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A Política Exterior que cabe ao Brasil

Chanceler Carlos Alberto Franco França, durante videoconferência internacional entre ministros das Relações Exteriores do BRICS, em 1 de junho de 2021 [Gustavo Magalhães/MRE]

A diplomacia e as relações internacionais são uma poderosa ferramenta a serviço de um projeto nacional de desenvolvimento. Isso foi verdade em todas as civilizações exitosas no mundo, e não deveria ser diferente da realidade brasileira. Apesar disso, o brasileiro ainda dá muito pouca atenção à trajetória do país no mundo e, muitas vezes, detém-se a impressões muito rasas da política internacional e do papel geoestratégico nacional. É necessário que se lance luz sobre a necessidade de oferecer à nação uma política de defesa, pela qual o país seja capaz de dissuadir as pressões externas e praticar uma inserção internacional atrelada a um projeto interno, que afirme a soberania nacional, para se construir um caminho para o desenvolvimento brasileiro. Assim, faz-se necessário a formulação de uma política exterior que materialize a capacidade do Brasil dizer “não”.

Portanto, a política exterior que cabe ao Brasil deve evitar dois desvios comuns. O primeiro diz respeito à ideia de se fazer um terceiro mundismo externo, barulhento, e eloquente, para mascarar às rendições internas aos ditames neoliberais. O segundo diz respeito a entender a política externa simplesmente como uma ferramenta para vender nossos produtos e serviços ao exterior, política que tem como símbolo o mascate. A política exterior não serve para isso. Ela é uma política de Estado gêmea da política da defesa, a fim de nos ajudar a abrir caminho no mundo para o nosso projeto interno. Logo, torna-se imprescindível a existência de um projeto interno concebido de maneira não sectária, apto a transcender a política partidária e suas divisões ideológicas que, sustentado por uma ampla maioria, seja capaz de sobreviver a eventuais governos.

Essa ideia, porém, não é uma mera intenção utópica apartada da experiência. O Brasil possui momentos em que a sua política exterior esteve intimamente atrelada ao projeto interno de nação.  Após a Revolução de 30, com a ascensão de Vargas ao poder, a diplomacia brasileira se concentrou basicamente em duas tarefas: resolver a questão do preço do café que havia colapsado alguns anos antes e o papel de conseguir a transferência de tecnologias sensíveis para a construção de uma indústria nacional. Um exemplo dessa política é a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) durante o Estado Novo após a conclusão dos Acordos de Washington que previa a construção de uma usina siderúrgica que pudesse fornecer aço para os aliados durante a Segunda Guerra Mundial e, na paz, ajudasse no desenvolvimento do Brasil. Essa política teve continuidade com mais ou menos êxito durante toda a República Liberal-Conservadora (1945-1964).

Atualmente a condução da política exterior brasileira chegou a uma situação calamitosa. Hoje o Brasil encontra-se como um pária internacional após basear suas relações com figuras políticas e não com Estados. A condução política executada pelo olavista Ernesto Araújo levou o Brasil a se isolar em prol de uma viagem ideológica maluca pautada pela transcendência religiosa do homem. Embora o Brasil se encontre nessa posição de fragilidade no contexto internacional, ainda há solução. Em primeiro lugar é preciso que o Brasil volte a crescer, mas não um crescimento insustentável que permita-nos voltar a essa situação que nos encontramos hoje. Mas sim, mediante a união do povo em torno de um diagnóstico pacificado que responda os motivos da nossa derrocada.

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As portas de uma eventual saída para o Brasil ainda estão abertas. O Brasil deve, sem abrir mão das parcerias tradicionais, adensar as relações com os países em desenvolvimento. Isso significa não só adensar a nossa integração regional, o MERCOSUL, fazendo que ele seja capaz de cumprir o próprio destino: tornar o Conesul capaz de competir com as cadeias de valor globais, mas também olhar para outras áreas do mundo como a África, Oriente Médio e Ásia.

Na década passada o Brasil buscou construir parcerias nos diversos continentes ainda que essas ações não estivessem alinhadas a um projeto interno de nação. Essa postura possibilitava que o Brasil quando resolvesse atrelar a sua política externa a um projeto de desenvolvimento nacional tivesse meios e parceiros para isso. No continente africano, exemplificado por iniciativas como o Cotton Four por meio de cooperação na área tecnológica, principalmente via Embrapa e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, cujo principal objetivo é a difusão e o adensamento das relações dos países de língua portuguesa (CPLP). Em relação ao Oriente Médio o Brasil sempre teve uma boa relação com os países da região seja pela pauta de exportação de produtos como carne bovina, carne suína, frango, café e tabaco, seja pela participação brasileira nas missões de paz na região, sendo a última delas o comando brasileiro à frente da Força-Tarefa Marítima da UNIFIL 2011-2020, no Líbano.  Em relação ao continente asiático, a situação parece ser mais dramática. A China desde 2009 tornou-se nosso principal parceiro econômico, construindo uma relação bilateral pautada cada vez mais na confiança e no adensamento nos âmbitos políticos e econômicos. Porém essas iniciativas perderam força e relevância com a chegada de Bolsonaro ao poder que tem privilegiado quase exclusivamente a relação entre Brasil e Estados Unidos.

Hoje todas essas iniciativas estão deterioradas pelo ideologismo de quinta categoria que assolou o Ministério das Relações Exteriores. Por isso urge a revitalização de parcerias estratégicas para o Brasil, porém, não somente adstrita às novas e tradicionais parcerias como: EUA, Argentina, França, Portugal, Rússia, China, Índia e África do Sul. É necessário criar novas relações em novos temas para que o Brasil possa se reinserir no contexto internacional sob novas bases. Nesse sentido, olhar para a formação da população brasileira pode ser um bom caminho a ser seguido.

O Brasil pode e deve aprofundar suas relações com os países do continente africano, como Nigéria, Egito, Angola, Benin, Burkina Faso, Coîte d’Avoire, Chade e África do Sul. Essa aproximação deve ser pautada pela aproximação mediante cooperação, embora de modo diferente do que foi feito no passado, pelos países desenvolvidos, exigindo contrapartidas para o investimento. Outra frente que pode ser aberta, buscando uma relação mais profunda e sólida é com os países árabes, uma vez que a comunidade árabe no Brasil é volumosa. Assim, estabelecendo relações que vão além de uma simples relação comercial entre o Brasil e o Mundo Árabe. A complementaridade das nossas exportações permitiria uma aproximação com os países árabes com certa facilidade no âmbito do MERCOSUL, no formato 4+1. Somado a isso, a capacidade da diplomacia brasileira na resolução de conflitos pode ser um ativo importante para a promoção da paz na região.

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Portanto, para se entender que política exterior que convém ao Brasil deve-se, antes, entender os desígnios de um projeto interno para que esse projeto possa guiar a atuação da diplomacia e da inserção na nação no concerto internacional. A fim de impedir que potências estrangeiras atrapalhem a mudança estrutural do país e sua reivindicação como uma potência global.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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