Não é de hoje que a expressão da xenofobia no Brasil está representada nos Legislativos e Executivos. Basta lembrar que em 2015, durante entrevista ao Jornal Opção, de Goiás, Jair Bolsonaro, então deputado federal, chamou os refugiados e imigrantes de “escória do mundo”. Protegido pela imunidade parlamentar – que lhe permitiu seguir com sua verborragia repugnante, ofensiva contra trabalhadores e oprimidos, política genocida e defesa da ditadura até os dias atuais – não só não foi punido, como chegou à cadeira do Planalto.
Nesta terça-feira, dia 24 de agosto, um de seus discípulos, o deputado estadual Douglas Garcia (PTB), teceu declarações xenofóbicas durante sessão da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) em que voltou à pauta uma moção de 2019 em repúdio a ataques cometidos contra o restaurante e espaço cultural palestino Al Janiah na madrugada de 1º. de setembro daquele ano, quando foram lançados gases lacrimogêneo e de pimenta por um grupo fascistoide para dentro do local.
De autoria da deputada Erica Malunguinho (PSOL) e com parecer favorável da relatora, deputada Adriana Borgo (Pros), a moção tem um caráter mais amplo, de rechaço à xenofobia – aversão a estrangeiros – que tornou o Al Janiah um alvo de grupos da extrema direita paulista. Já houve outros ataques e gritos à porta do espaço como “voltem para casa, vocês não são bem-vindos aqui”. Infelizmente essa não é uma opção; o direito inalienável e inegociável ao retorno dos refugiados palestinos às terras que lhes foram usurpadas é negado pelo Estado racista de Israel.
É preciso lembrar que xenofobia é crime previsto na Lei 9.459, de 13 de maio de 1997, a qual acresceu ao artigo 140 do Código Penal que se “a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem”, a pena é de reclusão de um a três anos e multa. Urge que seja cumprida.
Jabuti verborrágico
Douglas Garcia, vice-presidente do Movimento Conservador, o antigo Direita São Paulo, investiu contra a moção distorcendo seu conteúdo e trazendo algo que nada tinha a ver com seu objeto para tentar maquiar sua xenofobia – uma confusão com os manifestantes em 2017, na Avenida Paulista, quando o então Direita São Paulo realizava um ato público contra a nova Lei de Migração. Falas ao microfone com forte conteúdo islamofóbico levaram especialistas ouvidos pelo portal G1 à época a afirmarem que o ato foi ilegal, por ferir a dignidade humana – limite à liberdade de expressão. Nos vídeos que convocavam a manifestação xenofóbica, a nova Lei de Migração era denominada “estatuto do terrorista”, como aponta a mesma reportagem.
Para Garcia, que ressuscitou o tema agressivamente e de forma distorcida na sessão do dia 24 no que poderia ser chamado de jabuti verborrágico (tema alheio à relevância da matéria), contudo, estavam exercendo seu direito democrático – ao qual bolsonaristas que tanto defendem ditadura recorrem somente quando lhes convêm.
A xenofobia expressa no ato de 2017 – ao qual Garcia se orgulha de ter participado – também permeou sua fala na Assembleia Legislativa. Por exemplo, quando comenta sobre o “início de uma organização terrorista internacional radical fundamentalista” e que esse é “um restaurante que infelizmente abriga aquilo que hoje há de pior na sociedade paulistana”.
O parlamentar completa com uma pérola: “E não adianta dizer que sou xenófobo, não é questão de etnia, apenas de lógica. Vemos infelizmente o que está acontecendo no Afeganistão com o Taliban. É o que a gente tá querendo trazer para o nosso país? Algo semelhante a isso? Essas pessoas precisam saber que no nosso país existe gente que vai lutar pela liberdade, pela democracia, pelo nosso direito de nos manifestar de forma ordeira.”
Não à islamofobia
Seria pedir demais ao deputado bolsonarista que buscasse ampliar seu conhecimento antes de adotar retórica tão generalista, discriminatória e ofensiva quanto ignorante. Ele chega a citar a situação do Afeganistão em seu discurso agressivo – um país da Ásia Central, não árabe, que sofre os efeitos de décadas de intervenções imperialistas –, totalmente descontextualizada e de forma rasa, para reverberar seu ódio contra islâmicos.
Na sua cabeça mergulhada em preconceitos, é tudo a mesma coisa – todos são “terroristas”. Desconhece que o Islã não tem nada de terrorista e omite os milhões de árabes e muçulmanos mortos em atentados, ao longo da expansão colonial europeia desde fins do século XIX e por ação do imperialismo do momento. Dados de 2015 dão conta que nos casos em que foi possível identificar a religião professada por vítimas de terrorismo, 80% a 90% são muçulmanas. Na Palestina, em maio último, Israel jogou mais uma vez bombas sobre as cabeças de palestinos em Gaza: mais de 250 pessoas, entre as quais 67 crianças, morreram. Mas isso não conta para alguém como Garcia.
Na mesma linha, ele faz vista grossa ainda para o fato de que a maioria dos atentados mundo afora não foi cometida por islâmicos. No Brasil exemplo recente é o que ocorreu no mês de março de 2019 em escola estadual de Suzano, quando ex-alunos atiraram e mataram 12 crianças e duas funcionárias, deixando ainda dezenas de feridos. Ou atentados cometidos por militantes de extrema-direita, como o de 22 de julho de 2011 na Noruega, que vitimou fatalmente 77 pessoas, a maioria jovens.
O Islã é professado por mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo, que se norteiam por princípios como generosidade, justiça social e igualdade. Não são “um bando de terroristas”, muito ao contrário.
Na sua generalização xenofóbica, Garcia desconhece também que nem todo muçulmano é árabe e vice-versa. Na Palestina sob colonização sionista criminosa há mais de 73 anos e em toda a região, o cenário é de diversidade. Não é uma massa homogênea de “bárbaros e atrasados”, como imagina Garcia, muito pelo contrário. É um povo generoso e resistente, que luta contra uma das maiores injustiças da era contemporânea.
Não à impunidade
Garcia costuma ser bastante enfático em destilar declarações com forte conteúdo discriminatório contra oprimidos e coleciona processos como contra a divulgação de uma lista de “antifascistas”, expondo dados pessoais nas redes sociais de cerca de mil pessoas. Mestre no discurso de ódio, lamentavelmente, não está sozinho.
É preciso repudiar o fato de políticos estarem usando tribuna privilegiada no Brasil para discursos de ódio. E exigir o fim da impunidade em nome de suposta “liberdade de expressão” – terreno fértil a agressões a refugiados, imigrantes e muçulmanos no Brasil, trabalhadores e trabalhadoras que, juntamente com sua família, não deixaram sua terra por vontade própria, mas porque não tiveram escolha. É xenofobia, sim, deputado – e é crime.
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