Prestes a completar seis anos desde sua mais recente prisão por Israel, em 24 de outubro de 2015, o palestino-brasileiro Islam Hamed dá mais uma demonstração de resistência à injustiça. Em situação na qual todos os direitos humanos fundamentais são violados, como é próprio de um regime de apartheid, até mesmo ter um filho é um gesto de resistência coletiva. Privado de sua liberdade, Islam Hamed acaba de desafiar a tentativa de apagamento dos palestinos do mapa. Teve não um, mas dois bebês.
Os gêmeos Muhammad e Khadija vieram ao mundo no último dia 6, já sob o signo dessa árdua batalha diária contra a colonização sionista. Os palestinos os nomearam “embaixadores da liberdade”. Segundo afirmou Amani Farahneh, do Clube de Prisioneiros Palestinos, à Agência Anadolu, agora já são 99 deles. São crianças geradas por meio de sêmen “contrabandeado”. A reportagem informa que o preso político Ammar al-Zabin, condenado a apodrecer no cárcere sionista, se tornou o primeiro pai de uma criança nascida dessa forma, em 2012.
Em cada bebê, uma mensagem ao ocupante, sintetizada nos versos do poeta palestino Tawfiq Zayyad: “Aqui, sobre vossos peitos, persistimos. […] Aqui temos um passado e um presente. Aqui está o nosso futuro.” O amanhã ainda espera por ser construído, e os gêmeos são o alvorecer, rumo à liberdade. Esse é o sonho da mãe, Ranan Hamed: que ela e o marido possam viver em paz e criar juntos os gêmeos e o irmão mais velho, o pequeno Khattab.
Islam Hamed, filho de pai palestino e mãe brasileira, se vê privado de sua liberdade desde os 17 anos de idade. Entre idas e vindas ao terrível cárcere sionista e passagem também por prisão da Autoridade Palestina, tratamentos desumanos e muita tortura, já acumula 18 anos em celas insalubres. Seu único crime – como dos milhares que enfrentam essa situação – é ser palestino, no caso, palestino-brasileiro.
Uma história que é de muitos
Nascido em Jerusalém, Islam Hamed viveu sua infância em meio à primeira Intifada (levante popular de 1987 a 1991). Relato em página da campanha “Libertem Islam Hamed” dá conta de que “para ir à escola, era obrigado a enfrentar nuvens de gás lacrimogêneo. Sua casa geralmente era invadida à noite por soldados armados que faziam revistas em todos os cômodos, algo comum de acontecer na Palestina”.
Preso pela primeira vez por Israel aos 17 anos de idade, foi condenado a cinco anos sob acusação de ter jogado pedras nas forças de ocupação. Ainda conforme o relato, “após oito meses de liberdade, foi encarcerado novamente, em um sistema denominado detenção administrativa, no qual Israel prende palestinos sem qualquer acusação e renova a detenção de seis em seis meses”. Nessa situação, Islam Hamed ficou preso por mais dois anos.
Sua liberdade durou pouco novamente, apenas oito meses. Então foi preso pela Autoridade Palestina (AP), gerente da ocupação. “Nesse curto período de tempo em liberdade, casou-se, tirou habilitação internacional, fez curso de eletricista e tentou vir para o Brasil duas vezes, mas Israel impediu sua passagem sem qualquer justificativa. Islam Hamed foi acusado de tentativa de homicídio contra dois colonos israelenses, porém o Tribunal de Justiça Palestino não encontrou nenhuma evidência do suposto ataque.”
A AP o condenou a três anos de prisão, acusando-o de ter cometido ações contra o “governo palestino”. Na verdade, um serviço prestado a Israel em sua malfadada “cooperação de segurança”, a partir dos desastrosos acordos de Oslo firmados entre a ocupação e Organização pela Libertação da Palestina (OLP) em setembro de 1993.
A campanha no Brasil
A injusta pena em cárcere da AP, onde foi também torturado – à la prisões sionistas –, se cumpriu em setembro de 2013, mas Islam Hamed não foi libertado. Ainda segundo informação da página da campanha, a Autoridade Palestina, num primeiro momento, afirmou que estava negociando com Israel para que Islam Hamed chegasse ao Brasil; depois alegou que não o soltaria para “protegê-lo”, pois ele corria risco de ser assassinado ou preso novamente por Israel. “A família entrou com processo no Tribunal de Justiça para que Islam Hamed obtivesse a liberdade, e o ofício de soltura saiu em novembro de 2014. Mesmo assim, não foi cumprida a ordem.”
Em seu limite, o jovem palestino-brasileiro então iniciou longa greve de fome em 2015, que ao todo durou 101 dias. Em meio a esse processo, em que sua vida estava seriamente ameaçada, com sua saúde se deteriorando dia a dia, um grupo de brasileiros que acabava de retornar de missão humanitária à Palestina ocupada iniciou a campanha “Libertem Islam Hamed”.
A mobilização reivindicava que o governo brasileiro garantisse a libertação de seu cidadão e o trouxesse para este país, de modo que pudesse finalmente ter uma vida longe dos cárceres e ao lado de sua família. Vigílias e protestos, em que se somaram movimentos sociais, se realizaram, ganharam as manchetes e visibilidade internacional. Expressões de solidariedade vieram de distintos lugares, como Londres e Jordânia.
Em 21 de julho, Islam Hamed foi libertado pela AP, mas não conseguiu vir para o Brasil. Ainda teve que assinar um documento se responsabilizando por sua vida, enquanto esta deveria ser uma obrigação do governo brasileiro – zelar pela integridade de seus cidadãos. Teve que ficar escondido, como um animal acuado, em sua própria terra.
Três meses depois, a última prisão. Os gêmeos que chegam ao mundo agora, contudo, demonstram que Islam Hamed segue a desafiar a colonização sionista.
Urge aos lutadores e lutadoras brasileiros por direitos humanos retomarem a campanha por sua libertação imediata e enviarem uma mensagem a esse bravo palestino-brasileiro – cuja história é marcada pela privação, mas também pela perseverança e negação em se render à criminosa ocupação –, a sua família e a todo o povo palestino: não estão sozinhos. Até que Islam Hamed e todos os 4.600 presos políticos palestinos sejam livres. Até que se faça justiça. Bem-vindos, Muhammad e Khadija. Sua vida é o sol que irradia essa trajetória.
LEIA: A cruel e ilegal realidade dos presos palestinos
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.