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Relembrando o impeachment de Dilma Rousseff

Cassação da presidenta reeleita do Brasil em 2016 é apontado como um dos grandes casos de lawfare da América Latina, quando a deposição de um governo se baseia em artimanhas legais e jurídicas e intensa campanha midiática
Dilma Rousseff discurso no dia da votação do impeachment pelo Senado Federal [Roque de Sá/Agência Senado]

O quê: Impeachment da presidenta Dilma Rousseff

Onde:  Congresso Nacional

Quando: 31 de agosto de 2016

O que aconteceu

Neste dia, há cinco anos, em meio a grande polarização da sociedade brasileira, uma sessão do Senado Federal presidida pelo juiz do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Levandovski, aprovou, por 61 votos a favor e 20, a cassação do mandato da presidenta reeleita do Brasil,  Dilma Rousseff. Ela foi substituída pelo vice-presidente, Michel Temer, cujo partido, ainda chamado PMDB, apoiou o impedimento da mandatária. O processo foi visto pelo Partido dos Trabalhadores e aliados e forças progressistas da sociedade como um golpe político para interromper a sequência de governos de esquerda, com dois mandatos seguidos de Luiz Inácio Lula da Silva (2002 e 2006) e o segundo de Dilma (2010 e 2014), com previsão de retorno de Lula às eleições em 2018.  Além disso, gravações vazadas na imprensa revelaram que políticos e empresários visados pela operação Lava Jato da Polícia Federal, instalada em março de 2014, pretendiam, através de um pacto “com o Supremo contudo”, que um novo governo chefiado por Michel Temer pudesse interferir e “interromper a sangria” das investigações.

O pedido de impeachment de Dilma foi  feito  em 15 de outubro de 2015 pelo procurador aposentado Hélio Bicudo e pelos advogados Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal, alegando descumprimento da  Lei de Responsabilidade  Fiscal, pela prática de pedaladas fiscais.

Em 17 de março de 2016, a Câmara elegeu os 65 integrantes da comissão especial para analisar o pedido de impeachment. Em 11 de abril, a comissão aprovou, com 38 votos a favor e 27 contra, o parecer elaborado pelo deputado Jovair Arantes. O processo  seguiu para o plenário da casa.

Janaina Paschoal defende o impeachment de Dilma Rousseff. Em 30 de agosto de 2021  [Marcelo Camargo/Agência Brasil]

No dia 17 de abril de 2016, a Câmara dos Deputados, com 367 votos favoráveis, 137 contrários, 7 abstenções e 2 ausências, autorizou o Senado Federal a instaurar processo de impeachment contra Dilma. Em lugar de fundamentar seus votos, os deputados favoráveis ao impeachment  os dedicaram a Deus, à família, aos filhos, e até – no caso do então deputado Jair Bolsonaro – ao torturador da ditadura, coronel Brilhante Ustra, que ele homenageou por ter sido “o torturador de Dilma Rousseff”.

No dia 12 de maio de 2016, com 55 votos favoráveis, 22 contrários e 2 ausentes, o Senado Federal autorizou a abertura do processo de impeachment, e determinou o afastamento de Dilma da Presidência da República pelo período de até 180 dias. Com isso, o vice-presidente Michel Temer passou a exercer as funções de presidente da República.  Em 31 de agosto, com o impeachment aprovado, Temer assumiu o governo definitivamente.

Ao votar pelo impeachment, o então deputado Jair Bolsonaro homenageia o coronel “Brilhante Ustra, torturador de Dilma Rousseff” na ditadura. Em ‘7 de abril de 2016. [Marcelo Camargo/ Agência  Brasil] 

Em meio a uma intensa campanha insuflada contra Dilma, inclusive com xingamentos machistas e adesivos misóginos, enquanto figuras importantes do Partido dos Trabalhadores eram visadas pela operação Lava Jato, dois aspectos formais corroboram a motivação política e a fragilidade jurídica do impeachment. Um foi o uso da pedalada fiscal – espécie de atraso em repasses a devedores para compensar déficit no caixa do governo – como argumento. No entanto, quando não há consenso de que essa prática contábil, usual em governos anteriores, constitua crime de responsabilidade (necessário para fundamentar o impedimento). Além disso, no dia 27 de junho de 2016, uma perícia técnica do Senado Federal comprovou que a presidenta não cometeu pedaladas fiscais. Os peritos apontaram que realmente houve atraso no repasse do Tesouro ao Banco do Brasil, o que afrontaria a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas “não foi identificado ato comissivo da Presidente da República que tenha contribuído, direta ou indiretamente, para que ocorressem os atrasos de pagamentos.” Outro fato controverso foi a estranha decisão do Senado, na sequência da votação do impeachment, de não cassar os direitos políticos da ex-presidenta por oito anos, o que a Constituição prevê em casos de impeachment por crime de responsabilidade. E  uma espécie de mea culpa, o Senado buscou atenuar os efeitos de sua decisão.

O que aconteceu antes

Na eleição presidencial de 2014, já no início de uma forte crise econômica no Brasil e suas repercussões políticas,  a presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi reeleita com mais de 54 milhões (51,64%) dos votos válidos, contra 51 milhões ou 48,36% de Aécio Neves.

Inconformado com o resultado, Aécio entrou com um pedido de auditoria no TSE, alegando  fraude.  A denúncia foi descartada um ano depois pelo tribunal por falta de provas, mas com sérios efeitos sobre o ânimo da população.  Em 2013, grandes protestos haviam dado recado ao governo do poder de mobilização da sociedade, especialmente da juventude conectada pelas redes sociais. Os gastos e deslocamento de pessoas para realização da Copa do Mundo 2014 no Brasil deram motivo a grandes protestos, sob o slogan de “Não vai ter Copa”.  O segundo turno da de 2014 aprofundou a polarização no país, mas o questionamento dos resultados pelo candidato do PSDB  prolongou pelo ano seguinte a polarização acentuada do período eleitoral. O descontentamento agravou-se ainda mais com o aumento da crise econômica e as políticas impopulares de ajuste adotadas pelo governo.

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A partir de março de 2015 , grupos de direita como Vem Pra Rua, Movimento Brasil Livre e Revoltados Online passaram a promover enormes manifestações contra Dilma, o PT e a esquerda e a favor do impeachment, enquanto movimentos progressistas  realizaram manifestos contra os ajustes, a crise e o desemprego, mas também em defesa de Dilma Rousseff. Movimentos sindicais, sem-terra, sem-teto e de mulheres realizaram manifestações e marchas contra o golpe que se avizinhava.

Até setembro de 2015, 37 pedidos de impeachment foram protocolados na Câmara dos Deputados. Cabia ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do PMDB, aceitá-los ou não. Investigado na Operação Lava Jato, acusado de receber propinas da Petrobras e processado pelo Conselho de Ética da Câmara, Cunha estava ameaçado de perda de mandato e prisão. Ele tinha nos pedidos de impeachment uma arma para convencer os parlamentares do PT a votarem contra sua cassação. Mas ele não foi atendido. Antes de ser cassado e preso, Cunha aceitou o pedido de impeachment apresentado por Bicudo, Reale Jr. e Janaína Paschoal.

Alegando cercar-se de melhor articulador junto ao Congresso, Dilma Rousseff nomeou o ex-presidente Lula como chefe da Casa Civil. Lula era investigado e ameaçado de prisão pela  operação Lava Jato que decidiu intervir. Telefonemas de Dilma ao ex-presidente foram vazados ilegalmente pelo então juiz Sergio Moro. O ministro do STF, Gilmar Mendes, cassou a nomeação de Lula, ao entender que a intenção era dar ao ex-presidente foro privilegiado e tirá-lo das garras do juíz de Curitiba.

O que aconteceu depois

Ao deixar a presidência, Dilma mudou-se para Porto Alegre. Um mês após o impeachment, a Lava Jato passou a oferecer denúncias contra o ex-presidente Lula e a polarização entre direita e esquerda no Brasil concentrou-se nessas investigações. Candidato potencial às eleições em 2018, Lula foi preso e  impedido de concorrer devido a condenações em primeira e segunda instância.

Dilma mudou seu domicílio eleitoral para Belo Horizonte, onde se candidatou a senadora em 2018. Embora liderando todas as pesquisas, as urnas abertas a colocaram em quarto lugar.

As eleições sem Lula levaram o candidato do PSL, o direitista Jair Bolsonaro, à presidência. O juiz Sergio Moro foi contemplado com a nomeação a ministro da Justiça pelo novo presidente, onde permaneceu até abril de 2020.

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Com o tempo, novas revelações de conversas gravadas trazidas à tona pelo site The Intercept confirmaram a parcialidade do juiz no caso de Lula e suas sentenças foram anuladas.  Em declaração ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura,  o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, admitiu que “se o caso do Lula assumir a Casa Civil (no governo Dilma) fosse hoje, eu teria muitas dúvidas sobre que decisão tomar.”

O impeachment de Dilma, assim como as ações da Lava Jato contra Lula, são considerados até hoje pelas forças progressistas como facetas de um golpe para retomada e realinhamento do poder no Brasil com os interesses dos Estados Unidos. Outros países sul-americanos passaram por processos de lawfare para afastamento de governos eleitos por meio de denúncias de fraude eleitoral ou corrupção, processos jurídicos viciados, e grande apoio da mídia.  Uma reportagem do respeitado jornal Le Monde, da França, publicado dia 4 abril de 2021, resgata esse processo recente no Brasil como resultado de uma estratégia dos Estados Unidos para barrar a autonomia da política externa brasileira e sua crescente importância geopolítica regional na América do Sul e na África, onde suas grandes empresas – hoje destruídas – começavam a se expandir.

A espionagem nos telefones de Dilma Rousseff e dirigentes da Petrobras pelos Estados Unidos já havia sido denunciada pelo ex-agente da NSA, Edward Snowden, em junho de 2014, o que levou a presidenta brasileira a cancelar uma visita que faria ao presidente americano, Barak Obama.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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