No auge do garimpo de Serra Pelada, cerca de 80 mil garimpeiros subiam e desciam dos barrancos geridos pelo governo federal. A mobilidade de população foi uma consequência do incentivo de projetos econômicos e de “desenvolvimento” para a Amazônia Legal, sem o mínimo de infraestrutura, condições sanitárias ou preocupação em preservar os biomas amazônicos.
O que – Massacre de Serra Pelada
Quando – 29 de dezembro de 1987
Onde – Sudeste do Pará
O chamado Massacre de São Bonifácio, também conhecido como Massacre de Serra Pelada ocorreu em 29 de dezembro de 1987, durante o governo interino de José Sarney, após um protesto com mais de quatro mil pessoas, entre garimpeiros, esposas e crianças. Os assassinatos foram cometidos pela Polícia Militar do Estado do Pará (PMEPA), mas a área do garimpo estava sob o controle da segurança nacional, com presença direta de ex-militares com origens na ditadura e na repressão contra a guerrilha do Araguaia. Segundo a PMEPA, na ocasião foram mortos quatro garimpeiros. Já testemunhas apontam ao menos dez mortes e 30 feridos. A mídia da região indica que houve um número ainda maior de vítimas.
O massacre ocorreu no sudeste do Pará, na ponte rodoferroviária de Marabá, no acesso à rodovia PA-150 e a passagem dos trens de carga da linha Carajás-Ponta da Madeira, que servia à Companhia Vale do Rio Doce, ainda à época uma estatal do governo federal, antes da privatização levada a cabo na década seguinte, já na Era FHC. A ponte fica numa altura de mais de 70 metros do Rio Tocantins, sendo praticamente impossível saltar dela quando a repressão avançou.
Naquele dia, cerca de quatro mil garimpeiros de Serra Pelada haviam bloqueado o acesso à ponte rodoferroviária, protestando contra as condições sanitárias absolutamente insalubres do garimpo. As cooperativas de garimpeiros organizaram o protesto, também denunciando a máfia dos chamados “coronéis” de barranco, que “contratavam” de forma ilegal a outros trabalhadores para lavrar lotes de suas posses. Os garimpeiros cooperativados queriam o rebaixamento dos barrancos para seguir com a extração manual, dando chance a todos, ao contrário da ação mecânica e da consequente exaustão da atividade de mineração.
As forças da repressão eram compostas pelo contingente policial militar de Marabá. A ordem para desocupar a ponte de toda e qualquer maneira com emprego da força e uso de arma de fogo foi dada pelo então governador paraense Hélio Gueiros (eleito pelo PMDB no pleito de 1986).
O que aconteceu antes
A antecipação da descoberta da mina se deu através de camponeses e sem terras que vagavam pelo sudeste paraense e pela região do Bico do Papagaio. Consolidada a notícia da área de garimpo, uma legião de homens e famílias inteiras se deslocaram para lá. Para evitar uma convulsão social, os militares “toleraram” Serra Pelada, fazendo o possível para fechá-la. O administrador do garimpo era Sebastião Curió Rodrigues de Moura, engenheiro militar também conhecido como Major Curió. Esse homem, que foi repressor no Araguaia e, depois, político profissional, seria homenageado com nome do município onde se localiza a área de extração de ouro. O conflito com o grande capital e a associação com o Estado, ainda na ditadura militar, foi inevitável. Esse foi o contexto do Massacre de São Bonifácio.
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O que houve depois:
Passados mais de três décadas do Massacre, cerca de 70 pessoas, a maioria garimpeiros, seguem desaparecidas, sem sinal de vida ou registro de obituário. A partir do ano seguinte, o garimpo começa produzir cada vez menos e, apesar de haver extraído mais de 40 toneladas, o município de Curionópolis (de triste memória em função do “major Curió”, um dos repressores do Araguaia) segue tendo péssimos índices de qualidade de vida e distribuição de riqueza. A partir de 1992, ocorreu a paralisação da extração de ouro na região. Um grande lago tomou o lugar da cratera que havia para a retirada do ouro. A Companhia Vale do Rio Doce, ainda como uma companhia estatal (federal) de economia mista, foi indenizada pela União, porque, em tese, os direitos de exploração mineral seriam dela e não dos “invasores garimpeiros”.
Para saber mais:
LIVRO – Encurralados na ponte: o massacre dos garimpeiros de Serra Pelada, de Paulo Roberto Ferreira, editora Paka-Tatu, 2019
29 de dezembro: 30 anos do Massacre dos Garimpeiros e Garimpeiras de Serra Pelada na Ponte de Marabá
Polícia Militar mata garimpeiros no Pará
Qual a história por trás do massacre de garimpeiros da Ponte de Marabá? – Marina Duarte de Souza –
Serra Pelada e Carajás: dois massacres que ajudam a contar a história da mineração no Brasil – Maurício Angelo
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