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Uruguai, Catar e a disputa pela projeção de poder na América Latina

Presidente do Uruguai, Luis Lacalle e emir do Catar, Tamim bin Hamad Al-Zani, em Doha, Catar [Agência de Notícias do Catar]

Nos últimos dias 12 e 13 de dezembro, o presidente uruguaio Lacalle Pou (Partido Nacional e uma coalizão de direita e centro-direita) realizou uma visita ao reino do Catar.

Segundo o gabinete da Presidência da República Oriental do Uruguai, a viagem cumpriu os objetivos:

“‘Com o Catar, temos economias complementares, e eles conhecem a qualidade dos alimentos na região e no nosso país’, disse. Lacalle acrescentou que no mundo de hoje são pilares muito importantes como o cuidado com o meio ambiente, a segurança, o cumprimento e a clareza das regras do jogo no longo prazo, condições que o Uruguai cumpre.

A agenda incluiu uma reunião ‘que nos deixou satisfeitos’ com o gerente-geral da companhia aérea Qatar Airways, a quem foi apresentado um plano para expandir a conectividade, afirmou.

Além disso, o presidente visitou a Fundação Catar para educação, inovação e pesquisa, onde estão localizadas oito universidades internacionais. Ele considerou que a capacidade daquele campus é deslumbrante, e o objetivo é aproximar algumas dessas instituições do país.

Na área comercial, participou de duas rodadas de negócios com a câmara de comércio do Catar, principalmente voltada à importação de alimentos, e com investidores estrangeiros daquele país. ‘Temos oportunidades de investimento em infraestrutura, portos, estradas e empreendimentos alimentícios de longa data que precisam de uma injeção de investimento’, explicou.

Lacalle Pou também valorizou os aspectos da tradição do Catar com seu compromisso com a inovação. ‘Geramos um bom relacionamento com o emir do Catar para continuar cultivando a relação bilateral entre os dois países’, disse”.

Para iniciar um debate interpretativo da relevância deste tipo de acordo e de complementaridade econômica, é necessário uma breve retrospectiva histórico-estrutural do Uruguai.

O Uruguai industrial que nunca se realizou

Apenas com os anúncios neste discurso observamos alguns aspectos fundamentais no jogo de poder do Sistema Internacional (SI) e nos fundamentos da economia política Internacional (EPI). O Uruguai é um país pequeno, que garantiu sua independência na segunda guerra, após a lastimável derrota do excelente projeto da Liga Federal dos Povos Livres, comandada pelo caudilho popular José Gervasio Artigas. Na derradeira libertação, apenas uma fração da província oriental se consolida como Estado uruguaio, considerando que a antiga Província das Missões Orientais é tomada pelo Império Luso-Brasileiro, tornando-se território da Província de São Pedro.

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Desde a expulsão das tropas luso-brasileiras e dos acordos derradeiros de 1828, o Uruguai tem essa condição de Estado tampão no antigo realismo regional do Rio da Prata e Cone Sul, como também a perene vocação agroexportadora.

A crise do modelo agrícola e de exportação intensiva vem desde a primeira metade da década de 50 do século, sendo o biênio 1954-1956 o marco de intensas lutas coletivas. A desindustrialização chegou ao país com o fechamento de plantas frigoríficas, mas conviveu também com o período clássico de Industrialização por Substituição de Importações (ISI), em que nossos países da América Latina produziam cerca de oitenta por cento do que consumiam. Com a crise da dívida e a dependência acentuada no ciclo das ditaduras, sendo a uruguaia de 1973 a 1985, antecedida pelo período chamado de “ditadura constitucional” (dezembro de 1967 a junho de 1973), a democracia política veio junto com o desemprego estrutural, a lavanderia financeira dos capitais argentinos e de duvidosa procedência, além de uma “vocação para serviços, turismo e alimentos”.

Se os convênios internacionais com fundos como o catari forem adiante, teremos uma nova fase na economia uruguaia. Em termos de integração internacional, o país passou por um ciclo semelhante ao proposto pelo “Partido Blanco”, nos tempos áureos da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (ALBA), com os recursos petrolíferos venezuelanos sendo disponibilizados através dos recursos do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social da Venezuela (BANDES). Entre 2005 e 2012 houve investimento pesado no Uruguai, bem como em demais países latino-americanos sob os governos de turno de centro-esquerda. A lógica era simples e razoável. Utilizar os excedentes do petróleo venezuelano, integrando cadeias industriais recuperadas e criando TNCs (transnacionais) a operar no Sul Global. Foi a mesma medida tomada pelo BNDES brasileiro e que escandalizou os operadores da Lava Jato municiados de informações e dados de inteligência através dos departamentos de Estado e de Justiça dos EUA.

A estratégia do Catar através do seu fundo soberano

Segundo a Autoridade de Investimentos do Catar (QIA, na sigla em inglês), os setores para aplicar os recursos oriundos de excedentes e transformados em instrumentos financeiros são: imóveis; semicondutores e tecnologia de alta resolução; fundos de investimentos; logística e consumo; commodities; saúde; infraestrutura e setores industriais. Neste sentido, países com pouca população e território vocacionado para a agricultura e pecuária, e sem intempéries, torna o Uruguai um objetivo amplo de investimentos.

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O Catar tem uma população estimada de pouco menos de três milhões de habitantes e a República Oriental tem cerca de três milhões e meio. Através da integração econômica ampliada o emirado catari pode estar presente no Cone Sul latino-americano e assim concorrer diretamente com outro fundo soberano, de um país bem semelhante, mas com política externa distinta da sua. A QIA tem como rival direto o conjunto de fundos sob a autoridade dos Emirados Árabes Unidos (EAU), como o fundo do banco NBD; a própria Autoridade de Investimentos dos Emirados (EIA); o Fundo Global de Investimentos dos Emirados (EGIF); o Banco de Investimentos dos Emirados (EIB); Emirates Capital (EC); e o gigante Mubadala (presente no Brasil incluindo a compra de ativos da Petrobrás); dentre outros, variando entre fundos soberanos, gestão de fundos e aplicações múltiplas.

Outra forma de expansão da influência do Catar, rivalizando na projeção de poder internacional com os EAU se dá através das respectivas companhias aéreas. O circuito de voos e rotas internacionais trazem consigo capitais e fluxo de turistas. Ofertar o litoral e o campo uruguaios como forma de lazer acessível às pequenas parcelas de famílias ricas do Golfo e da Península Árabe pode ser uma forma de atrair mais investimentos. Ao conseguir a liberação mútua de vistos de entrada, Lacalle Pou evidentemente busca aumentar a facilidade de passageiros transportados com destino ao Uruguai, mas garantindo a reciprocidade necessária nas relações internacionais.

Doha compete com Dubai como centro de negócios e estratégia nas Relações Internacionais. Esta aproximação com o Uruguai evidencia isso, concorrendo com a presença agressiva de monarquias aliadas do sionismo em nosso continente. Analisando de forma normativa, esperamos que essa relação leve tanto mais desenvolvimento industrial e tecnológico ao Uruguai, assim como diminua o espaço dos agentes sionistas na América Latina. Não podemos confundir os padrões da economia política internacional com, necessariamente, uma ação anti-imperialista. Em linhas gerais, qualquer espaço que a ação dos Emirados e demais aliados da entidade sionista perca pode ser positiva, mesmo que de forma indireta.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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