Séculos antes da ocupação israelense da Palestina histórica, havia centenas de aldeias nativas por todo o país. Quando gangues sionistas ocuparam 78% da Palestina em 1948, suas operações terroristas deslocaram e assassinaram milhares de pessoas, além de destruir suas terras e propriedades. Aldeias inteiras foram apagadas do mapa; cidades inteiras foram capturadas. Historiadores palestinos, israelenses e outros descrevem este processo como limpeza étnica — isto é, crime contínuo de lesa-humanidade.
Apesar da brutalidade dos sionistas, alguns palestinos conseguiram ficar em suas casas. Aqueles que tiveram de deixá-las, mudaram-se a cidades vizinhas ou outros países. A crise dos refugiados palestinos nasceu neste momento.
A maioria das aldeias palestinas que sobreviveu — muito anteriores à criação de Israel — concentram-se na região da Galileia, considerada hoje norte de Israel, ou no deserto do Negev (Naqab), ao sul do território. Desde 1948, no entanto, Israel busca “judaizar” essa paisagem. Mais de cinquenta leis discriminatórias foram aprovadas para confiscar terras palestinas. Topônimos foram alterados para o hebraico, a fim de omitir suas raízes árabes.
Os cidadãos palestinos de Israel são referidos como “árabes israelenses”, dado que o estado ocupante insiste em recusar-se a chamá-los de “palestinos”. Suas terras lhes pertencem conforme um sistema bastante nítido e tradicional de posse individual e comunitária. Todavia, a Administração de Terras de Israel (ILA), órgão do governo sionista, e o Fundo Nacional Judaico (FNJ), entidade semigovernamental que compra e expropria bens imobiliários para outorgar uso exclusivo à população judaica, não reconhecem esse sistema e insistem em descrever as propriedades como “terras públicas”. Segundo a ILA, todo a região da Galileia e do Negev pertencem ao estado, a despeito das reivindicações e direitos dos aldeões nativos. Como escrevi em outro artigo, o plano de “florestamento” do FNJ é apenas uma maneira de encobrir uma nova escalada da limpeza étnica contra as comunidades palestinas.
LEIA: Plantar árvores no Negev não é sobre ‘meio ambiente’, mas sim limpeza étnica
Para reagir à expropriação de suas terras, os palestinos ou “árabes israelenses” — cidadãos de Israel, vale mencionar — recorreram aos tribunais em busca de justiça contra as entidades coloniais; entretanto, com pouquíssimo êxito. Mesmo quando obtiveram uma resposta relativamente positiva, como em 2008, quando residentes de Umm al-Hiran conquistaram o reconhecimento de metade de sua aldeia, a decisão foi revertida posteriormente. No caso de Umm al-Hiran, alvo de decretos militares para transferir à força a comunidade palestina do Negev, a revogação da decisão judicial ocorreu somente dois anos depois.
As aldeias árabes “não reconhecidas” pela ocupação não têm acesso a serviços públicos essenciais, como água e esgoto, eletricidade, telecomunicações, estradas, hospitais e escolas. Tel Aviv alega oferecer aos cidadãos palestinos novas moradias em áreas urbanas, onde supostamente podem encontrar emprego e desfrutar de serviços públicos — a realidade em campo, não obstante, é bastante diferente.
Alguns aldeões árabes de fato foram coagidos pelo governo israelense a mudar-se do Negev para “cidades planejadas”, como Rahat, Tel As-Sabi, Shaqib Al-Salam, Ar’arat An-Naqab, Kuseife, Lakiya e Hura. Aqueles que se recusam denunciam esforços do regime sionista para expropriar mais e mais terras nativas. Além disso, as promessas de construir blocos residenciais modernos, devidamente conectados a serviços fundamentais, jamais foram cumpridas.
Uma pesquisa do Centro para Desenvolvimento Regional do Negev da Universidade Ben Gurion revelou: “As primeiras cidades foram mal planejadas e careciam de distritos de negócios ou zonas industriais”. A organização Adalah — ou Centro Legal para os Direitos da Minoria Árabe em Israel — descreveu as decisões, planos e práticas da ocupação relacionadas às aldeias palestinas como tentativas de transferir seus residentes a “áreas superpovoadas e subdesenvolvidas, enquanto assegura aos cidadãos judeus acesso pleno ao restante das terras”. De fato, as propriedades árabes são então utilizadas para dar lugar a cidades exclusivamente judaicas, que desfrutam de todos os serviços públicos. De acordo com Amjad Iraqi, repórter da revista +972: “A terra oferecida é somente uma fração do que as famílias possuem”. Iraqi observou que os planos israelenses desconsideram em absoluto o crescimento natural da população ou as tradições agrárias das comunidades palestinas.
“A maior dentre as aldeias não reconhecidas é Wadi an-Na’am”, constatou Aniqa Raihan em artigo publicado pela rede Foreign Policy in Focus. “A comunidade foi estabelecida nos anos 1950 por beduínos expulsos das aldeias vizinhas … contudo, jamais foi oficialmente reconhecida”. Segundo sua pesquisa, na década de 1970, Israel construiu então o primeiro grande aterro de lixo tóxico do estado ocupante, batizado de Neot Hovav, justamente na região de Wadi an-Na’am. “Desde sua origem, a instalação ocasiona acidentes frequentes, como incêndios, explosões e vazamentos, resultando em deficiências crônicas nos fetos e problemas de saúde à comunidade beduína. A aldeia também é cercada por zonas de disparo, onde as Forças de Defesa de Israel executam treinos e simulações com munição real. Cápsulas não detonadas costumam ser abandonadas pelos exercícios israelenses. O último acidente matou duas crianças de 8 e 10 anos de idade”, denunciou Raihan.
Na Galileia, o regime sionista construiu toda uma cidade ao redor da aldeia histórica de Ramya, cerca vez estimada em quase 600 dunams de terras agrárias, equivalente a 150 acres. Em 1976, Israel confiscou arbitrariamente a maior parte da área, pertencente a outras aldeias árabes instaladas há séculos na região. Naquele mesmo ano, em 30 de março, milhares de residentes palestinos e seus conterrâneos de outras partes do território ocupado reuniram-se para protestar contra o roubo de propriedades conduzido pela ocupação. Seis manifestantes foram mortos e muitos outros foram feridos pela brutal repressão israelense aos atos civis. Desde então, os palestinos marcam 30 de março como Dia da Terra Palestina.
Karmiel — construída ao redor de Ramya — tornou-se então foco de disputas legais para reaver a propriedade ancestral das comunidades árabes. Em 1995, a Suprema Corte de Israel determinou que os residentes nativos deveriam obter parte do perímetro, a fim de construir suas casas na periferia. Os palestinos rejeitaram a decisão e mantiveram sua luta.
LEIA: Entre covid-19 e colonos: como uma escola da Cisjordânia luta para sobreviver
Hoje, os residentes de Ramya enxergam de suas janelas os apartamentos luxuosos habitados exclusivamente por colonos judeus, construídos sobre suas terras. Enquanto isso, buscam resistir às ameaças de despejo em habitações antigas e precárias ou mesmo barracos de latão. Há muitos exemplos deste fenômeno na região da Galileia e na Cisjordânia ocupada. Nas colinas de Hebron (Al-Khalil), muitos palestinos sofrem campanhas intensivas de deslocamento compulsório para dar lugar a campos de tiro do exército israelense.
Não somente no Negev as aldeias palestinas são negligenciadas pelo regime sionista, com intuito de expulsar seus habitantes. Dahmash é a última aldeia árabe a sobreviver nas proximidades de Tel Aviv. Sua comunidade existia muito antes da criação de Israel e, apesar de sua localidade geográfica, não recebe qualquer serviço público fundamental. Kais Nasser, advogado que representa os residentes árabes nos tribunais da ocupação, observou à revista +972 que o povoado representa “uma pedra no sapato de Israel porque é a última aldeia palestina remanescente no centro do país”.
Hoje, cerca de cem mil “árabes israelenses” vivem em aldeias “não reconhecidas”. O estado de apartheid teme seu crescimento demográfico e deseja espremê-los em guetos, com o objetivo de restringir sua população e efetivamente apagar sua existência. Segundo as denúncias da Adalah, os habitantes nativos são prontamente substituídos por colonos judeus. Em 2003, Herzl Gedj — então diretor do Departamento de Gestão Demográfica de Israel — descreveu a poligamia entre os beduínos como uma “ameaça a segurança” do estado sionista, ao reivindicar que a taxa de natalidade entre os árabes fosse drasticamente reduzida.
No mesmo ano, Shai Hermesh, então tesoureiro da Agência Judaica, declarou ao The Guardian: “Precisamos do Negev para a próxima geração de imigrantes judeus … O problema dos beduínos é que ainda vivem à margem, entre a tradição e a civilização. Uma grande parte dos beduínos não quer viver nas cidades. Eles dizem que suas mães e avós querem viver com as ovelhas. Não é do interesse de Israel ter palestinos morando no Negev”.
Caso os habitantes palestinos de Israel fossem tratados com igualdade, em relação aos cidadãos judeus; caso o estado de fato introduzisse soluções justas para a questão de terras, poderíamos então cogitar aceitar tais medidas. Entretanto, a realidade em campo é que o estado sionista adota artimanhas e dissimulações para roubar mais e mais casas e terras pertencentes à população nativa, para encorajar a imigração de colonos exclusivamente judeus. A limpeza étnica na Palestina não terminou em 1948; de fato, trata-se de um crime contra a humanidade perpetrado continuamente até os dias de hoje.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.