Senado revoga Lei de Segurança Nacional da ditadura

Aprovado nesta terça-feira (10) pelo Senado, o Projeto de Lei (PL) 2.108/2021 revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN), criada em 1983, ainda no período da ditadura militar. As regras, consideradas ultrapassadas após a Constituição de 1988, serão substituídas pela inclusão de um novo título no Código Penal (Decreto Lei nº 2.848, de 1940) para tratar dos crimes contra o Estado Democrático de Direito. As mudanças ainda dependem da sanção do presidente da República.

O novo título traz capítulos que tratam de crimes contra a soberania nacional, as instituições democráticas, o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral, o funcionamento dos serviços essenciais e a cidadania, além de um capítulo com as disposições comuns a eles.

O projeto também revoga artigo da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688, de 1941) que trata dos crimes referentes à paz pública. De acordo com esse dispositivo, participar de associação periódica de mais de cinco pessoas “sob compromisso de ocultar à autoridade a existência, objetivo, organização ou administração da associação” — ou seja, em segredo — acarretava em prisão de até 6 meses ou multa.

Crimes

Entre os novos crimes tipificados está o de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, “impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais”. Nesse caso, a pena é de prisão de 4 a 8 anos, além da pena correspondente à violência empregada. Já o crime de golpe de estado propriamente dito — “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” — gera prisão de 4 a 12 anos, além da pena correspondente à violência.

Negociar com governo ou grupo estrangeiro, ou seus agentes, com o fim de provocar atos típicos de guerra ou invasão gerará prisão de 3 a 8 anos — e pena aumentada da metade até o dobro se for declarada guerra em consequência dessa ação.

Praticar violência ou grave ameaça com a finalidade de desmembrar parte do território nacional para constituir país independente terá pena de prisão de 2 a 6 anos, além da pena correspondente à violência.

O texto prevê, ainda, crimes contra o processo eleitoral (interrupção do processo, comunicação enganosa em massa, violência política e ação penal privada subsidiária) e de sabotagem contra o funcionamento de “serviços essenciais” — os meios de comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional.

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Também são previstos crimes contra a cidadania e contra o direito de manifestação. O crime de impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos terá pena de prisão de 1 a 4 anos. Se houver lesão corporal grave, a prisão será de 2 a 8 anos. Se causar morte, a prisão será de 4 a 12 anos.

No capítulo das disposições comuns, o PL deixa claro que não são crimes a manifestação crítica aos Poderes constitucionais, a atividade jornalística e as reivindicações de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves ou de quaisquer manifestações políticas com propósitos sociais.

Mérito

Para o relator, senador Rogério Carvalho (PT-SE), a edição do título com os novos crimes ao Código Penal era necessária. Ele explicou que, apesar de a LSN trazer “normas inconciliáveis” com a Constituição, existem normas necessárias para punir e condutas que desafiam as instituições estatais e a ordem constitucional. Ele lembrou  que as nações democráticas se valem de normas penais para coibir tentativas de comprometer a existência soberana da nação ou ainda de atentar contra o Estado de Direito.

Mudanças

Carvalho rejeitou as 40 emendas apresentadas no Senado, por implicarem, de acordo com ele, mudanças substantivas ao texto-base. Ele sugeriu que essas alterações sejam analisadas futuramente, depois da edição da nova lei porque seu acolhimento implicaria no retorno do PL à Câmara dos Deputados.

Ele aceitou parcialmente as emendas 36, de autoria do senador Luis Carlos Heinze, e a 39, da senadora Soraya Thronicke, para melhorar a redação do art. 359-O — que trata da comunicação enganosa em massa. O artigo prevê pena de 1 a 5 anos para quem promover campanha ou iniciativa falsas e comprometer o processo eleitoral.

Na nova redação fica claro que o crime se refere á higidez do processo eleitoral e não ao processo eleitoral em si. Para ele, é preciso fazer a diferença porque é possível que a prática da conduta não afere o processo eleitoral, mas comprometa seu resultado, que é o verdadeiro alvo do texto.

Outra emenda de redação feita pelo senador foi a alteração do art. 286 do Código Penal, que trata de incitação ao crime contra a paz pública. Para o relator, era necessário deixar claro que a punição prevista é a animosidade das Forças Armadas contra os Poderes e contra a sociedade, que são objeto da tutela da lei. A punição do artigo é para “quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os Poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.

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Rogério Carvalho também fez uma alteração ao artigo que trata de espionagem. De acordo com o texto original, “entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional” pode acarretar em pena de reclusão, de 3 a 12 anos.

Carvalho acrescentou a palavra “concreto” ao se referir ao perigo à ordem constitucional ou à soberania nacional. Para ele, perigo colocado na lei penal sem concretude assume um caráter vago e torna o tipo penal aberto. “A palavra ‘concreto’ fecha mais o tipo penal e não abre possibilidades de supor um risco que talvez não exista. Assim, exige a comprovação da existência de um perigo real, não abrindo espaço para o uso do tipo para vetar a denúncia documental a organismos internacionais ou governos parceiros ou influentes, por exemplo, como mote para proteger governos antidemocráticos ou ações ilegais”, explica o senador.

Publicado originalmente em Agência Senado

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