Mohamed Larbi Zitout, ex-diplomata e oficial do movimento da oposição argelina Rachad, alegou em entrevista à rede Arabi21 que a principal razão para os recentes ataques do Presidente da França Emmanuel Macron à Argélia é a situação no Mali.
Segundo Zitout, acredita-se que o exército argelino ajudou a introduzir mercenários russos — do infame grupo Wagner, também presente na Líbia — no território ao sul, em suposta ameaça aos interesses franceses na África.
Além disso, generais argelinos relutam em intervir e enviar tropas ao país vizinho.
Zitout reiterou, porém, que os movimentos franceses contra Argel não são novidade, salvo o fato de que vêm, neste momento, de um chefe de estado, embora a propaganda oficial insista que Macron é amigo da antiga colônia.
“É claro, não podemos ignorar o contexto de suas declarações, alguns meses antes da eleição presidencial na qual Macron enfrenta a extrema-direita, incluindo Marine Le Pen e Eric Zemmour, que disputam quem ataca mais os franceses muçulmanos, sobretudo oriundos do Magreb e da Argélia”, explicou o ex-diplomata.
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Segundo Zitout, o revisionismo de Macron sobre a história argelina e sua defesa do domínio colonial na África, devem-se a uma série de polêmicas, dentre as quais, a extradição de imigrantes argelinos irregulares na França e a conjuntura malesa.
“O que aconteceu é que [o general Saïd] Chengriha foi a Moscou com alguns generais treinados pelos russos … Propôs então que a Rússia ocuparia o Mali, primeiro via mercenários Wagner, então por intervenção de seu exército, como fez, por exemplo, na Síria”.
Prosseguiu: “Apesar de sua rivalidade, os russos exerceram um papel junto dos turcos para expulsar os franceses da Líbia, assim como os russos fizeram na África Central. A mais recente expansão da Rússia no Mali é vista como um desastre na França”.
Paris valoriza sua posição no Mali por sua localidade estratégica, observou Zitout. O sul do país serve de rota à África Ocidental, incluindo Níger, Mauritânia, Senegal, Guiné, Costa do Marfim e Burkina Faso — países que representam diversos interesses ao mercado europeu.
A indústria francesa, por exemplo, extrai metade de seu urânio do território nigerino.
“Há uma grande disputa em curso no Níger”, destacou o comentarista político argelino. “A empresa Areva é ainda mais importante do que navios e aviões de guerra do exército francês, pois é responsável por obter o urânio necessário tanto para uso civil, quanto militar”.
Além disso, países francófonos e seus vizinhos possuem reservas de metais preciosos — “o menos precioso é o ouro”, acrescentou.
Segundo a entrevista, Paris sabe que o grupo liderado por Chengriha, influente no governo federal, ajudou a persuadir o exército malês a aceitar os mercenários Wagner. “Isso concede um mercado aos russos … dispostos a conceder à Argélia instituições financeiras”.
Para Zitout, o Mali foi justamente o estopim para os ataques de Macron.
Conforme o relato, há uma disputa no comando militar da Argélia, na qual o general Mohamed Kaidi é próximo de Washington e Paris, enquanto Chengriha favorece Moscou.
“Macron deliberadamente queria ludibriar a todos com sua defesa do presidente argelino Abdelmadjid Tebboune, embora de fato apadrinhe Kaidi e aqueles junto dele, mais consonantes com suas propostas”, prosseguiu o ex-servidor público radicado no Reino Unido.
Há hoje mais de 200 mil imigrantes argelinos em situação irregular na França.
O governo de Macron prometeu deportar ao menos 8 mil argelinos ao descrevê-los como “ilegais” e “perigosos”. Argel, todavia, condicionou a medida à extradição de figuras da oposição — apelo indeferido por Paris pois viola regimentos constitucionais.
Neste contexto, a França respondeu ao reduzir pela metade vistos concedidos a argelinos.
Quanto ao fechamento do espaço aéreo da Argélia como rota militar da França, Zitout observou que o governo norte-africano sempre negou-se a conceder passagem a aviões de guerra incumbidos de bombardear o Mali e a África Ocidental.
Portanto, segundo o comentarista político, não se trata de uma restrição a todas as aeronaves, mas somente a “missões militares”, com destino aos territórios africanos.
Zitout é conhecido por seus programas diários divulgados no YouTube e Facebook.
Durante a entrevista, convidou seus conterrâneos e aqueles interessados na história das relações franco-argelinas a estudar os relatos da colonização francesa e redescobrir os crimes hediondos cometidos pela metrópole contra o povo argelino.
No sábado (2), o jornal francês Le Monde reportou falas de Macron na qual acusou Argel de “alimentar o ódio contra a França”.
O presidente questionou também a identidade nacional argelina: “Havia uma nação argelina antes da colonização francesa?”. De acordo com Macron, “houve sim outras colonizações”, em referência à presença otomana entre 1514 e 1830.
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“Fico fascinado com a capacidade da Turquia de fazer as pessoas esquecerem por completo seu papel na Argélia e a dominação que exerceu, ao alegar que fomos os únicos colonizadores”, insistiu Macron. “É ótimo; os argelinos acreditam”.
Em seu discurso inflamado, o político francês alegou que o governo turco de Recep Tayyip Erdogan dissemina “desinformação e propaganda” contra seu país, no que se refere ao período anterior a 1962 — isto é, antes da independência argelina.
Macron chegou a propor que seu governo produzisse publicações em árabe e berbere para reagir aos materiais de condenação à França.
A presidência argelina condenou os comentários de sua contraparte francesa. O embaixador em Paris foi convocado a Argel para consultas, pouco antes de ser anunciado o fechamento do espaço aéreo africano ao exército francês.
Em janeiro de 2020, membros da Assembleia Nacional do Povo — câmara baixa do parlamento argelino — apresentaram um projeto de lei para criminalizar qualquer apologia à colonização francesa no país, entre 1830 e 1962.
Dois meses depois, os proponentes exortaram o presidente do parlamento, Suleiman Shanin, a levar o projeto para voto em plenário. Uma legislação similar foi indeferida em 2009.
Estima-se que cinco milhões de argelinos foram mortos durante o domínio colonial francês. Ao menos, 1.5 milhões foram mortos durante a guerra da independência, entre 1954 e 1962. Milhares continuam desaparecidos.
O exército francês também utilizou o deserto argelino para testar bombas atômicas, contaminando o solo no interior do país.