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Relembrando o Massacre do Carandiru

Naquele dia 2 de outubro de 1992, uma sexta-feira, 341 policiais da Tropa de Choque de São Paulo invadiram a Casa de Detenção, no Complexo do Carandiru.
Protesto pela chacina ocorrida no Complexo do Carandiru [ Foto: Marcelo Camargo]

O quê:  Massacre do Carandiru

Onde: Carandiru, São Paulo

Quando: 2 de outubro de 1992

O que aconteceu

Ocorria uma rebelião na Casa de Detenção e os policiais foram chamados a conter a violência e verificar o que estava acontecendo ali. Vinte minutos após aquela invasão, os corredores do local haviam se transformado em rios de sangue, 111 detentos estavam mortos e o mundo estava perplexo.

O Massacre do Carandiru entraria para a História como a mais mortal ação dentro de uma penitenciária brasileira, um massacre inaceitável, que deixaria uma ferida jamais cicatrizada para milhares de familiares das vítimas e muitas perguntas que jamais foram respondidas.

O que aconteceu antes:

Dias antes do massacre, a atmosfera estava relativamente calma na Casa de Detenção, se considerada a superlotação e todos os problemas enfrentados cotidianamente pelos detentos. Por volta das 15h daquele dia 2 de outubro, o clima era até alegre no pátio do presídio. Acontecia uma partida de futebol na Penitenciária e o título de campeão do Carandiru parecia já ter sido definido. O sol brilhava sobre a quadra e o time Cascudinho ganhava o jogo por 2 a 1. O juiz apitou e os jogadores saíram comemorando rumo ao pavilhão 9 do presídio.

A celebração só terminou quando os presos perceberam que havia um conflito entre dois detentos no segundo andar. Os conflitos aconteciam às vezes em uma prisão que abrigava, indevidamente e juntos, homens condenados a muitos anos de prisão, homens que nem sequer tinham tido um julgamento ainda, e homens que já haviam cumprido a pena, mas que não tinham sido libertados. Um dos envolvidos na briga ficou gravemente ferido, mas não foi removido pelos agentes para um hospital, e ainda sangrava no chão, o que gerou indignação e revolta nos outros detentos.

Os pedidos de ajuda foram ignorados e a revolta começou rapidamente. As tropas foram chamadas e 341 homens invadiram a Casa de Detenção. As rajadas de metralhadoras eram ouvidas por todos e dezenas de corpos já estavam no chão. Muitos foram obrigados e se despir e passar por uma espécie de corredor da morte, antes de serem executados. Outros foram obrigados a carregar os corpos dos companheiros mortos até o pátio, onde seriam retirados pelo Instituto Médico Legal. “Um preso pegava os braços e outro as pernas. Só eu carreguei uns 25 corpos. Descíamos eles dos andares e amontoávamos os corpos no pátio”, contaria Sales, um dos detentos que trabalhava como “ faxineiro” na penitenciária. “ Muitos dos presos ainda estavam vivos e gemiam de dor, mas os policiais mandavam que colocássemos os presos mortos em cima dos vivos para pararem de gemer”.

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Os comandantes das duas unidades da polícia que invadiram o Carandiru naquele dia, Ariovaldo Sérgio Salgado, do COE (Companhia de Operações Especiais), e Wanderley Mascarenhas, comandante do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais), já figuravam há anos em pesquisas feitas por jornalistas como dois dos mais violentos oficiais da Polícia Militar de São Paulo, cada um tendo cometido mais de 30 assassinatos em operações, sendo que o comando geral da corporação sabia disso.

O que aconteceu depois

Somente no dia 5 de outubro, os jornalistas puderam entrar no Pavilhão 9. Caco Barcellos, um dos jornalistas que cobriu o Massacre do Carandiru, ouviu a versão dos sobreviventes sobre a atuação policial.  “ Descobrimos através deles que a violência começara ainda na escadaria de acesso ao andar superior e que muitos feridos ainda com vida foram atirados dos andares mais altos pelo fosso do elevador”, relataria.

“Os bilhetes que os presos jogaram do alto dos pavilhões para o pátio, onde nós estávamos, foram fundamentais para chegarmos aos pontos onde a maior quantidade de presos foi morta. A experiência de anos de investigação me ajudou muito nesta hora a encontrar os vestígios de execução. As paredes mostravam uma linha uniforme de marcas de metralhadoras, apontadas certamente na altura das áreas vitais, cabeças e peito dos presos. Não havia nenhum sinal que indicasse alguma reação dos presos”, afirmaria Caco Barcellos, um dos mais experientes jornalistas policiais do país.

Charge Vini

O próprio cenário encontrado pelos jornalistas dias após as mortes foram fundamentais para que o Brasil descobrisse que não havia ocorrido nenhum tiroteio entre detentos e policiais, como afirmava o comando da Polícia, mas um massacre. Em 7 de outubro, o secretário de Segurança Pedro Franco de Campos, responsável pela ordem de invasão do presídio, pediu demissão do cargo. No mesmo dia, o então governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury, reconheceu que a atuação da PM fora criminosa. O diretor do Carandiru, José Ismael Pedrosa, e mais três oficiais envolvidos no massacre foram afastados, entre eles o comandante geral do Gate, Wanderley Mascarenhas, que admitiu ter disparado rajadas de metralhadora contra os presos.

Julgamentos e condenações:

Em março de 1998, 85 policiais se tornaram réus no processo, dentre eles o Coronel Ubiratan, o comandante geral da ação que resultou no Massacre. Em 2001, Ubiratan foi condenado a 623 anos de prisão por 102 mortes. Mas em 2006, a sua defesa recorreu e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) o absolveu.

Em 2006, o coronel morreu assassinado em São Paulo, um crime até hoje não esclarecido.

Em 2013, vinte e três PMs foram condenados a 156 anos de prisão cada um pelas mortes de 13 apenados, e em agosto do mesmo ano, 25 PMs das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar foram condenados a 624 anos de prisão cada um pela morte de 52 detentos.

Mas em setembro de 2016, o TJ-São Paulo anulou as condenações dos policiais alegando que não foi possível individualizar a conduta de cada condenado.  Em 2018, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) invalidou decisão do TJ-SP e determinou que os desembargadores refaçam o julgamento de 2016, já que, de acordo com os ministros, não haviam sido analisados todos os questionamentos do Ministério Público.

Ainda não há data prevista para a ocorrência de novo julgamento.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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