Durante a celebração do 57° aniversário do movimento Fatah na Faixa de Gaza, o oficial sênior Ahmed Helis urgiu o Hamas, tradicional adversário político, a exercer a democracia e respeitar os direitos de outras organizações para encerrar a divisão interna entre os palestinos. Correligionários do Fatah manifestam reclamações reiteradas, incluindo uma “perseguição atroz” contra o partido secular pelo movimento islâmico de resistência, desde 2007, quando o Hamas assumiu controle sobre Gaza após sua vitória eleitoral no ano anterior.
Israel e seus aliados ocidentais jamais aceitaram a vitória eleitoral livre e justa do movimento Hamas. Ao contrário, encorajaram o Fatah a destituir o partido islâmico de todas as instituições da Autoridade Palestina. Por mais de um ano, o Fatah — com apoio de Israel, Egito e outros agentes internacionais — instigaram uma veemente instabilidade política e de segurança nos territórios ocupados. Somente Israel prendeu ao menos 40 parlamentares do Hamas e serviços públicos essenciais foram paralisados. Apesar de superar o caos na Faixa de Gaza, o Hamas não conseguiu fazê-lo nas terras ocupadas da Cisjordânia e Jerusalém, devido ao efetivo apoio israelense ao partido Fatah. Este, por sua vez, ignorou o resultado das eleições e removeu todos os oficiais do Hamas dos conselhos municipais.
Nesse entremeio, o Fatah retirou-se também de todas as instituições da Autoridade Palestina em Gaza, incluindo os Ministérios da Saúde e Educação, deixando a população sem médicos ou professores ao pagar seus funcionários públicos para que ficassem em casa. O escândalo, no entanto, não parou por aí. Muitos veteranos do Fatah mudaram-se para Egito ou Cisjordânia, ao alegarem perseguição por parte do Hamas.
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Desde então, Fatah e Hamas, junto de outras facções palestinas, sentaram-se para negociar em diversas ocasiões e firmaram dezenas de acordos para superar a divisão, realizar novas eleições e respeitar os subsequentes resultados. Lamentavelmente, tudo foi em vão.
Mahmoud Abbas — que acumula a liderança do Fatah, da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e da Autoridade Palestina — costuma voltar atrás desses acordos, ao acusar o outro lado de não respeitar os termos. Neste contexto, oficiais de seu governo e políticos aliados denunciam o Hamas por uma “perseguição atroz” na Faixa de Gaza, por meio de uma suposta repressão contra partidários e instituições do Fatah. Suas alegações, entretanto, têm pouco ou nenhum fundamento na realidade.
Quase todos os membros do Fatah que deixaram Gaza em direção ao Egito ou à Cisjordânia ocupada retornaram posteriormente ao território sitiado. Ninguém foi preso ou sequer investigado. Médicos e professores que abandonaram seus pacientes e estudantes continuaram a desfrutar do acesso a saúde e educação, sem qualquer discriminação. As centenas de agentes de segurança do Fatah, pagos pela Autoridade Palestina sob jugo do partido para não trabalharem, receberam salvo-conduto dos policiais do Hamas, que recebiam metade de seu salário ou sequer conseguiam ser devidamente remunerados, devido às sanções econômicas impostas contra a população e as instituições de Gaza.
Desde então, diversos oficiais da Autoridade Palestina e do Fatah foram expostos por cooperar com o bloqueio e a ocupação israelense, em detrimento da resistência palestina. Tamanho colaboracionismo é investigado pelo Hamas, mas somente envolvidos com assassinatos são mantidos em custódia. Agentes e políticos do Fatah que passaram informações deletérias a Israel sobre atividades de resistência poderiam ser presos, mas foram perdoados em ocasiões religiosas ou outras. Aqueles que tentaram instigar o caos na Faixa de Gaza foram detidos pelo governo de facto do Hamas por apenas alguns dias e então libertados.
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Sempre que membros do Fatah cogitam convocar eventos nacionais em Gaza, podem fazê-lo livremente, com proteção absoluta por parte das agências de segurança administradas pelo Hamas. Neste ano, quando lealistas de Abbas decidiram celebrar o aniversário do partido, policiais do Hamas decidiram separá-los dos apoiadores de Mohammad Dahlan — ex-oficial do Fatah, exilado nos Emirados Árabes Unidos — para evitar eventuais confrontos entre ambas as facções internas, como aconteceu no passado. Dahlan é considerado um possível sucessor do presidente octogenário; portanto, visto como ameaça por muitos políticos do Fatah.
Milhares de apoiadores do Fatah, não obstante, se reuniram livremente nas principais praças de Gaza. Em muitos de seus discursos, os líderes do partido incitaram atos contra o Hamas, ao tratá-lo como se fosse a verdadeira potência ocupante na Palestina histórica. Em contraste, simpatizantes do Hamas na Cisjordânia são violentamente reprimidos pelas forças de segurança da Autoridade Palestina, por exemplo, ao comemorar a soltura de um prisioneiro das cadeias de Israel ou participar de velórios comunitários.
Além disso, Tel Aviv admitiu que a repressão da Autoridade Palestina contra atos de resistência na cidade de Jenin, na Cisjordânia ocupada, poderia ser conduzida pelo exército israelense caso os serviços de segurança controlados pela Fatah não tivessem se apresentado à missão e coordenado suas operações com seus homólogos sionistas. Tamanha repressão significa que as cadeias da Autoridade Palestina estão repletas de membros ou apoiadores do Hamas.
Dessa forma, as evidências sugerem de modo bastante contundente que as alegações do Fatah de “perseguição atroz” por parte do Hamas não refletem a realidade em campo. De fato, é notório que o Hamas e seus correligionários são perseguidos pelo Fatah e não o contrário.
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