Com direito a hasteamento de bandeira e foto com prefeito usando máscara de Israel, o Estado sionista tem encontrado em Goiás um terreno fértil para vender suas tecnologias da morte. Respectivamente nos dias 4 e 5 de agosto, o chefe do Departamento Político da Embaixada de Israel no Brasil, David Atar, visitou a capital, Goiânia, e a segunda cidade mais importante do estado, Aparecida de Goiânia, para firmar parcerias.
Na pauta, a concepção de que as tecnologias oferecidas por Israel contribuiriam para a construção do projeto de “cidades inteligentes” – totalmente conectadas, sob o pretexto de, conforme o argumento exposto no site da administração municipal de Aparecida de Goiânia, “universalizar o acesso aos serviços da Prefeitura e desonerar os cofres públicos”.
Ao contrário, nas mãos daqueles para os quais até os espaços urbanos se tornam commodities, prato cheio para a privatização de serviços, militarização, indústria do controle e vigilância. Negócio lucrativo para Israel seguir sustentando o apartheid e expansão colonial, às custas de impostos pagos pelos trabalhadores goianos. E de muita distorção da realidade, ao que tanto Aparecida de Goiás quanto a capital do estado servem como cartões-postais.
A farsa de “florescer o deserto”
Defendendo a parceria para projetos de irrigação voltados à agricultura urbana e semiurbana, o prefeito de Goiânia, Rogério Cruz, recuperou no encontro a falsa propaganda sionista de que Israel desenvolveu o cultivo em locais áridos: “Tive o privilégio de conhecer essas iniciativas de perto e, literalmente, assistir o deserto florescer. E quando falamos que o deserto floresce, percebemos a dimensão da tecnologia que Israel desenvolve”, citando projetos similares implantados no Nordeste brasileiro.
A afirmação, que consta no site da administração municipal, vai ao encontro da mentira de que Israel fez florescer o deserto, amplamente refutada pela história. A Palestina nunca foi o descampado que ainda hoje os sionistas descrevem para vender suas tecnologias ao mundo.
Os palestinos cultivavam suas terras férteis desde tempos ancestrais e viviam, em sua maioria, da agricultura de subsistência. Os sionistas, além de os expulsarem violentamente para a consolidação de seu projeto colonial, construíram seu Estado em locais onde antes eram suas aldeias, promovendo uma Nakba também ambiental, que segue até hoje. À mudança da paisagem, a mata nativa foi arrasada.
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Amizade de longa data
Não obstante, nas duas cidades, nada disso naturalmente foi levado em conta. A impressão é que, além de velhos slogans repetidos ainda hoje pelos sionistas – amplamente refutados pela história –, a tentativa de apagamento dos palestinos se apresentava na ocasião a interlocutores bastante simpáticos a essa ideia. O prefeito de Aparecida de Goiânia, Gustavo Mendanha, é, sem sombra de dúvida, aliado de primeira ordem, na propaganda e normalização de relações com o apartheid.
Seu empenho nessa direção não é de hoje. Em dezembro de 2017, ele inaugurou a Praça Israel, no Parque Trindade II, ocasião em que foram ungidas por lideranças religiosas as bandeiras sionista e brasileira – sempre obliterando o projeto político colonial sob a representação bíblica. A praça conta com uma estátua de Osvaldo Aranha, o diplomata que presidiu a Assembleia Geral das Nações Unidas em 29 de novembro de 1947 que recomendou a partilha da Palestina em um estado judeu e um árabe, dando sinal verde à execução dos planos sionistas de limpeza étnica que culminaram na Nakba (a catástrofe palestina com a autoproclamação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948). No mesmo momento, a Câmara Municipal concedeu o título de cidadão aparecidense ao então embaixador de Israel no Brasil Yossi Shelley.
Em junho de 2019, Mendanha assumiu a presidência da Câmara de Cooperação Israel-Brasil Central (CCOPIB), que integra os Estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal, com o objetivo de potencializar parcerias na região. Funcionando com o apoio da Embaixada de Israel, a CCOPIB está sediada na Federação do Comércio do Estado de Goiás (Fecomércio), cujo presidente, Marcelo Baiocchi, esteve presente na reunião do último dia 4 com David Atar na capital.
No rol de serviços prestados a Israel, Mendanha reúne em seu portfólio ainda a realização de um encontro de pastores de sua cidade com Yossi Shelley em Brasília, no qual também se discutiram acordos internacionais; o hasteamento em 2020 da bandeira sionista em cerimônia pública para “celebrar os 72 anos da Independência de Israel”; o anúncio vergonhoso à pandemia de que negocia a compra da ainda inexistente vacina de Israel, assim como receber os sprays negociados por Bolsonaro para testes na cidade, entre outros. Mendanha cumpre – e bem – o papel de representante sionista na região e seu garoto-propaganda brasileiro.
Por tudo isso, é natural que David Atar tenha afirmado no encontro do último dia 5 que “Aparecida tem cada vez mais a cara de Israel” – completando, como sempre, que ambos são acolhedores e calorosos, na usual propaganda que oculta a verdadeira face do apartheid, racista, desumana, com extensa ficha corrida de crimes contra a humanidade cometidos contra os palestinos. Ficha corrida que só cresce, em meio à impunidade, com a cumplicidade de Aparecida de Goiânia e região.
Sionismo cristão
Tanto Mendanha quanto Cruz são evangélicos da corrente dispensacionalista (que basicamente difunde a ideologia de que há dois povos de Deus, um celestial – a Igreja – e outro terreno – Israel). Não significa que governantes que professam fés distintas ou não são religiosos não façam alianças como essas, mas sem dúvida o sionismo cristão tem sido um facilitador a abrir portas a Israel, não apenas para enganar a população que busca na religião um alívio e desconhece que o que está por trás é um projeto político racista em aliança com o imperialismo, mas também para justificar negócios milionários entre os poderosos.
Rogério Cruz, prefeito de Goiânia, é da Igreja Universal do Reino de Deus; Gustavo Mendanha tem como mentor o pastor Romeu, da Igreja Assembleia de Deus Esperança. Envolvem suas cidades em negócios com o sionismo e as relegam, ao futuro, o carimbo de colaboradoras de um regime que segue a derramar o sangue palestino. A cada bombardeio em Gaza, a cada novo capítulo da limpeza étnica, Israel testa suas tecnologias que são vendidas a governos para a repressão, controle e vigilância e, sobretudo, matar negros, pobres e indígenas no Brasil.
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Ao conhecer a verdade, não deverá ser esse o cartão-postal que a população de Aparecida de Goiás e da capital do estado há de querer ver de suas cidades. Para mudar essa triste mácula, é preciso repudiar a construção de uma imagem como representação de Israel – cuja história é fundada sobre os corpos palestinos, sejam idosos ou jovens, homens, mulheres ou crianças. Lutar para transformar Aparecida de Goiânia e região para que, cada vez mais, passem a ter a cara da Palestina histórica – esta, sim, acolhedora, humana e generosa.
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