Relembrando o assassinato de Chico Mendes

Ele era um filho da floresta. Nascera no dia 15 de dezembro de 1944, no meio do seringal, em Xapuri, no Acre, já quase na fronteira da Bolívia. Como filho de seringueiros, passou sua infância na mata, aprendendo a amar a floresta que lhe dava a vida e a sabedoria milenar.

Chico Mendes ensinou milhares de outros seringueiros a lutar por direitos e a ver a Amazônia como um lugar para se reverenciar a vida, mas acabou sendo vítima dos que reverenciam a morte. Foi assassinado em sua própria de sua casa, com um tiro de fuzil, no dia 22 de dezembro de1988, diante da esposa e dos dois filhos adolescentes.

O quê: Assassinato de Chico Mendes

Onde: Acre

Quando: 22 de dezembro de 1988

O que aconteceu antes

Vivendo na região amazônica e no universo dos seringueiros desde o seu nascimento, Chico Mendes começou a ter consciência das injustiças, da ausência de direitos para os trabalhadores e da própria forma como era feita a extração da borracha e passou a questionar o cenário arcaico em que todos estavam mergulhados há décadas. A extração nos seringais sempre gerara desentendimentos e uma imensa desigualdade pois era feita através de profunda exploração e com um sistema de troca de mercadorias industriais pelo produto extraído.

Os seringueiros se viam em uma situação de completa inferioridade e subordinação aos proprietários das terras, que agiam como se estivessem ainda no período feudal, castigando até fisicamente os trabalhadores que ousassem questionar a ausência de salários reais, a violência e o sistema primitivo de trocas.

Os fazendeiros contavam ainda com a cumplicidade total das forças militares do Acre.

O sistema de exploração começava a ser questionado por toda a população da região e também internacionalmente. A situação foi se tornando insustentável, pois no final da década de 1970 houve uma espécie de substituição da borracha pela pecuária como atividade mais lucrativa, dando início a um dos maiores índices de destruição e desmatamento da história da Amazônia, e impedindo a permanência dos seringueiros ali. Foi nessa época que surgiram os primeiros sindicatos como uma forma de dar voz aos seringueiros e suas reivindicações por direitos básicos.

Chico Mendes torna-se uma voz respeitada entre os seringueiros, e em 1975, é eleito para a diretoria do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Brasiléia, primeiro sindicato de trabalhadores rurais de toda a região.

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Nos anos seguintes, ele e os companheiros, sob a liderança de um sindicalista chamado Wilson Pinheiro, decidem ir para as áreas ameaçadas de desmatamento, e lutar para parar motosserras e impedir a destruição das florestas. 

Os latifundiários matariam o líder sindical Wilson Pinheiro em 1980, mas não conseguiriam silenciar a luta iniciada por ele e fortalecida pelas mãos e pela voz de Chico Mendes.

Três anos depois, Chico seria escolhido como o novo líder dos seringueiros e faria da luta por direitos humanos, contra a Ditadura e em defesa da floresta, uma luta icônica.

O líder rural carismático e agregador passaria a desenvolver uma tese baseada em seu conhecimento da floresta, uma tese que seria amplamente comprovada anos mais tarde por pesquisadores. A teoria de realmente de que os benefícios humanos e reais derivados da manutenção e da defesa das florestas são muito maiores do que o valor imediato obtido com a sua destruição.

O jovem seringueiro nascido em Xapuri passaria a inspirar o respeito e a admiração internacional, daria palestras no mundo todo sobre a importância do ecossistema e dos povos originários das florestas, e lideraria o Primeiro Encontro Nacional de Seringueiros em 1985, criaria um Conselho Nacional que elaborou a primeira proposta original de reforma agrária, com as Reservas Extrativistas.

As propostas de Chico Mendes traziam melhorias concretas para milhares de trabalhadores rurais, e inspiravam movimentos trabalhistas internacionais na mesma medida em que suscitavam o ódio dos latifundiários que lucravam imensamente com a destruição da Amazônia. Mesmo conquistando o respeito do mundo todo, Chico Mendes vinha sendo ameaçado de morte e vinha descobrindo que os latifundiários tinham cúmplices em todas as esferas de poder no Brasil.

Na noite de 22 de dezembro de 1988, o ecologista, ambientalista e líder trabalhista Chico Mendes seria a morto a tiros de espingarda, diante de sua esposa e de seus dois filhos, por Darcy Alves da Silva.

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Chico Mendes acabara de ser homenageado pela ONU, no ano anterior, por sua luta em defesa da vida e da floresta. O ecologista, que liderara a resistência dos seringueiros e fora o fundador da primeira reserva extrativista e sustentável do Brasil, com 40 mil hectares, que acabara de participar de uma conferência mundial com mais de 500 ecologistas nas Nações Unidas e fora ouvido pelo mundo todo como uma voz que poderia trazer direitos humanos e paz para a floresta, estava morto.

Sua morte chocou o mundo e líderes políticos de todo o planeta pediram respostas, investigações sérias e justiça ao governo brasileiro.

O que aconteceu depois

As investigações levaram rapidamente ao nome do verdadeiro mandante do crime, o latifundiário Darly Alves, pai do assassino e um conhecido grileiro da região com uma trajetória de violência, invasões, que culminaria no assassinato de Chico Mendes.

Darly, Darci e um irmão do fazendeiro foram julgados e condenados a 19 anos de detenção prisão em regime fechado, o que era algo inédito para assassinatos rurais no Brasil. Mas os dois conseguiram, com a ajuda de terceiros, fugir da prisão em 1993 e só foram localizados em 1996.

Em 1999, Darly seria solto e cumpriria o restante da pena em prisão domiciliar, por problemas de saúde, segundo sua defesa. Seu filho, no mesmo ano, obteria o direito de cumprir o restante da pena em regime semiaberto, para a perplexidade de muitos que esperavam que ele cumprisse a pena a que fora condenado pelo assassinato.

Em 2013, já idoso e vivendo em Xapuri, no Acre, Darly Alves afirmaria em uma entrevista quem se sentia injustiçado. “Quando chegava uma testemunha para me defender, o juiz batia o martelo e mandava me retirar da sala. Só queriam a minha condenação…”

Ao contrário do que diz o fazendeiro, havia inúmeras provas da participação de pai e filho no assassinato. Além da arma utilizada no crime, uma das testemunhas fundamentais para a condenação foi de Genésio Ferreira da Silva, então com 13 anos, um menino que trabalhava na fazenda e ouviu todo o planejamento da morte.

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As ameaças de morte a Genésio foram tantas que ele seria protegido como testemunha e partiria para sempre de Xapuri. Um documentário produzido em 2018, pela Amazônia Real, mostra a vida do menino Genésio antes e depois do assassinato de Chico Mendes. O assassino material do ambientalista, Darci Alves, cumpriu o restante da pena em Xapuri, mudou-se para Brasília, e transformou-se em um pastor evangélico.

Um imenso legado

As primeiras reservas ambientais, um dos grandes sonhos de Chico, foram criadas no Brasil no mesmo ano de sua morte. Seus sonhos inspiraram milhares de iniciativas em todo o planeta, e, em 28 de agosto de 2007, foi criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente e projeta e realiza ações do Sistema Nacional de Conservação (UC), propondo, monitorando e realizando ações concretas pela preservação das florestas brasileiras.

Alguns depois de sua morte, nasceu também o documentário internacional que mostra sua trajetória de luta para proteger a floresta e os direitos humanos, dirigido pelo inglês Adrian Cowell e visto por mais de 30 milhões de pessoas desde então.

Chico também recebeu o Global Prize da ONU,  foi homenageado em Roma e em Londres, e recebeu dos Estados Unidos a Medalha de Meio Ambiente da Better World Society. Ao contrário de seus assassinos, Chico Mendes está por toda parte, dá nome a centenas de parques no Brasil, seu rosto e seu sorriso franco podem ser vistos todos os dias por jovens do Brasil inteiro em documentários e reportagens como essa, e seu legado parece mais vivo do que nunca.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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