Em 6 de dezembro, o Secretário-Geral das Nações Unidas António Guterres indicou Stephanie Williams, apelidada de “Dama de Ferro” por alguns políticos líbios, como conselheira especial da entidade internacional no país norte-africano. Sua nomeação foi efetivada em um momento bastante crítico no processo democrático da Líbia, dado o espectro da incerteza que assombra as eleições nacionais marcadas para 24 de dezembro — que provavelmente serão adiadas. Williams não assumiu o papel do enviado especial, que renunciou em novembro, mas sim de “conselheira especial”, com poderes estabelecidos sobre o roteiro político, sobretudo o processo eleitoral lançado neste ano.
Com a postergação quase certa do pleito presidencial, a primeira tarefa de Williams é assegurar que o atraso não será por muito tempo. A ideia de adiar as eleições é defendida por diferentes agentes políticos no país e no exterior. Segundo informações, a presidência francesa não se incomoda com um pequeno atraso, desde que não perca o impulso conquistado até então.
Williams retornou à Líbia alguns dias após ser escolhida para o cargo e deu início a uma série de encontros com lideranças políticas. Em tais reuniões, reafirmou que o voto é a “vontade da maioria” e deve ser levado a sério. Após conversar com Khaled Mishri, presidente do Alto Conselho de Estado, Williams escreveu no Twitter: “Enfatizei a demanda do povo líbio em realizar eleições. O sr. Mishri está no topo do grupo de políticos que pede o adiamento, ao mencionar o que chama de ‘leis inadequadas’”.
O retorno de Williams ao território líbio — no entanto, em um cargo diferente — sugere a seriedade da ONU por mudança no país, uma década após autorizar o uso da força, por meio da Resolução 1973, que “legitimou” a intervenção militar, em março de 2011.
Em 23 de novembro, Jan Kubis, então enviado especial das Nações Unidas, renunciou subitamente, um mês antes das eleições, levando todo o processo a um profundo estado de incerteza. No entanto, o Conselho de Segurança não conseguiu chegar a um acordo para substituí-lo e Williams foi então designada conselheira especial. Na prática, seu cargo possui quase um monopólio sobre o roteiro político, além de mediar outras matérias, como economia.
Williams, experiente diplomata americana, juntou-se à UNSMIL em 2018, responsável pelo processo político, enquanto seu chefe na ocasião, Ghassan Salamé, servia como enviado da ONU e diretor da missão estrangeira. Este arranjo mudou drasticamente com a renúncia de Salamé — sob pretexto de saúde —, em março de 2020, quando William assumiu o cargo provisoriamente. Ambos pareciam se complementar e traziam ideias factíveis para desescalar o conflito. Juntos, estiveram por trás das duas Conferências de Berlim realizadas sobre a Líbia: em janeiro de 2020, que culminou na Resolução 2510; e em junho de 2021, na qual os países participantes reiteraram seu compromisso com o processo político.
Quando Salamé renunciou, Williams já estava em posição de prosseguir. Então, presidiu o Fórum de Diálogo Político da Líbia, incumbido de compor um novo Conselho Presidencial de três membros e escolher o novo premiê — no caso, Abdul Hamid Dbeibeh. A conferência política esquematizou um roteiro para um cessar-fogo e para eleições marcadas em 24 de dezembro. Ainda mais importante, tornou-se uma alternativa viável para o parlamento e o Alto Conselho de Estado, órgãos institucionais assolados por impasses intermináveis.
Agora, a prioridade de Williams é resgatar o processo eleitoral — mesmo diante de seu adiamento —, ao garantir que os líbios terão chance de votar no futuro próximo. Ela também deve usar suas habilidades de negociação para convencer tanto o parlamento quanto o Alto Conselho de Estado a não judicializar demais a matéria e perpetuá-la sob disputas legais.
Devemos nos lembrar que o judiciário na Líbia não opera em um ambiente ideal, sempre sob ameaça de diversas forças políticas e grupos armados conflitantes. Em novembro, por exemplo, por três dias consecutivos, juízes em Sebha, sul do país, foram impedidos de adentrar no tribunal para analisar um recurso sobre a candidatura de Saif al-Islam Kadafi, filho do ex-ditador Muamar Kadafi, após ser desqualificado da disputa — contudo, foi restituído.
Williams está ciente do problema e visitou o chefe da justiça no país e o Ministro da Justiça para obter informações sobre sua posição em torno das eleições nacionais. Em 14 de dezembro, novamente no Twitter, buscou recordar a todos os agentes políticos em campo que as Nações Unidas “não tolerarão” qualquer intimidação contra o judiciário.
Williams detém poderes ainda mais abrangentes ao ter em mãos o Fórum de Diálogo Político — como via alternativa às instituições — e compelir concessões diante do parlamento e do Alto Conselho de Estado. Mais do que isso, foi ela quem criou a entidade de 75 membros, como microparlamento à espera de qualquer necessidade para intervir e assumir o próprio processo político, interrompido por disputas internas entre agentes políticos.
A Dama de Ferro tem a tarefa hercúlea de reconquistar a credibilidade perdida da missão das Nações Unidas em solo norte-africano. Kubis cometeu erros cruciais ao aparentemente negligenciar o Fórum de Diálogo Político, dando às partes em disputa uma impressão de derrota, de modo que poderiam assim retornar a seu hábito de divergir eternamente — paralisando, consequentemente, todo o país.
Um membro do Fórum de Diálogo Político confirmou, porém, que o grupo deve se reunir antes do fim da semana para avaliar o processo até então, indicando sua relevância criada por Stephanie Williams, em primeiro lugar.
Muitos indicadores apontam que a Dama de Ferro pode ter êxito em ressuscitar o processo e colocá-lo novamente em curso. Todavia, não será fácil tampouco direto; certamente será preciso apoio do Conselho de Segurança para cumprir tais objetivos.
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