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“Rebelião escrava no Brasil – A história do Levante dos Malês em 1835”

Autor do livro(s) :João José Reis
Data de publicação : Terceira edição - 2012
Editora :Companhia das Letras
Número de páginas do Livro : 680 páginas

No dia 14 de maio de 1835, quatro homens foram  executados por um pelotão de fuzilamento no Campo da Pólvora em Salvador. Três eram escravos, sendo um deles carregador de cadeira. Um quarto era escravo já liberto, e por profissão carregador de cal.

Com essas mortes, a Bahia pensava  dar pompa à eliminação de quatro importantes figuras da Revolta dos Malês, “um dos episódios mais empolgantes da resistência escrava no o Brasil”, nas palavras de João José Reis, autor de “Rebelião escrava no Brasil  – A história do Levante dos Malês em 1835”.  Mas seu livro demonstra que o espetáculo público para tal festejo macabro, com uma horda de autoridades acompanhando os presos pelas ruas,  não pode chegar ao ápice planejado porque os negros da Bahia, presos, escravos ou libertos, recusaram a tarefa de enforcar os condenados, ainda que lhes fossem oferecidas grandes recompensas.

“Passei a proposta aos presos, e não há quem queira aceitar, eu já fiz o mesmo hoje no Barbalho, e na Ribeira dos Galés, e nenhum quer por recompensa alguma, e nem mesmo outros negros querem aceitar, apesar das diligências que lhes tenho feito com grandes promessas, além de dinheiro”, disse ao inconformado chefe de polícia o encarregado dos cárceres.

Forcas novas, recém-instaladas em substituição às velhas, não puderam ser inauguradas no grande momento e os quatro guerreiros Malês foram fuzilados, uma execução reservada aos homens livres.  A derrota imposta pelos agentes do império na Bahia, após os planos rebeldes serem delatados,  também não jogou o movimento rebelde no esquecimento. Pelo contrário, a revolta repercutiu dentro e fora do país. “Na manhã de 25 de janeiro, toda a cidade da Bahia (Salvador) e sua vizinhança foi lançada a um estado da maior excitação em consequência de uma insurreição de escravos da nação nagô (….)”, divulgou à época um jornal dos Estados Unidos.E continuou repercutindo por muito tempo nos outros Estados escravistas do Brasil, gerando medo de novas revoltas. E passou para a história do Brasil como um momento heróico da luta dos negros contra a escravidão. E mais do que isso, contra os brancos no poder. Quem eram e como se organizaram os Malês da Bahia?

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O livro do João José Reis, cuja terceira edição muito ampliada foi lançada pela Companhia das Letras em 2019, é uma aventura do Brasil de hoje, rigorosamente guiada pelo autor, ao seu passado na Bahia negra dos oitocentos, em particular ao cotidiano e tensões urbanas e à insurgência revolucionária que brotava das atividades, encontros, códigos e amuletos dos Malês de Salvador

A palavra malê vem de imalê, que na língua iorubá significa muçulmano. O autor explica que os Malês eram especificamente os muçulmanos de língua iorubá, conhecidos como nagôs na Bahia. Os nagos não eram todos muçulmanos – que não chegavam a 30%. Outra parte professava o candomblé. Os Malês não eram todos nagôs, mas a maioria. E eram todos africanos de origem, não nascidos no Brasil.

Os nagôs vinham da região sudeste da atual Nigéria e a parte leste da atual República do Benin. Os Malês especificamente tiveram sua origem principalmente em Ilorin, que era uma dependência do reino de Oió em guerra pelo reinado.Milhares dos habitantes locais em prisioneiros, que eram vendidos como escravos aos traficantes do litoral, e daí exportados para a Bahia.

Muitos eram letrados, frequentaram escolas religiosas no seu país, trazidos para desenvolver ofícios comuns dos escravos em Salvador, de pedreiro, sapateiro, ferreiro, alfaiate, barbeiro, transportador de compras, cartas ou dejetos humanos e também de pessoas, nas cadeiras de arruar.

Foto antiga de cadeira de arruar, obtida pelo fotógrafo Kummler em Salvador [Autoria desconhecida]

Organizados em grupos de trabalho, criavam laços que permitiram juntar solidariedade e, no caso dos Malês, forte politização. A recusa a servir de carrasco para os condenados demonstra valores superiores ao suplício da escravidão. Havia por outro lado a predominância masculina, característica da orientação islâmica, na organização da revolta. São muitos os registros literários da participação de Luiza Mahin, entre figuras decisivas, porém não há registros comprobatórios, além de documentos com a carta autobiográfica de seu filho, Luiz Gama, sobre sua mãe, quitandeira nagô da Bahia, ter sido “presa como suspeita de envolver-se em planos de insurreições de escravos que não tiveram efeito”.

Os Malês foram traídos por outra figura feminina às vésperas dos levantes, o que levou à matança de muitos durante os confrontos, prisão e condenação de outros. As penas impostas também falam muito sobre a violância da escravidão no Brasil. Nem todos os muçulmanos da Bahia participaram do levante, mas pela associação com a religião dos Malês,  muitos inocentes foram presos e condenados, alguns à deportação, outros aos açoites, cuja pena variava de 300 até 1.200 chicotadas. Entre os presos, 16 foram sentenciados à morte, mas 12 tiveram a pena comutada, ficando Jorge, Pedro, Gonçalo e Joaquim levados pela cidade até o local da execução.

João José Reis, que publicou a primeira versão da obra em 1987, passou as décadas seguintes mergulhando, coletando e narrando com documentos e preocupação em dar aos registros das vozes negras o devido protagonismo. Revela a capital baiana a partir da perspectiva dos negros escravos e libertos. E busca entender – sem avançar sobre o que não está comprovado pelo rigor da história – o que queriam os revoltosos.

São de José Reis as palavras: “Se o levante tivesse sido um sucesso, a Bahia malê seria uma nação controlada pelos africanos, tendo à frente os muçulmanos. Talvez a Bahia se transformasse num país islâmico ortodoxo, talvez num país onde as outras religiões predominantes entre os africanos e crioulos (o candomblé e o catolicismo) fossem toleradas. De toda maneira a revolta não foi um levante sem direção, um simples ato de desespero, mas sim um movimento político, no sentido de que tomar o governo constituía um dos principais objetivos dos rebeldes.

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