Muitos desconhecem o papel ativo do Egito na opressão ao povo palestino, apesar de compartilharem a identidade árabe, que deveria ser acompanhada de solidariedade. É com o auxílio do Egito que Israel mantém o cruel cerco militar a, restringindo o acesso de palestinos à fronteira, controlando o espaço marítimo, terrestre e aéreo, bem como o fornecimento de energia, água e outros serviços. O enclave territorial tem cerca de 360 km² na costa leste do Mediterrâneo e cingido entre o Egito e a potência ocupante da Palestina, o Estado de Israel. O livro “Sem caminhos para Gaza”, escrito por Rodrigo D.E. Campos, Renatho Costa e Lucas Bonatto Diaz, mostra o papel cruel da ditadura egípcia na manutenção dessa “prisão a céu aberto”, apesar de ainda tentar aparentar um papel de mediador do conflito e de apoio à causa palestina.
O livro, publicado originalmente em Londres e que agora é lançado no Brasil pela Editora MEMO , conta o relato de viagem de quatro brasileiros que viajaram ao Egito com o objetivo de gravarem um documentário sobre a vida dentro da Faixa de Gaza, mas, apesar de terem conseguido visto e autorização para a travessia antes da viagem, foram recebidos por uma série de burocracias sem sentido, assédio militar e impedimentos que tinham com o único objetivo impedir que o documentário acontecesse, sem assumidamente declarar tal proibição.
O relato da viagem é contextualizado com as informações históricas e geopolíticas da região, além de também abordar o momento político brasileiro, que passou a defender Israel e, portanto, não facilitou o projeto que poderia expor os crimes cometidos pelo novo “aliado” político. O projeto começou quando Michel Temer estava na presidencia, mas diante de burocrafias e falta de resposta quanto aos vistos, os brasileiros só conseguiram viajar em 2019, quando Jair Bolsonaro, aliado dos sionistas, assumiu a presidência. Após a presidente, eleita de forma democrática, Dilma Rousseff ser afastada do cargo em um processo de impeachment controverso, o seu vice Michel Temer assumiu o cargo, e mesmo sendo de origem árabe, o Ministério das Relações Exteriores sofreu transformações radicais, impondo um alinhamento absoluto aos Estados Unidos e “qualquer participação do Brasil em atividades que potencialmente criticassem a atuação do Estado de Israel não seria permitida pelo Itamaraty, que pretendia manter a percepção, tanto na imprensa israelense quanto em grande parcela da comunidade judaica no Brasil, de uma posição mais “amigável” e “menos crítica” do país perante Israel”. No livro, contam que “observando nossa própria e jovem democracia desmoronar sob o domínio da extrema-direita, a solidariedade à causa palestina e ao povo de Gaza, bandeira histórica da esquerda anti-imperialista, nos instigou a agir não somente pela curiosidade, mas por obrigação moral”.
O projeto do documentário era uma parceria entre duas universidades federais brasileiras, a UNIPAMPA e a UFPel, com a Universidade Islâmica de Gaza, com o objetivo de documentar a vida no cerco. Após as tentativas de conseguir permissão para entrar em Gaza por Israel serem negadas, os brasileiros decidiram que tentariam pelo Egito, apesar de terem sido desaconselhados a tentar esse caminho, por ser muito incerto e perigoso. “Mantenham-se distantes do Egito, vocês não querem se meter no Sinai”, disse a eles uma organização.
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A travessia de fronteira de Rafah, na fronteira sul, deveria representar uma rota alternativa à travessia de Erez, controlada pela ocupação israelense, no nordeste de Gaza. Entretanto, a jornada dos documentaristas logo tornou-se uma “aventura perigosa nos confins da ditadura de Abdel Fattah el-Sisi e sua controversa guerra contra o terror na península do Sinai”.
O plano, que era ficar um dia no Cairo e 25 em Gaza, foi frustrado. A cada tentativa de ir ao Sinai encontravam um novo impedimento e mesmo a autorização especial do visto que conseguiram não era reconhecida pelas autoridades egípcias. Diante de tantas pressões e reveses, Fábio acabou sofrendo um AVC, quase perdendo sua vida devido às farsas do governo egípcio.
Conseguiram permissão para entrar no Sinai após 25 dias, ainda tendo que pagar propinas, enfrentando a desconfiança e violência policial, sem água e comida, no calor do deserto egípcio. Após atravessarem inúmeros checkpoints, enfrentarem tiros, desconfianças, interrogatórios e tentativas de extorsão. “Os riscos do Sinai já conhecíamos, mas o fato da burocracia ser utilizada como uma arma contra oponentes, estávamos começando a perceber cada vez mais nitidamente”, contam. Ao chegarem na fronteira, tiveram a travessia negada sem mais explicações, mostrando que o governo egípcio nunca teve realmente a intenção de permitir que o projeto se realizasse. Os comentários e situações provaram que a inteligência egípcia havia seguido os brasileiros durante todo o tempo e depois acabaram os escoltando de volta ao Cairo em uma cena típica de filmes de ação americanos, um uso excessivo de armas e mesmo um tanque de guerra, impedindo qualquer fim de esperança de chegar a Gaza.
A viagem dos autores Renatho Costa, Rodrigo D. E. Campos e Lucas Bonatto Diaz, junto com o colega Fábio Duval, é um testemunho da luta e opressão vivida pelos palestinos que precisam entrar e sair de Gaza por inúmeros motivos, como reencontrar familiares, buscar tratamento médico ou busca por desenvolvimento econômico, social e cultural. O fato é que a ditadura egípcia tem um papel fundamental na violação dos direitos dos palestinos, impedindo-os de exercer o direito fundamental de livre circulação. A jornada dos brasileiros mostra a hostilidade com que palestinos -inclusive crianças e idosos- são recebidos pelas forças egípcias. “A política de segurança de Sisi levou o bloqueio a Gaza para níveis sufocantes, mesmo sendo pouco noticiada se comparada às ações israelenses”, contam.
Como disseram os autores, “Sem caminhos para Gaza foi a metáfora vívida das contradições do chamado processo de paz da Palestina”.
O livro “Sem Caminhos para Gaza” está disponível agora via Amazon, Pagseguro e Mercado Livre.