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Relembrando a Guerrilha do Araguaia e a morte da última guerrilheira

Grupo de guerrilheiros do Araguaia [Reprodução/Wikipedia]

A guerrilha do Araguaia foi a mais importante das iniciativas de resistência armada contra a ditadura militar e seu término é associado à morte da última guerrilheira, Walkíria Afonso Costa, a “Walk”, embora a as Forças Guerrilheiras do Araguaia – nome público da insurgência – tenha resistido bravamente, de abril de 1972 a outubro de 1974, deixando  um legado histórico para a luta de libertação do povo brasileiro.

O que -As Forças Guerrilheiras do Araguaia e o fim da guerra de guerrilhas contra a ditadura militar brasileira

Quando – 25 de outubro de 1974 (Morte de Walkíria Afonso Costa, a última guerrilheira)

Onde – Xambioá, Tocantins

O que aconteceu

Organizada pelo PC do B, a guerrilha se instalou nas regiões do Bico do Papagaio (hoje norte de Tocantins, à época o extremo norte de Goiás), Sudeste do Pará e também Sudoeste do Maranhão. A geografia local, com o importante Rio Araguaia e seus afluentes, é a transição do cerrado para a selva amazônica, com amplas áreas de várzea e terras férteis para cultivo. Instalada a militância, à época de credo maoísta, no início de 1967, permaneceu discreta até o fim de 1971, quando a repressão descobriu o cenário da guerrilha a partir de torturas e prisões ocorridas no Ceará e em São Paulo. Começava um período de resistência à caçada dos guerrilheiros pelo regime que durou por mais de dois anos.

Última sobrevivente da guerrilha, Walkiria perambulou pela mata por cerca de dez mese, mas acabou sendo presa e denunciada por um camponês a quem pediu comida. Levada a Xambioá, no Tocantins, foi mantida presa, torturada e finalmente executada com três tiros e enterrada ao lado da base militar.

O que aconteceu antes – contexto histórico

Entre 1957 e 1962, o comitê central da então única entidade partidária comunista no país, o PCB – mas com a sigla Partido Comunista do Brasil – consumava seu racha motivado por duas situações externas. A primeira, mais antiga, responde aos expurgos de Stálin, promovidos após a morte do líder soviético e pelo premiê que o sucede como homem forte da antiga União Soviética. O georgiano Josef Vissarionovitch Djugatchvili, que atendia pelo codinome Stalin (aço em russo), teve como sucessor, de fato, o ucraniano Nikita Serguêievitch Khrushchov (também conhecido por Kruschev). Khrushchov promoveu uma revisão dos arquivos do ex-comandante e também aboliu os tribunais especiais administrados pelas agências de segurança interna. No plano internacional, o período de Kruschov (1953-1964), especificamente o final de sua administração, correspondeu à segunda fase da Guerra Fria, em que havia uma détente (a detenção) de melhor convivência entre União Soviética e os Estados Unidos.

Na aplicação da doutrina de segurança hemisférica e fronteiras ideológicas, a América Latina e a Europa Ocidental seriam territórios impedidos de promover luta insurrecional e, se ocorressem, não teriam o aval da União Soviética. O racha brasileiro do Partido de Moscou se posiciona com a “linha chinesa” na promoção de uma guerra popular prolongada e a busca por um cenário de operações para instalar uma ou mais colunas móveis. Em 1º de abril de 1964, o Brasil sofreu um golpe militar e esteve sob a ameaça de invasão de tropas estadunidenses através da Operação Brother Sam. A esquerda e o nacionalismo (de base trabalhista) foram derrotados e surgiram intentos de estruturar organizações guerrilheiras no país. No mesmo período, sendo criada em 1962, a Ação Popular, organização política extraparlamentar veio a ter um importante papel quando sua fração majoritária se aproxima e depois vem a fundir-se ao PC do B e é incorporada à Guerrilha do Araguaia.

Com o endurecimento da ditadura militar e a perda de espaços de contestação pública, os partidos de esquerda foram se transformando em organizações político-militares (ou rachando de forma consecutiva) e optaram por operar como guerrilhas urbanas em sua maioria. No debate latino-americano, estava em voga a “teoria do foco”, expandindo a experiência cubana, ou então a de luta camponesa insurrecional, em que o conflito pela posse da terra poderia se transformar em guerra de colunas móveis. Esta seria a hipótese aplicada pelo PC do B e, mesmo nos estudos de instalação de bases rurais pela cadeia de lealdades do ex-deputado Carlos Marighella, inimigo número um da ditadura e criador da Ação Libertadora Nacional (ALN). A tese do “colunão” deveria ser aplicada no eixo da rodovia Belém–Brasília, em parte influenciada pela tradição militar da Coluna Prestes.

A instalação da guerrilha

A região da guerrilha do Araguaia [Wikipedia]A tradição de clandestinidade do antigo partidão serviu de base para a militância que foi se inserindo na região conhecida como Alto Araguaia ou “bico do papagaio”, hoje correspondendo ao norte de Tocantins, sudeste do Pará e sudoeste do Maranhão. As primeiras equipes militantes do PC do B se instalam a partir de 1967 e a logística de apoio passa por Goiânia e São Paulo. O conflito de terras era permanente entre posseiros e grileiros, acompanhando a migração do Nordeste e norte de Minas para os municípios, à época, pertencentes ao estado de Goiás, no norte, e também do Pará.

O contingente de guerrilheiros, mulheres e homens, em sua maioria oriundos da região sudeste do país, permaneceram no anonimato por quatro anos. Nesse período foram se legitimando entre a população mais humilde, trabalhando como farmacêuticos, enfermeiros, professores, e também treinando nas matas. A inserção cultural foi muito importante, sendo que a militância de formação marxista e católica mergulhou na cultura popular e participava de festas, cultos e terreiros de terecô, uma religião afro-brasileira composta por encantados maranhenses.

O debate de fundo era a necessidade dos caboclos e posseiros se defenderem da tirania dos grileiros, fraudando títulos de concessões de terras públicas e devolutas, sempre aplicando a violência de classe como forma de domínio e acumulação de riquezas. A presença do governo federal era distante, assim como a ausência de serviços públicos estaduais, tanto no Pará como em Goiás. Os trabalhos iam bem, tendo o acúmulo lento e cuidadoso que a delicadeza da tarefa implicava.

O problema se deu na retaguarda, devido às operações da repressão no Ceará e em São Paulo. O “foco” – que não era foco, mas assim foi chamado, de forma equivocada – foi descoberto após a prisão de alguns militantes do PC do B. Nos meses seguintes, o Comando de Operações de Defesa Interna montou uma enorme expedição militar, sob o comando de dois generais da ativa e a presença de mais de 1500 soldados. As rodovias federais Transamazônica e Belém-Brasília foram postas sob vigilância, na aplicação de um cerco estratégico. 71 homens e mulheres da guerrilha, divididos em três destacamentos (A, B e C), mal armada, mas conhecedora do terreno e com apoio local, formaram a estrutura militar da insurgência no Araguaia.

A repressão e a guerrilha

De abril a agosto de 1972, a Operação Papagaio, com a retirada posterior das tropas da ditadura e a impressão nos caboclos e posseiros que a guerrilha dos “paulistas” havia vencido o Exército.

De abril de 1973 a outubro de 1973, a Operação Sucuri, mais voltada para levantamento de informações, com forças descaracterizadas. A inteligência da ditadura usou operadores com roupas civis e conseguiu se infiltrar nas áreas onde a guerrilha operava.

Walkiria Afonso Costa [Reprodução/ Wikipedia]

De outubro de 1973 a outubro de 1974, com a Operação Marajoara, houve a vitória militar da ditadura. Em dezembro deste ano, a espinha dorsal da cadeia de comando da guerrilha e suas colunas móveis foram criticamente atingidas. A derrota militar da guerrilha se daria em outubro de 1974, tomando a data de 25 de outubro daquele mês, data provável em que a militante Walkíria Afonso Costa, a “Walk”, ex-estudante de Pedagogia da UFMG, foi executada na base de operações de  Xambioá. As investigações da  Comissão da Verdade que apurou os crimes da ditadura confirmaram que sua morte se deu entre 30 de setembro daquele ano e essa data.  Importante apontar que no ano de 1974, a ditadura aplicou uma estratégia de cerco e não operou com tropas regulares e menos ainda com recrutas, como em 1972. Os grupos de mateiros contratados, “bate paus” e “jagunços”, eram a força complementar das tropas do Batalhão de Operações Especiais e do Centro de Inteligência do Exército. Na sequência, se tornam pessoas de confiança do major Sebastião Rodrigues de Moura, coronel da reserva e político que atende pela acunha de Curió, “herdeiro” político da repressão na região.

No primeiro semestre de 1975, a Operação Limpeza, um esforço da ditadura militar para apagar os registros da guerrilha, promoveu a queima de documentos e a desaparição de corpos dos insurgentes e camponeses apoiadores. Nesse período, moradores da região que colaboraram com a insurgência foram assassinados.

O legado da guerrilha

A defesa dos posseiros, ribeirinhos e camponeses na região do Araguaia é muito importante. Na segunda metade da década de 1970 houve a chamada segunda guerra camponesa, já com a presença da Comissão Pastoral da Terra e a liderança inconteste do Dom Pedro Casaldáliga. Desde então, a luta pela posse da terra ganhou envergadura e é parte estrutural do sul da Amazônia Legal.

Os mortos e desaparecidos no Araguaia fazem parte dos e das mártires do povo brasileiro, sendo a Guerrilha do Araguaia o episódio mais importante e a maior contribuição do PC do B em sua longa história, assim como da esquerda cristã, de ampla tradição no Brasil. Segundo o general Hugo Abreu, subcomandante da primeira expedição militar da repressão, se a resistência contra a ditadura tivesse cinco áreas operacionais semelhantes e simultâneas, seria impossível estancar a insurreição. Se as Forças Guerrilheiras do Araguaia conseguissem resistir, o Brasil teria um enorme território no centro norte do país sob o controle direto de um poder insurgente, a exemplo do que ocorreu na Colômbia por cinquenta anos.

Para saber mais – livros

A guerra de guerrilhas no Brasil – Fernando Portela 

A Guerrilha do Araguaia – Palmério Dória e Outros

A lei da selva, estratégias, imaginário…, de Hugo Studart ()

Araguaia – depois da guerrilha, outra guerrilha – Romualdo Pessoa Campos Filho ()

Operação Araguaia: Os arquivos secretos da guerrilha – Taís Moraes ()

Para saber mais – documentários 

Araguaia, Presente! – 202 filmes

Araguaya conspiração do silêncio 

Guerrilha do Araguaia – As Faces Ocultas da História

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