Um vídeo que mostra um libanês agredindo uma trabalhadora estrangeira em uma cidade libanesa se tornou viral nas redes sociais, levantando preocupações sobre a falta de direitos dos trabalhadores estrangeiros no país e levando ativistas a dobrar sua oposição ao infame sistema de kafala.
Nas imagens, o homem – que é o patrão – pode ser visto arrastando a mulher pelos cabelos até a estrada e batendo nela enquanto ela grita. O incidente aconteceu na cidade de Jouret el-Ballout, uma localidade predominantemente cristã no centro do Líbano.
هيدا نظام الكفالة! هيدا الاستبعاد…
الفيديو من جورة البلوط.pic.twitter.com/dGqaDURGML— Adham Hassanieh أدهم الحسنية (@AdhamMG) January 5, 2022
Após a circulação das imagens, o homem foi detido por ordem judicial e o caso está sendo investigado, tendo o depoimento da trabalhadora estrangeira sido ouvido e examinado.
O prefeito de Jouret el-Ballout, Issam Boujaoude, postou um comunicado em sua conta no Facebook afirmando que a mulher chegou à casa de seu empregador antes de tentar escapar na mesma noite. Posteriormente, ela foi capturada e presa e, em seguida, enviada de volta ao escritório de empregos em que estava registrada, enquanto o homem teve o dinheiro devolvido a ele.
Boujaoude insistiu que a reputação de sua cidade deve ser preservada e que qualquer tentativa de prejudicá-la é simplesmente “para angariar pontos de vista”. Ele acrescentou que “estamos apenas interessados em esclarecer os fatos sem abordar as leis trabalhistas e o sistema de kafala, e a realidade do empregado libanês se tornou muito pior do que a da trabalhadora estrangeira”.
A declaração do prefeito resultou em uma onda de críticas contra ele, com muitos zombando dele por não questionar o sistema de kafala e por alegar que os trabalhadores estrangeiros no país são mais privilegiados do que os libaneses na atual e contínua crise econômica. Ele removeu sua postagem após a reação.
O incidente resultou no renascimento do debate em torno do sistema de kafala, que grupos de direitos humanos e ativistas condenam como um sistema abusivo que não protege adequadamente os direitos dos trabalhadores migrantes.
No sistema, o trabalhador é patrocinado pelo empregador e fica sob a sua autoridade, sem ter acesso a passaporte próprio, liberdade de circulação e direito de sair do país. O sistema, juntamente com a falta geral de proteção legal, frequentemente resulta em abuso e exploração dos trabalhadores por parte dos empregadores.
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Em setembro de 2020, o governo provisório do Líbano anunciou planos para substituir o sistema de kafala por um novo conjunto de leis trabalhistas padrão a trabalhadores estrangeiros, que teriam protegidos seus direitos. Um mês depois, no entanto, um tribunal libanês suspendeu esses planos depois que a federação da agência de recrutamento apelou contra a mudança.
Em um relatório publicado pela Human Rights Watch (HRW) esta semana citou uma das principais razões para o fracasso em abolir o sistema, “que é um negócio lucrativo para muitos envolvidos: um estudo descobriu que o sistema de kafala gera mais de 100 milhões de dólares americanos anualmente. Agências de recrutamento […] trabalho forçado e tráfico de pessoas geram 57,5 milhões de dólares americanos por ano em receitas”.
Afirmou, ainda, que o sistema e a falta de direitos dos trabalhadores estrangeiros “violam os tratados de direitos humanos e as convenções trabalhistas que o Líbano assinou, incluindo aquelas que abolem o trabalho forçado. Eles também violam o princípio da não discriminação e o direito a condições de trabalho justas e favoráveis”.
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