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Veredito histórico é esperado amanhã contra tortura cometida pelo estado na Síria

Cidadãos sírios Anwar Raslam e Eyad al-Gharib durante julgamento em Koblenz, ba Alemanha, 4 de junho de 2020 [THOMAS LOHNES/AFP/Getty Images]

O veredito de um julgamento histórico por crimes de lesa-humanidade será confirmado nesta quinta-feira (13), contra um agente de inteligência da Síria, na cidade de Koblenz, Alemanha.

Anwar Raslan, que desertou do serviço secreto do país árabe e fugiu para a Europa, ao solicitar asilo em 2018, é o oficial de maior escalão do regime de Bashar al-Assad a ser indiciado no exterior, acusado de violações graves de direitos humanos perpetradas na Síria. Sob a legislação alemã, crimes hediondos podem ser julgados no país, mesmo que não haja conexão direta com as alegações — interpretação fundamentada no princípio de jurisdição universal.

A Síria não é signatária do Tribunal Penal Internacional (TPI), o que frustrou possibilidades de julgar seu governo em Haia. Além disso, China e Rússia vetaram tentativas do Conselho de Segurança das Nações Unidas de conceder jurisdição à corte. Este mesmo julgamento jamais seria realizado no território sírio, ao passo que a impunidade é assegurada pelo regime.

O ex-coronel Raslan é acusado de co-executar 58 pessoas e torturar quatro mil prisioneiros, no Ramo de Al-Khatib da Inteligência Geral, conhecido também como Ramo 251, sediado em Damasco, entre os anos de 2011 e 2012, após deflagrar-se a revolução popular. Os promotores apontam que Raslan supervisionou atos de estupro, abuso sexual, tortura por choques elétricos e privação do sono contra prisioneiros, além de espancamentos brutais.

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Os advogados de Raslan leram um comunicado de sua autoria no qual negou os crimes. Segundo o relato, fora também uma vítima, que libertou prisioneiros sempre que possível. Todavia, o advogado sírio Anwar Al-Bunni, testemunha no processo, constatou que Raslan era uma força motriz do aparato repressivo, não somente mais outra engrenagem.

Em dezembro, os promotores sugeriram formalmente prisão perpétua.

Ex-coronel sírio Anwar Raslan durante julgamento em Koblenz, na Alemanha, 4 de junho de 2020 [THOMAS LOHNES/AFP/Getty Images]

A eventual condenação de Raslan é parte de uma série de julgamentos que ocorrem na Alemanha contra a tortura autorizada e perpetuada pelo estado sírio. Em questão de uma semana, um médico identificado apenas como Alaa M, acusado de auxiliar crimes de lesa-humanidade na cidade de Homs, em 2012, também será julgado.

Em fevereiro de 2021, uma corte alemã condenou Eyad al-Gharib, co-réu e subordinado de Raslan, a quatro anos e meio de prisão por associar-se a crimes de lesa-humanidade, representando a primeira vez que a lei internacional foi adotada para condenar agentes de inteligência da Síria. Os promotores observaram que al-Gharib ajudou a prender ao menos trinta manifestantes da oposição em meados de 2011, ao transferí-los então a uma penitenciária em Damasco onde foram torturados e assassinados. Al-Gharib foi considerado cúmplice por transportar os detentos às instalações do governo, ciente das violações sistemáticas, incluindo tortura, que ocorreriam a seguir.

Testemunhas do processo detalharam os métodos de tortura utilizados na Síria, dentre os quais prisioneiros pendurados do teto, estupro coletivo, unhas arrancadas, canhões de água contra e choques elétricos. Imagens divulgadas pelo ex-fotógrafo militar conhecido como Caesar também foram apresentadas como provas cabais durante o julgamento. Caesar trabalhou para a polícia militar de Damasco entre maio de 2011 e agosto de 2013 e armazenou cerca de 53 imagens de manifestantes mortos pelas forças do governo em um disco rígido, contrabandeado posteriormente ao exterior.

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Para o julgamento de Raslan e al-Gharib, Marcus Rothschild, especialista forense da Universidade de Colônia, analisou em torno de 27 mil fotografias compiladas por Caesar, segundo um relatório publicado pela organização internacional Human Rights Watch. Dentre as 6.821 pessoas identificadas nas imagens, conforme a perícia, ao menos 110 foram levadas ao chamado Ramo 251, onde ambos os réus executavam sua missão, a julgar pelo número gravado na testa dos cadáveres. O doutor Rothschild concluiu que 7.3% das vítimas provavelmente morreram de fome, além de distinguir ao menos 55 ferimentos causados por força bruta, incluindo socos, empurrões e pontapés.

Desde 2011, quando deflagrou-se a guerra civil na Síria, ao menos 350 pessoas morreram e mais de 12 milhões de pessoas sofreram deslocamento forçado. O regime sírio de Bashar al-Assad é responsável pela grande maioria dos crimes executados contra civis. Hospitais, escolas e mercados foram bombardeados e dezenas de milhares de prisioneiros políticos desapareceram na rede carcerária do governo, sob tortura sistemática.

A princípio, a Europa recebeu parte dos refugiados sírios. Entretanto, após uma década de conflito, o interesse da imprensa efetivamente minguou e políticos passaram então a falar de Damasco como um lugar suficientemente seguro para o retorno dos refugiados. Nesta semana, a Secretaria de Assuntos Internos do Reino Unido asseverou a um requerente de asilo de 25 anos que ele poderia retornar ao país árabe, após a Dinamarca tornar-se o primeiro governo europeu a revogar vistos de residência concedidos a refugiados sírios.

A cobertura de mídia sobre o julgamento, não obstante, mostrou-se uma nova oportunidade para que os refugiados sírios denunciem atrocidades ainda em curso na Síria, incluindo sequestro, tortura e execuções extrajudiciais, sobretudo contra conterrâneos que retornaram recentemente ao país sob anuência da Europa, em meio a uma consistente impunidade asseverada às autoridades responsáveis.

Neste contexto, Simon Adams, diretor executivo do Centro de Vítimas de Tortura, descreveu o julgamento de Anwar e al-Gharib como “esforço histórico para superar a impunidade que permitiu que crimes de lesa-humanidade fossem livremente cometidos há tempo demais”.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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