‘As pessoas saem absolutamente loucas’, relata sobrevivente palestino de tortura israelense

Quando Abdul-Khaliq Burnat era apenas um menino, eu o via no telhado de sua casa, observando os soldados que se reuniam na colina do outro lado da estrada. Seu pai, Iyad Burnat e eu também ficávamos ali, enquanto os soldados se preparavam para atacar a aldeia. Abdul-Khaliq queria juntar-se aos protestos semanais que ocorriam na época, mas seu pai não o deixava. Embora fossem manifestações pacíficas, assim que o exército chegasse deixavam de sê-lo e as pessoas saíam feridas. “Chlab”, dizia Iyad a si mesmo sobre os soldados — isto é, “cachorro” no árabe local.

Encontrei Abdul-Khaliq outro dia em sua aldeia de Bil’in, na Cisjordânia ocupada, que tornou-se conhecida por ser um dos principais focos de resistência civil na Palestina. Mesmo embora a aldeia preserve seus princípios de resistência pacífica, forças israelenses mataram, feriram e prenderam inúmeros de seus habitantes.

Hoje, Abdul-Khaliq é um rapaz de 22 anos, com sua camiseta moderna, seu jeans escuro e um boné de baseball que combina com os tênis — algo que poderíamos esperar de todo jovem de sua idade em qualquer lugar do mundo. Visitei Bil’in, junto de Bassem Tamimi da aldeia de Nabi Saleh, e vi novamente Abdul-Khaliq junto de seu pai. As duas aldeias ficam apenas a trinta minutos de distância de carro uma da outra e a rodovia que as conecta é repleta de razões pelas quais Bassem, Iyad e agora Abdul-Khaliq — além de muitos outros palestinos — dedicam-se à resistência histórica. Sobretudo, assentamentos ilegais israelenses em perpétua expansão sobre terras palestinas, tomando mais e mais terras de seus donos por direito e poluindo a paisagem nativa.

Quando Bassem e eu chegamos, Iyad e Abdul-Khaliq vieram nos cumprimentar. Iyad e Bassem são veteranos da resistência palestina e ambos vivenciaram os horrores dos interrogatórios israelenses e seu sistema carcerário. Abdul-Khaliq retornou há pouco de mais de cinquenta dias de questionamentos pela polícia secreta de Israel, no infame centro de tortura de Moskubiya. Seu irmão Mohammad ainda está lá.

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Após nos sentarmos, Bassem perguntou a Abdul-Khaliq, em um tom vago de brincadeira: “Então, como vai Moskybiya?”. O rapaz virou-se com uma expressão mais eloquente do que qualquer resposta — um olhar de pavor que dizia claramente: “Vivi os horrores do inferno!”. Em seguida, Abdul-Khaliq perguntou a Bassem e Iyad sobre suas próprias experiências. Qual o tamanho da cadeira que tinha de sentar-se durante os interrogatórios? Qual o tamanho das “camas” em suas celas minúsculas? E assim por diante…

“Os interrogatórios prolongavam-se vinte horas por dia”, relatou Abdul-Khaliq, aquele olhar de volta a seu rosto. “O que poderiam perguntar por tantas e tantas horas?”.

“Não é um questionamento contínuo”, intercedeu Bassem. “Você se senta naquela sala escura e a cada três ou quatro horas alguém aparece e faz uma pergunta, então sai e deixa você ali”. Abdul-Khaliq então demonstrou como sentava-se na pequena cadeira, suas mãos algemadas sobre suas costas — cochilava exausto e despertava de dor.

Moskubiya

O nome Moskubiya deriva da cidade russa de Moscou. Refere-se a uma área na região oeste de Jerusalém conhecida pelos israelenses como “complexo russo”. Trata-se de um território comprado no século XIX pelo czar para servir a seus compatriotas que viajavam à Terra Santa. Há uma vasta catedral russa e outras instalações no local, que também abriga uma corte distrital, uma delegacia de polícia e a infame penitenciária. O Shabak — polícia secreta israelense — usa tais instalações, que possuem câmaras subterrâneas e servem de centro de tortura no qual os palestinos são “interrogados”. Há um cômodo em particular conhecido como Cela Número Quatro, do qual as pessoas saem engatinhando.

Moskubiya fica hoje em uma área de lazer de Jerusalém ocupada, cercada por bares, restaurantes, lojas e boates bastante movimentadas. É um lugar alegre e ensolarado, logo ao lado de um centro de tortura. É preciso questionar como reagiriam os israelenses que frequentam os bares e restaurantes ao redor caso pudessem ouvir os gritos no local.

Tortura

O Comitê Israelense Contra Tortura fornece informações e é engajado em contestar Tel Aviv sobre a prática sistêmica. As diretrizes para tortura em Israel provêm de uma decisão da Suprema Corte de 1999, a qual prevê que, embora não seja legal, sob certas circunstâncias, é considerada necessária em nome da segurança nacional, de modo que o próprio Shabak avalisa os métodos aplicados de “pressão física”. A decisão é debatida em um artigo do professor Yuval Shany, do Instituto para a Democracia em Israel, que afirma:

No caso de 1999, o estado assumiu o ponto de vista de que a necessidade de defesa pode outorgar à Agência de Segurança de Israel (ISA) a autoridade legal para exercer “pressão física moderada”. A corte, contudo, determinou que quatro métodos de interrogatório utilizados pelas forças israelenses — chacoalhões violentos, posição Shabach (acorrentado dolorosamente em uma cadeira baixa), “agachamento sapo” (isto é, sobre os calcanhares) e privação do sono (de modo a exceder as demandas efetivas) — são expressamente ilegais.

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Todavia, a corte opinou que necessidades de defesa — isto é, medidas razoáveis de emergência para impedir um mal maior — devem continuar disponíveis aos interrogatórios da ISA e que o procurador-geral está autorizado a instruir a si próprio sob as circunstâncias previstas, de modo que a promotoria pública não pode indiciar o interrogador.

Pergunte a qualquer palestino uma vez detido por Israel e ouvirá relatos de tortura. A privação do sono é o método padrão. Ser isolado sem qualquer acesso à luz solar e acorrentado em uma postura profundamente dolorosa por horas e horas também faz parte da rotina. Exposição a barulhos extremos e luzes artificiais abrangem o aspecto psicológico do suplício, além de serem comuns ameaças à família e à honra e reputação de esposas, mães e irmãs.

Não há dúvidas de que Abdul-Khaliq Burnat sofre de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) devido aos traumas perpetrados por Israel. ‘As pessoas saem absolutamente loucas’, relata o sobrevivente palestino, com aquele mesmo olhar em seu rosto. A última de suas cicatrizes soma-se aos traumas abrangentes da ocupação, opressão e reiterada invasão e pilhagem de sua casa por forças israelenses.

Enquanto conversávamos, o irmão mais novo de Abdul-Khaliq, Muhiaddin, estudante da primeira série do fundamental, ouvia suas histórias. Tudo que eu pensava era o seguinte: Como protegê-lo de tamanha brutalidade? Ou será mais outra vítima da tortura israelense?

Publicado originalmente em MintPress News

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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