Nas últimas semanas, as relações entre Turquia e Israel se degelaram brevemente, a despeito de comentários hostis de seus respectivos líderes. Tomadores de decisão de ambos os países tentam retomar do abismo seu relacionamento, via canais políticos, midiáticos e militares.
Por trás da seríssima consideração de normalizar relações está provavelmente a crença de que um diálogo entre as partes é importante para a segurança e a estabilidade da região. Ambos os países também acreditam que suas divergências podem ser minimizadas caso haja uma compreensão mútua sobre questões regionais e bilaterais. É assim mesmo embora não tenham qualquer relacionamento diplomático concreto desde 2018, após o regime turco protestar contra a transferência da embaixada dos Estados Unidos a Jerusalém ocupada, além da resposta brutal da ocupação aos atos civis da Grande Marcha do Retorno, realizados na fronteira nominal com a Faixa de Gaza. A Turquia convocou o retorno de seu embaixador e devolveu o enviado israelense a Tel Aviv. Entretanto, em dezembro de 2020, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan confirmou interesse em melhorar relações com o estado sionista, mas destacou que a questão palestina representa um limite intransponível para seu governo.
Quando os respectivos embaixadores estavam a caminho de Ancara e Tel Aviv, a última agressão israelense contra os palestinos deflagrou-se em Gaza sitiada, em maio do último ano, e a presidência turca emitiu uma série de mensagens para repudiar os ataques da ocupação. Em junho, no entanto, a primeira conversa entre Erdogan e seu homólogo israelense, Isaac Herzog, enfim ocorreu. Neste contexto, a Turquia enviou um representante cultural a Israel pela primeira vez em uma década. Tel Aviv titubeou em resposta, ao desconfiar do verdadeiro desejo de seus interlocutores em virar a página de seu relacionamento e cogitar que tais esforços seriam apenas uma tentativa de sabotar os laços próximos entre Israel, Grécia e Chipre.
LEIA: Erdogan disse que os laços da Turquia com Israel “sempre serão fortes”
A suposta reaproximação deve ser então analisada no contexto de esforços israelenses para normalizar laços em todo o Oriente Médio. O mesmo vale para a Turquia. Até então, houve duas rodadas de conversa com o Egito para preparar o retorno dos respectivos embaixadores às capitais, Cairo e Ancara. Há até mesmo um certo desenvolvimento na restauração dos laços com os Emirados Árabes Unidos, apesar de Ancara insistir que Abu Dhabi foi instrumental na tentativa frustrada de golpe de estado, em meados de 2016.
Apesar da deterioração dos contatos políticos entre Israel e Turquia, ao longo da última década, os vínculos econômicos de fato cresceram, com dois terços do comércio entre as partes equivalentes a exportações turcas ao estado ocupante. Em 2019, meio milhão de turistas israelenses visitaram a Turquia, número semelhante àquele registrado antes do sequestro da embarcação humanitária Mavi Marmara, junto ao resto da Flotilha da Liberdade, em 2010, por agentes especiais do exército sionista. A importância e o volume das trocas com Tel Aviv aumentaram durante a recessão turca e a ocupação passou a crer que os contatos comerciais poderiam servir de base para melhorar relações com a Turquia.
Ambos os países mantêm ainda relações próximas com o Azerbaijão. Para Israel, o regime azeri representa um aliado estratégico na guerra fria contra o Irã, além de uma importante fonte de recursos energéticos. No segundo semestre de 2020, quando o Azerbaijão derrotou a Armênia em sua disputa sobre Nagorno-Karabakh, seu arsenal compreendia sobretudo armas turcas e israelenses, ao passo que ambos os governos estrangeiros cooperaram indiretamente.
Não obstante, há ainda diversos pontos de atrito entre Ancara e Tel Aviv, incluindo o apoio turco à Irmandade Muçulmana e ao movimento palestino Hamas, além de atividades turcas em Jerusalém Oriental, onde recursos são encaminhados para restaurar estruturas históricas e financiar instituições culturais. Em contraponto, Israel concede apoio a Grécia e Chipre, o que incomoda Erdogan em termos de segurança no Mediterrâneo Oriental e questões políticas concernentes à República Turca do Norte do Chipre. Tudo isso impõe obstáculos a qualquer melhoria concreta nas relações com Israel.
LEIA: Turquia acusa 16 pessoas suspeitas de espionagem para o Mossad de Israel
Além disso, as condenações de Ancara ao massacre israelense contra Gaza no último ano serviram de recordação da fragilidade da relação entre as partes, dado que o presidente turco utiliza toda e qualquer oportunidade para mencionar a importância da questão palestina. Dessa forma, qualquer escalada nas terras ocupadas deve deteriorar ainda mais os laços entre Ancara e Tel Aviv. Outro fator considerável é que políticos da Turquia tendem a ser unânimes em sua oposição a Israel, talvez devido ao enfraquecimento na influência política das Forças Armadas, certa vez um importante fator favorável à ocupação sionista.
Em 2016, quando a crise do Mavi Marmara aparentemente chegou ao fim, Israel descobriu ser necessário transportar gás natural via Turquia a seus compradores europeus. A iniciativa pouco ajudou seu relacionamento com a Grécia, mas diplomatas israelenses acharam melhor reiterar os benefícios de restaurar relações com Ancara, o que culminou na troca de embaixadores, fortalecimento do diálogo estratégico, aumento nos níveis de comércio e turismo, expansão da cooperação política e civil e busca de ajuda turca para negociar um acordo com os palestinos.
Em um momento no qual Turquia e Israel continuam a trocar mensagens, contudo, há aqueles no estado ocupante que acreditam que a reaproximação não deve ocorrer em detrimento das relações trilaterais com Grécia e Chipre. Sua aliança efetivamente permite a Israel explorar gás natural na região mediterrânea, com potencial de maior lucro nos próximos anos, além da subsequente influência política da ocupação sobre os vizinhos da Turquia.
Herzog aceitará o convite de Erdogan para visitá-lo? E o recente encontro do líder turco com um grupo de rabinos transmitiu sinais positivos sobre as relações com Israel? Teremos de aguardar para ver. Neste entremeio, os líderes israelenses tentam decidir se o regime turco sob Erdogan mudou seu ponto de vista sob motivações estratégicas ou se apenas decidiu se reposicionar taticamente.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.