Em 1636, a prestigiosa Universidade de Cambridge, no Reino Unido, criou seu Departamento de Estudos Árabes. O objetivo da iniciativa foi manifestado em carta por seu fundador, como segue: “O trabalho em si que concebemos tende não apenas ao avanço da boa literatura, ao trazer luz a tamanho conhecimento ainda restrito por um idioma estrangeiro, como também ao bom serviço em nome de Sua Majestade e do Estado, em termos de comércio com as nações orientais; além disso, no justo tempo de Deus, à expansão das fronteiras de nossa Igreja e à propagação da religião cristã àqueles que, por ora, sentam-se no escuro”.
O primeiro diretor do Departamento de Estudos Árabes em Cambridge planejava escrever um livro para refutar o Alcorão; todavia, jamais o completou. Um de seus primeiros sucessores, no século seguinte, escreveu a obra “A história dos sarracenos”, na qual recomendou a leitura do livro sagrado do Islamismo para contestá-lo ou desmentí-lo. Estes eram os objetivos declarados da faculdade de estudos orientais na maioria das universidades europeias na época. Não tratavam somente de fins científicos, mas sobretudo políticos, coloniais, comerciais e religiosos.
Em meados da década de 1960, escritores, intelectuais e pesquisadores árabes ganharam notoriedade nas instituições europeias e americanas. Tais autores haviam estudado e residiam no Ocidente. Então, começaram a criticar a ideologia dos países anfitriões sobre a porção oriental do mundo — compilada, publicada e revisada por pares ocidentais identificados como “orientalistas”. Um dos primeiros pesquisadores árabes a obter destaque foi o comunista franco-egípcio Anouar Abdel-Malek (1924-2012), de origem copta, que publicou o artigo pioneiro “Orientalismo em crise”, em meados de 1963.
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Em seu texto, Abdel-Malek classificou os orientalistas ocidentais em duas categorias: a primeira formada por pesquisadores, acadêmicos e escritores interessados no Oriente; a segunda, exploradores, comandantes militares, empresários, comerciantes e agentes da ocupação ocidental, que viajavam ou residiam nas colônias por razões e períodos distintos.
Abdel-Malek, não obstante, reiterou que as populações orientais conseguiam enxergar apenas um tipo de orientalista — isto é, indivíduos racistas que consideravam as nações colonizadas como isoladas, fracas, passivas, improdutivas e sem qualquer identidade soberana. Tamanha perspectiva alimentou a noção de que um Oriente bárbaro sempre esteve aberto à intervenção, penetração e exploração de um Ocidente supostamente civilizado.
O acadêmico anglo-palestino Abd al-Latif al-Tibawi (1910-1981) publicou no ano seguinte um artigo intitulado “Os orientalistas que falam inglês”, no qual descreveu uma profunda hostilidade histórica por parte da Europa em relação ao Islã. Tibawi relacionou a jornada de missionários cristãos a países estrangeiros com os estudos conduzidos por orientalistas ocidentais, sobretudo a partir do século XIX. Com efeito, muitos acadêmicos foram influenciados por tais missões, sem alcançar, portanto, qualquer neutralidade científica em seu ponto de vista sobre o tema sobre o qual ambicionavam escrever — isto é, o Oriente.
Segundo Tibawi, os orientalistas adotaram então uma série de ideias pré-concebidas e inflexíveis sobre o Islã e demonstravam quase absoluta falta de compreensão sobre o Alcorão. Os estudiosos ocidentais insistiam em enxergá-lo apenas como uma composição humana, sem considerar seu aspecto sacro e imemorial, inclusive com elementos do cristianismo e do judaísmo introduzidos em seu texto.
Edward Said (1935-2003), célebre intelectual palestino-americano, publicou sua obra “Orientalismo” em 1978, na qual reafirmou uma perspectiva colonial, consideravelmente prepotente, que ainda prevalecia no discurso dos acadêmicos ocidentais. Segundo essa visão, o mundo seria dividido em duas metades iguais — Oriente e Ocidente —, conectadas apenas por um “relacionamento de poder, dominação e diversos graus de complexa hegemonia”.
Said enfatizou a noção da Europa como “conceito coletivo identificativo, na forma de ‘nós’ europeus contra todos ‘eles’ não-europeus”, de modo que a identidade ocidental seria, portanto, considerada sempre superior quando comparada aos povos e culturas do Oriente.
O autor palestino contestou ainda a maioria dos estudos redigidos e formulados por orientalistas ocidentais, de todas as nacionalidades e épocas, ao observar que seu objetivo fundamental seria impor o domínio de um “Ocidente forte” sobre um “Ocidente fraco”. Tamanho controle — isto é, a colonização — seria então justificado em virtude de uma suposta superioridade natural dos povos ocidentais, devido a elementos arbitrários como raça, cultura, mentalidade, origens históricas e civilização.
Said conclui que a “noção de que os árabes são qualitativamente distintos dos ocidentais — quase sempre, inferiores — é ainda generalizada entre acadêmicos e jornalistas”.
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Na atual conjuntura, no entanto, não é sem surpresa que vemos influentes indivíduos orientais, árabes e muçulmanos — leigos ou bastante escolarizados — influenciados ao ponto de crer no ideário ocidental sobre suas próprias raízes, sua cultura e religião. Tais estudiosos parecem satisfeitos com a subjugação, derrota e opressão histórica, seja pela ocupação ocidental no passado ou por novos tiranos que servem aos propósitos das potências coloniais. Muitos desses indivíduos manifestam opiniões francamente ocidentais, importadas ou alheias às suas próprias crenças e comunidades, sob um delírio de iluminação, progresso ou civilização.
Rudyard Kipling, poeta e escritor britânico, vencedor do Nobel de Literatura em 1907, afirmou: “Oriente é Oriente, Ocidente é Ocidente e jamais se encontrarão”. Acrescentou Samuel Huntington, cientista político americano e professor da Universidade de Harvard, em paráfrase nossa: “Oriente é Oriente, Ocidente é Ocidente; caso se encontrem, teremos um choque de civilizações”. Agora, há aqueles que imaginam: “Oriente é Oriente; Ocidente é Ocidente; caso se encontrem, eu ganho uma comissão”.
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