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De Gandhi a al-Singace, a greve de fome é o último recurso na luta por liberdade

Mahatma Gandhi (1869-1948) trabalha em um tear, cerca de 1930 [Pictorial Parade/Getty Images]

A greve de fome é um fenômeno extemporâneo, ao qual aqueles que carecem de outros meios para reivindicar direitos, expressar opinião e mesmo defender sua vida recorrem ao longo da história. Não obstante, costuma ser o último recurso na luta por liberdade.

O fenômeno torna-se cada vez mais comum nas prisões marcadas por injustiça e silêncio, sem alternativas para influenciar de algum modo as condições sob as quais são mantidos os prisioneiros. Dentre as dificuldades enfrentadas, estão questões de higiene, saúde, alimentação e superlotação das celas. Os presos protestam também contra maus tratos perpetrados por carcereiros ou a expropriação de bens pessoais.

Aqueles que aderem à greve de fome enfrentam risco de danos físicos e psicológicos bastante graves. Mohandas Karamchand Gandhi — conhecido como Mahatma Gandhi — tornou-se célebre por adotar a greve de fome para fins políticos. Gandhi exigia acesso a direitos humanos e civis e a independência de seu país da colonização britânica. Para Gandhi, a greve de fome era uma das formas de resistência não-violenta à ocupação, que levaria à vergonha das autoridades do Reino Unido aos olhos do público. Outros cidadãos indianos juntaram-se a ele em sua campanha de greve de fome — alguns, no entanto, pereceram no caminho.

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Mais recentemente, em 2 de novembro de 2000, a ativista indiana Irom Chanu Sharmila também recorreu à greve de fome, para manifestar-se contra leis militares que permitiam aos soldados prender qualquer suspeito em áreas consideradas de violência e risco. Antes de encerrar finalmente seu protesto, apenas em 9 de agosto de 2016, as autoridades de Nova Delhi forçaram goela abaixo sua alimentação.

O movimento nacional irlandês também tem um legado moderno de greve de fome que remete a mais de um século, em protesto contra políticas coloniais britânicas — incluindo ao impedir que fosse estabelecida a República da Irlanda ou que o país fosse unificado. Diversos ativistas em greve de fome morreram na prisão, ao longo das décadas.

No início dos anos 1980, um grupo de prisioneiros irlandeses lançou uma greve de fome no centro de detenção de Long Kesh (hoje, penitenciária de Maze), nos arredores de Belfast. Na ocasião, quem governava o Reino Unido era a primeira-ministra Margaret Thatcher. Um dos ativistas em greve, Bobby Sands, foi então eleito membro do parlamento pelo distrito de Fermanagh e South Tyrone, o que atraiu a atenção global. A greve durou até 3 de outubro de 1981, após a morte de dez prisioneiros, incluindo Sands, cujo funeral contou com a participação de cem mil pessoas. Três dias depois, os outros prisioneiros enfim receberam concessões parciais, incluindo o direito de vestir suas próprias roupas. Outras demandas foram conquistadas posteriormente, embora sem reconhecimento público do governo em Londres.

Cartaz com retrato de Bobby Sands, sobre a greve de fome no centro de detenção de Long Kesh, em Nova York, Estados Unidos, 1981 [Stuart Lutz/Gado/Getty Images]

Segundo os registros, a primeira greve de fome palestina ocorreu na prisão de Nablus, no início de 1968, menos de um ano após Israel ocupar militarmente a Cisjordânia. Os prisioneiros mantiveram o protesto por três dias, contra espancamentos e humilhações sofridas nas mãos dos soldados da ocupação, a fim de melhorar suas condições de vida.

Em 11 de novembro de 1970, Abd al-Qadir Abu al-Fahm tornou-se o primeiro prisioneiro palestino a morrer em greve de fome, na penitenciária israelense de Ashkelon. Passou a ser considerado como o primeiro mártir deste método de resistência civil contra a ocupação colonial de Israel. Dez anos depois, Ali al-Jaafari faleceu em greve de fome na prisão de Nafha. Mahmoud Fritikh morreu na penitenciária de Junaid, em 1984; Hussein Nimr Obeidat, em 14 de outubro de 1992, também no presídio de Ashkelon.

A mais recente campanha de greve de fome envolveu os prisioneiros Khader Adnan, Muhammad al-Qiq, Ayman Atbeish e Samer Al-Issawi. Em 2013, uma greve de fome durou 265 dias. Em 2019, Maher al-Akhras, de 49 anos, manteve sua greve de fome por 103 dias, ou seja, quase quatro meses, quando enfim foi libertado pelas autoridades de Israel.

Apesar dos esforços internacionais para melhorar as condições dos prisioneiros mantidos no Oriente Médio, os serviços penitenciários não cumprem com padrões internacionais. A Organização das Nações Unidas (ONU) possui mecanismos para impedir violações atrás das grades, mas carece da capacidade de monitorar as condições de custódia e o tratamento conferido aos detentos, sobretudo prisioneiros políticos.

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No Bahrein, o proeminente prisioneiro político e acadêmico Abduljalil al-Singace, de 60 anos, permanece em greve de fome há mais de cem dias, desde meados de julho. Suas demandas são simples, incluindo a devolução de um livro que passou quatro anos escrevendo sobre os dialetos barenitas e seu desenvolvimento. O texto possui valor cultural e histórico e não aborda política ou sequer as condições de sua prisão. Al-Singace permanece encarcerado há mais de dez anos, por participar dos protestos da Primavera Árabe, em 14 de fevereiro de 2011. A apreensão de seu livro pelas autoridades representou, no entanto, um golpe brutal contra seu trabalho. Deficiente físico desde o nascimento, o professor tem de caminhar com a ajuda de muletas e foi aprisionado quando deflagrou-se a revolução popular no Bahrein, por criticar o governo, escrever em blogs e conceder palestras.

Há agora apelos internacionais por sua soltura, não apenas porque al-Singace é um dos muitos prisioneiros de consciência mantidos na região, mas porque jamais cometeu um crime de verdade. Além disso, passou mais de uma década na prisão, sentenciado por uma corte militar. Sua deficiência implica ainda em problemas cardíacos, hipertensão e dores crônicas, de modo que sua saúde deteriorou-se rapidamente desde o início de sua greve de fome. Al-Singace foi então transferido a um centro médico; contudo, ainda isolado do restante do mundo.

O Parlamento Europeu e diversos órgãos legislativos no continente reivindicaram sua libertação, assim como grupos de direitos humanos e entidades acadêmicas e profissionais. A Universidade de Manchester, onde al-Singace concluiu seu doutorado, contactou o governo britânico. As autoridades barenitas, todavia, permanecem indiferentes. Al-Singace e outros — por vezes, aprisionados por décadas e décadas — são ícones da oposição e da luta contra a repressão, forçados a recorrer à greve de fome em nome da liberdade e direitos fundamentais.

Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede al-Quds al-Arabi, em 24 de outubro de 2021

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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