Portuguese / English

Middle East Near You

Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

O Ano Novo Islâmico de 1443

O dia 10 de agosto de 2021 coincide com o dia primeiro de muharram do ano 1443 da hégira, o primeiro dia do ano islâmico lunar.

O dia 10 de agosto de 2021 coincide com o dia primeiro de muharram do ano 1443 da hégira, o primeiro dia do ano islâmico lunar. Uma vez que o ano lunar tem dez dias a menos que o ano solar, então temos que não é possível fazer uma correspondência fixa entre datas lunares e datas solares. Isso sem falar das estações do ano. O ano lunar não permite correlação entre seus meses e as estações do ano, ou seja, o inverno e o verão mudam de data ano a ano no calendário lunar, com uma diferença anual de dez dias. O ano solar, usado no calendário gregoriano corrente, permite uma correspondência exata com as estações do ano. Os meses lunares têm 29 ou 30 dias e a duração de cada mês muda ano a ano de acordo com a órbita da lua. Por exemplo, em um ano, o Ramadã, mês do jejum,  pode ter 29 dias, no outro pode ter 30 dias.

Foi o segundo califa Omar ibn Al-Khattab, que instituiu o uso do calendário lunar islâmico, usando a hégira como marco inicial, dada a sua importância crucial na História do Islã. hégira, em árabe, quer dizer migração. Ela ocorreu no ano de 622, no calendário gregoriano, e constituiu a migração do profeta Mohammad, que as bênçãos e a paz de Deus estejam sobre ele, junto com os seus companheiros (chamados na tradição islâmica de sahaba), de Meca, ao sul da Arábia, para Medina. Meca, a cidade sagrada onde fica a Caaba, havia se tornado um lugar hostil para a primeira comunidade islâmica da História. A sociedade árabe politeísta de Meca infligia perseguições e torturas aos primeiros muçulmanos. Tentou, em vão, assassinar o profeta Mohammad, que as bênçãos e a paz de Deus estejam sobre ele.

A escolha de Medina para ser a nova sede do Islã e o centro do primeiro estado islâmico da História não foi feita por acaso. Um ano antes da hégira, um grupo das duas maiores tribos de Medina havia aderido em segredo ao Islã, e havia convidado o profeta Mohammad, que as bênçãos e a paz de Deus estejam sobre ele, a instalar-se em Medina e ser o seu governante. Eram as tribos de Al-Aws e Al-Khazraj, que travavam lutas sangrentas entre si. A adesão ao Islã foi um oportunidade para a pacificação das duas tribos, sob o patrocínio e liderança do fundador do Islã. O próprio nome de Medina foi uma consequência da hégira. O nome original da cidade árabe ao norte de Meca é Yathreb, nome este que foi mudado para Al-Madina Al-Munawara, com a chegada do profeta árabe e seus companheiros para a cidade. A tradução deste termo para o português é, literalmente, a cidade iluminada. Mas na literatura corrente de língua portuguesa o termo é abreviado para “Medina”.

LEIA: Eid al-Adha: a data mais sagrada do calendário islâmico

A hégira foi um divisor de águas na História do Islã e em toda a História Universal. Foi o marco da saída do Islã da fraqueza, humilhação e perseguição, aos quais era submetido em Meca, para a posição de senhor das Arábias, numa primeira fase, na vida o próprio profeta Mohammad, que as bênçãos e a paz de Deus estejam sobre ele, e numa segunda fase, para a posição de senhor do mundo antigo, na era dos primeiros califas, derrotando os poderosos Império Persa e Império Bizantino. Foi ciente desta inestimável importância da hégira, que o califa Omar ibn Al-Khattab a instituiu para ser a marco inicial do calendário islâmico. Lembrando que o nascimento do profeta do Islã ocorreu pouco mais de meio século antes da hégira, ou seja, no ano 570 da era cristã.

Fazendo eco à citação bíblica de que nenhum profeta é honrado em sua própria terra, o caso do selo dos mensageiros e profetas, Mohammad, que as bênçãos e a paz de Deus estejam sobre ele, teve toda a sua história marcada por esta citação. A oposição mais ferrenha à mensagem islâmica ocorreu na própria cidade natal do profeta, Meca. A comunidade dos senhores árabes politeístas de Meca rejeitou veementemente a mensagem do Islã. O Islã, como religião e estado político, só foi triunfar mesmo em Medina, na qual foi escrito uma das mais formidáveis constituições de toda a História, o chamado Pacto de Medina. Este pacto foi uma verdadeira constituição que organizava a vida das diversas comunidades existentes em Medina, entre elas a comunidade judia, então presente naquela cidade. Como no primeiro estado islâmico a paz reinou sobre as tribos árabes de Al-Aws e Al-Khazraj. estas são conhecidas na tradição islâmica como “Al-Ansar”, algo que pode ser traduzido para o português como “os apoiadores” ou “os partidários”, já que o seu papel foi decisivo no triunfo do Islã.

A partir de Medina, o Islã seguiu a sua trajetória triunfante para dominar áreas tão vastas do mundo, que se estendiam da China Ocidental, ao leste, até a Península Ibérica, ao oeste. O Islã aniquilou o Império Persa, destronando para sempre as dinastias persas, passando a Pérsia (região do atual Irã) a fazer parte dos domínios do Islã. O Império Bizantino foi expulso do Levante e do Egito e de boa parte da Ásia Menor. Constantinopla só foi ser conquistada pelos muçumanos vários séculos depois da hégira, no anos de 1453 da era cristã, pela dinastia turco-otomana, a qual aniquilou o Império Bizantino para sempre. De um grupo indefeso e perseguido em Meca, para um poderoso e confiante estado islâmico em Medina, a hégira foi a porta para a esplêndida glória do Islã na História da Humanidade.

O Islã, antes da hégira, passou treze anos em Meca, durante os quais era uma comunidade perseguida e humilhada. Apenas oito anos após a hégira, o triunfo do Islã estava selado em toda a Arábia, com a conquista pacífica de Meca pelo exército muçulmano liderado pelo profeta, no ano 630 da era cristã. A conquista de Meca permitiu que toda a Arábia fosse unificada sob a bandeira do Islã. A sede de poder na Arábia passou de Meca, ao sul, para Medina, ao norte. Durante todo este tempo, ocorreram várias batalhas entre o primeiro estado islâmico e as diversas tribos politeístas da Arábia. Na maioria delas, os muçulmanos saíram vitoriosos, embora tenham sofrido reveses, como aconteceu na batalha de Uhud, nos arredores de Medina.

LEIA: Reflexões sobre ser muçulmano no Ocidente

Há um forte simbolismo associado à hégira que permeia toda a tradição e teologia islâmicas. Os exemplos da migração, luta, resistência, persistência e perseverança do profeta Mohammad, que as bênçãos e a paz de Deus estejam sobre ele, são uma referência para os muçulmanos de todos os tempos e lugares. A hégira estimula o muçulmano a buscar saídas e soluções para os seus problemas e adversidades. Mostra a ele que a firmeza na fé e no credo é mais importante que o próprio patriotismo e laços tribais. A primeira comunidade islâmica foi perseguida em sua pátria, a cidade de Meca, e foi obrigada a buscar refúgio em uma nova terra, Medina. As tribos de Meca, que tinham laços sanguíneos com os membros da primeira comunidade islâmica, perseguiram os seus próprios filhos e conterrâneos, enquanto que os estrangeiros de Yathreb deram proteção e abrigo aos seus irmãos de fé. Isso mostra que, no Islã, a irmandade de fé e credo é mais importante que os próprios laços sanguíneos e pertencimento tribal.

No primeiro dia do Ano Novo Islâmico de 1443 desejamos um Feliz Ano Novo a todos os muçulmanos do mundo, e esperamos que este ano traga muitas bênçãos a todos. Em especial, gostaríamos de desejar que este Ano Novo traga consolo aos perseguidos, socorro aos desvalidos, abrigo aos sem-teto, alimento aos famintos, proteção aos desprotegidos, dignidade aos humilhados. Que os muçulmanos que sofrem na Síria, Palestina, Iraque, Iêmen, Mianmar, China recebam consolo e paz. A verdadeira hégira tem que ser da injustiça para a justiça, dos conflitos para a paz, do egocentrismo para a solidariedade, do materialismo desenfreado para um espiritualismo reconfortante e refrigerante.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

Categorias
Arábia SauditaArtigoOpiniãoOriente MédioVídeos & Fotojornalismo
Show Comments
Palestina: quatro mil anos de história
Show Comments