade palestina em todos os cantos, dentro e fora de suas terras, a solidariedade internacional expressa naquela ocasião precisa ser permanente e efetiva.
O detonador em maio último foi mais um capítulo da limpeza étnica no pequeno bairro palestino de Sheikh Jarrah, em Jerusalém. Não é o único em que os palestinos estão ameaçados de expulsão, tampouco seus habitantes estão agora em segurança. A proposta indecente que voltou à mesa agora, por parte do tribunal sionista, é que paguem aluguel de suas casas aos colonos para que não sejam forçados a deixá-las.
Gaza também continua sob bloqueio desumano há catorze anos, e as milhares de construções destruídas nos bombardeios não puderam sequer ser reconstruídas, porque até cimento depende de permissão de Israel para entrar na estreita faixa. A crise humanitária é dramática.
Na Cisjordânia, todos os direitos humanos fundamentais são violados, o apartheid é institucionalizado e a colonização avança. E nas áreas ocupadas em 1948 – onde hoje se denomina Estado de Israel –, 1,5 milhão de palestinos estão submetidos a sessenta leis racistas. Além disso, cinco milhões de refugiados palestinos em campos nos países árabes continuam a esperar pelo retorno às suas terras, assim como milhares na diáspora.
Enquanto o cotidiano imposto aos palestinos é esse há mais de 73 anos, na contínua Nakba (catástrofe com a criação do Estado sionista mediante limpeza étnica planejada em 15 de maio de 1948), a normalização por parte dos governos e instituições mundo afora segue. Não à toa, o sentimento entre os palestinos sob ocupação é de abandono por parte da “comunidade internacional”.
LEIA: Em novo capítulo da limpeza étnica, relatos da Palestina
É preciso acabar com as ilusões: não há como se apoiar no andar de cima. Estes somente vão agir se a mobilização dos oprimidos e explorados os empurrar, por exemplo para que não firmem e rompam acordos com Israel. Foi o que levou a vitórias no Brasil e na América Latina como um todo. Para tanto, só há o caminho da solidariedade permanente.
Essa é tarefa imediata da solidariedade efetiva e permanente: pressionar e exigir dos governos no Brasil que rompam acordos e convênios de cooperação com o Estado racista de Israel. Abraçar a campanha de BDS (boicote, desinvestimento e sanções) é também parte da luta contra o genocídio pobre, negro e indígena no Brasil. São as mesmas armas. Contra a indústria da morte, é preciso empunhar essa bandeira que une os oprimidos e explorados.
Luta pela comunicação
A visibilidade arrancada pela resistência heróica e histórica palestina que ganhou os veículos de comunicação de massa em maio último – não obstante, da forma enviesada habitual – também precisa atingir outro patamar. Da mídia, nas mãos dos grandes capitalistas, o tratamento, quando não é mais possível simplesmente ignorar a tragédia, é em geral de “dois lados” em um “conflito” ou “guerra” pontual – a contínua Nakba jamais é contextualizada devidamente ou mencionada. E a potência ocupante é apresentada como aquela que está se defendendo. Sua verdadeira face – colonização, limpeza étnica, massacre – está ausente dessa cobertura. Grassam as distorções e, com elas, a desinformação sobre o que acontece de fato. Essa imprensa mantém, assim, os palestinos e a Palestina como ilustres desconhecidos.
Comum ainda é, tristemente, verificar como o apartheid israelense é normalizado pela mídia convencional. As aidwashings [ações de propaganda para encobrir seus crimes contra a humanidade com ações assistenciais] povoam os meios de comunicação, acriticamente.
Em 2021, a pandemia escancarou o apartheid, a partir da denúncia de organizações internacionais e israelenses – até então, as narrativas dos palestinos não contavam, o que permeia a concepção orientalista predominante. Por essa lógica, o relato desses “orientais” – bárbaros, violentos, não civilizados e que não podem se autogovernar – não é considerado digno de credibilidade.
Não obstante, aparentemente, até essas denúncias, no geral, foram engavetadas ou passaram, grosso modo, a notas de rodapé, à exceção de alguns poucos jornalistas conscientes. E o Estado sionista se tornou exemplo mundial a ser seguido na campanha de vacinação contra a covid-19. Foi realizado e exibido recentemente até um documentário sobre suas iniciativas de combate à pandemia, intitulado “Nação vacinada”. Enquanto isso, apenas 8,9% dos palestinos sob ocupação em Gaza e Cisjordânia foram totalmente imunizados, com a pandemia sendo utilizada pelo Estado sionista como punição coletiva e mais um instrumento à limpeza étnica. Quanto às ações assistenciais divulgadas pela mídia convencional, não há qualquer menção de que contrastam com o fato de que humanidade é algo, obviamente, estranho à colonização.
Ante esse cenário, o desafio é imenso. A cada pequeno espaço que se abre a uma palestra, debate, entrevista, evidencia-se que o caminho ainda é longo para que a questão palestina se faça conhecer. Mas a cada oportunidade de expor a história, o apoio de quem tem o mínimo senso de justiça e direitos humanos é imediato. O que revela o papel nefasto do oligopólio da comunicação de massas nas mãos de poucas famílias endinheiradas no Brasil.
LEIA: Brasil dá mais um passo na cumplicidade com o apartheid
Por tudo isso, para além de fortalecer a mídia independente, colaborativa e comunitária, pauta importante tanto à resistência quanto à solidariedade efetiva e permanente é a batalha pela democratização das comunicações. Essa luta é transversal.
Enquanto a comunicação não estiver nas suas mãos, palestinos, negros, indígenas, oprimidos em geral e trabalhadores seguirão a batalha pela conscientização contra um poder dominante em que suas histórias não são contadas e suas vozes continuam a ser silenciadas.
Fica aqui o chamado a uma luta permanente para reverter esse quadro, rumo à libertação da Palestina, do rio ao mar. Rumo à emancipação da humanidade.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.