Mulheres palestinas tomaram recentemente os telhados de Jerusalém Oriental em nome de uma iniciativa inovadora de apicultura e jardinagem, para combater os desafios nos bairros devastados e superpovoados da Cidade Velha. Com as taxas de pobreza e desemprego nas alturas — em particular, devido à pandemia de covid-19 — o Projeto Sinsila, fundado por Tariq Nassar, busca fornecer às mulheres espaço adequado e sistemas hidropônicos de jardinagem, com potencial para suprir suas demandas financeiras. Para os palestinos, a agricultura exerce um papel fundamental em suas vidas, vinculado a questões como preservação da história, identidade e autodeterminação. De fato, serve de força motriz na luta contra o Muro do Apartheid, construído pelas forças israelenses nas terras ocupadas.
“Ao visitar os bairros de Jerusalém Oriental, observei logo de primeira a falta de espaços abertos e arborizados; ao mesmo tempo, percebi que muitos dos telhados estavam vazios”, relatou Nassar. “Foi durante o lockdown do covid-19 e as pessoas usavam suas lajes para caminhar um pouco ao ar livre, porque as ruas não eram seguras”.
Diante desse cenário, o arquiteto de 37 anos, teve a ideia de utilizar os milhares de telhados em Jerusalém para desenvolver um projeto de jardinagem planejada. Sua iniciativa não seria apenas ornamental, mas assumiria um papel essencial na preservação da natureza.
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Tendo em mente a demanda, os gostos e desgostos, Nassar organizou formas de desenvolver hortas, pomares, canteiros e outras instalações em um espaço pouco utilizado pelas famílias palestinas em suas próprias casas. Não obstante, teria de enfrentar diversos desafios.
Sinsila quer dizer “terraço agrário” no idioma árabe, segundo Nassar.
“O plano para estabelecer esse projeto nas áreas em questão é quase impossível de executar”, reconheceu o arquiteto, em nossa entrevista. “Para maximizar a eficácia dos telhados palestinos, teríamos de demolir áreas inteiras e então reconstruí-las, e ninguém iria financiar esse projeto”. A princípio, muitos palestinos demonstraram certo ceticismo sobre a ideia de criar espaços verdes — sobretudo, por restrições econômicas.
“A prioridade dos palestinos é angariar renda”, reafirmou Nassar. “É algo muito difícil aos palestinos porque o desemprego é um problema concreto que afeta homens e mulheres, sobretudo durante a pandemia. Se não tem dinheiro, não tem como haver interesse”.
Segundo o Escritório Central de Estatísticas da Autoridade Palestina, aproximadamente 40 mil palestinos se formam no ensino superior todos os anos. Contudo, a maioria permanece desempregada, devido a oportunidades restritas do mercado de trabalho. Neste ano, o Banco Mundial confirmou que mais de 66 mil trabalhadores palestinos foram demitidos em 2020, devido ao coronavírus, elevando a taxa de desemprego a aterradores 27.8%.
Não obstante, quando Tariq Nassar enfim encontrou-se com Matan Israeli, artista e cofundador do coletivo Muslala, durante uma turnê de ativistas em Jerusalém ocupada, ambos perceberam a viabilidade do ambicioso projeto. Israeli organizava atividades comunitárias nos telhados desolados da cidade, em nome do desenvolvimento da agricultura urbana nos espaços abertos.
“Conheci Matan quatro anos atrás e calhou de suas ações coincidirem precisamente com o que imaginei para as lajes de Jerusalém Oriental”, recordou Nassar. “Quando conheci seu trabalho nos telhados da cidade, percebi que realmente existia uma porta de entrada para lançar o que viria a ser o Projeto Sinsila. Essa porta era a apicultura”.
A criação de abelhas é um hobby tradicional palestino, que remete a cerca de sete mil anos e possivelmente transcende fronteiras políticas e mesmo a realidade em campo. “Os palestinos adoram mel! Um quilograma de mel pode ser vendido por US$50”, enfatizou o arquiteto e idealizador do projeto. Segundo seu relato, a popularidade do produto deve-se a seu uso para substituir tratamentos químicos para diversas doenças, desde gripe a infecções graves, além de cuidados dermatológicos cotidianos.
Nassar foi apresentado então a Yossi Aud, expert israelense em apicultura biodinâmica, que enfim o ajudou a lançar sua iniciativa, na biblioteca de Wadi Joz, nas terras ocupadas de Jerusalém Oriental. Concluída a primeira quinzena, cem mulheres já participavam do projeto.
“Escolhemos apenas quinze pessoas no começo porque não tínhamos recursos, mas a prefeitura de Jerusalém acolheu a ideia, reconheceu seus benefícios econômicos e decidiu doar algum equipamento e uma pequena quantia em dinheiro”, acrescentou o arquiteto.
Nas semanas seguintes, a equipe já distribuía colmeias a centenas de mulheres. “Parece simples, mas é um trabalho bastante árduo e até mesmo estressante. Mas sou apaixonado por esse projeto e estou determinado a fazer tudo que posso para realizá-lo”, observou.
Nassar estudou arquitetura na Universidade de Birzeit, na Cisjordânia ocupada, e concluiu seu mestrado em urbanização integrada e desenvolvimento sustentável na Universidade de Stuttgart, na Alemanha — onde aprendeu a “fazer ao invés de sonhar”.
O arquiteto defende veementemente a emancipação das mulheres palestinas como força ativa em suas comunidades. “São mães e esposas, mas também exemplos para a geração mais jovem. Quando essas mulheres encontram oportunidades de ensino e trabalho, escolhem investir seu conhecimento em suas comunidades e melhorar a vida de todos ao seu redor. Espero conseguir oferecer alguma oportunidade às mulheres locais”.
Nassar relembrou que alguns maridos inicialmente relutaram com a ideia de cultivar abelhas sobre suas casas, até que perceberam as benesses de poupar dinheiro em produtos de mercearia e mesmo complementar a renda de suas famílias. Agora, alguns homens também colaboram na manutenção e cuidado dos jardins e abelhas.
Lançada oficialmente em abril, a nova organização se expandiu com êxito desde então e possui duas equipes de trabalho integral e cinco jardins comunitários nos telhados da cidade. Além disso, mais e mais mulheres se matriculam nos cursos de apicultura e três de suas colaboradoras já foram contratadas para ensinar cultivo e sustentabilidade em escolas locais.
“Este trabalho com jardins e abelhas dá às mulheres — a maioria, mães e esposas desempregadas — coragem e recursos para interagir e construir sua vida profissional”, concluiu Nassar em nossa entrevista. “Elas encontram consolo nos jardins comunitários. Mulheres com cerca de 50 anos de idade finalmente têm a chance de vivenciar pela primeira vez sua independência. Essa é nossa visão com o Projeto Sinsila”.
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