O quê: Massacre de Corumbiara
Onde: Corumbiara, Rondônia
Quando: 9 de agosto de 1995
O que aconteceu
Há 26 anos, na madrugada de 9 de agosto de 1995, a fazenda Santa Elina, uma imensa propriedade rural com cerca de 18 mil hectares, ocupada por trabalhadores rurais sem-terra, foi invadida por 194 policiais fortemente armados.
A violência dos policiais militares e os atos de guerra protagonizados por eles naquele dia mancharam de sangue para sempre a história do conflito agrário no Brasil.
Foram 12 mortes, sendo nove de trabalhadores rurais, duas mortes de militares e uma de um homem até hoje não identificado.
O caso ficou conhecido internacionalmente como “Massacre de Corumbiara”, nome do município onde se localizava a Fazenda Santa Elina.
O que aconteceu antes
Em 15 de julho de 1995, quando a fazenda foi ocupada por trabalhadores rurais sem-terra que lutavam para conseguir semear e colher em terras improdutivas da região de Rondônia, nenhuma daquelas pessoas poderia imaginar o banho de sangue dos quais seriam testemunhas e vítimas semanas depois.
Dois dias após a ocupação pacífica, o proprietário da fazenda Santa Elina entraria com um pedido de reintegração de posse, que foi imediatamente acatado por juízes locais.
A Polícia Militar de Rondônia, após algumas semanas de ameaças e negociações frustradas, e utilizando um contingente formado por violentos militares da região, adentrou a propriedade, ferindo o primeiro trabalhador. Mas o pior ainda estava por vir.
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Um pouco antes do Massacre de Corumbiara, o governo do estado havia enviado uma equipe de técnicos para negociar a saída do local.
O governador do estado, que depois se tornaria o senador Waldir Raupp afirmaria anos depois do Massacre que a intenção da Polícia Militar não era matar, e que “ a situação era tratada como um ato normal de reintegração de posse e uma equipe de técnicos fora enviada justamente para buscar uma solução negociada, tudo parecia sob controle”.
Mas não haveria solução pacífica e nem respeito pelas vidas humanas presentes ali.
O caso chocou o mundo também porque Cícero Pereira Leite Neto, um dos dois sem-terra que tentaram uma negociação pacífica naquela tarde, foi condenado no julgamento do Massacre, realizado em 2000.
Cícero diria anos depois que o que os sem-terra pediam era apenas o direito de trabalhar. “ Foram discutidas as nossas reinvindicações, que seriam levadas pela equipe de técnicos a Porto Velho, mas eles voltaram com nenhuma resposta”, diria ele.
Em 8 de agosto de 1995, um dia antes ao massacre, o trabalhador rural chegou a dar uma entrevista para a TV Rondônia, afiliada da Rede Globo na região. “Só dissemos que não íamos sair. Isso não é caso de polícia. Isso é caso de governo, isso caso do Incra. Polícia é para traficante. Polícia é para jagunço. Polícia é para quem concentra terra e não deixa os trabalhadores trabalhar na terra”, diria, pouco antes do Massacre.
Um major da PM, que participou da negociação e participaria do Massacre, afirmara que a tentativa de conciliação não teve sucesso. “Nós tentaremos cumprir a ordem judicial. Nós atuaremos com o pessoal da Polícia Militar. Vamos evitar o confronto, tendo em vista que já observamos ter muita criança, mulheres e pessoas idosas”.
Mas não foi o que aconteceu. Horas depois, 194 policiais militares, de vários municípios do estado, foram escalados para a operação de reintegração de posse na Fazenda.
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No dia 8 de agosto, em um campo de futebol próximo ao assentamento, a PM montou uma base para a sua operação e na madrugada de 9 de agosto, a propriedade foi invadida por 194 policiais fortemente armados.
As investigações apontaram que pistoleiros contratados por fazendeiros também participaram da operação. O assentamento tinha cerca de 2.300 pessoas, entre mulheres, homens, crianças e idosos.
Além das 12 mortes, a operação deixou 64 feridos (53 assentados e 11 policiais), além de 355 pessoas foram detidas por “resistência”.
Os assentados relataram que por volta de 3h30 da madrugada jagunços e policiais militares cercaram o acampamento, grande parte deles usando máscaras ou com rostos pintados como soldados durante a guerra.
O ataque teve início com arremesso de bombas de gás lacrimogênio e rajadas de tiros. “Começaram a jogar bombas de efeito moral e depois vieram os tiros. Vinham mais bombas seguidas de tiros. Por volta de 7h foi quando eles invadiram o acampamento de vez, o sol já tinha aparecido”, contou Cícero, ao explicar que após a retomada da fazenda, vários detidos passaram por sessões de espancamento. A PM alega que a equipe “cumpria a reintegração de posse foi surpreendida por uma emboscada preparada pelos invasores”.
O que aconteceu depois
O acampamento, formado por mais de 150 barracas, foi completamente destruído e queimado após a ocupação da fazenda. O coronel responsável pelo Massacre de Corumbiara foi exonerado do cargo menos de uma semana depois do fato. O governo alega ainda hoje que que não houve falhas da parte do estado. Ao todo foram periciadas 74 armas, de um total de 194 militares que estavam na operação. Os laudos foram realizados dois meses após a operação. O local do massacre não passou por perícia. Ao fim das investigações, o Ministério Público de Rondônia (MP-RO) denunciou 20 policiais, quatro sem-terra, um fazendeiro e seu gerente.
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O caso foi julgado entre agosto e setembro de 2000, em Porto Velho, após pedido da comarca de Colorado do Oeste. Foram condenados ainda o soldado Airton Ramos de Morais (18 anos de reclusão) , o soldado Daniel da Silva Furtado ( 16 anos de reclusão) , e o capitão Vitório Régis Mena Mendes a 19 anos e meio de reclusão. O trabalhador sem-terra Cícero Pereira pegou seis anos e dois meses de reclusão, e cumpriu a pena.
Denúncia na OEA
O massacre de Corumbiara levou Rondônia e o Brasil a responderem na Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA) por violação do direito à vida e dos direitos humanos.
O estado recebeu a recomendação expressa de realizar as indenizações às vítimas.
Mas mesmo com tantas perdas, tantas mortes e com o rastro de sangue deixado pelos policiais naquele dia, segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Rondônia, os familiares das vítimas do massacre jamais foram indenizados.
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