Aos oito anos de idade, a casa de Nadia Ghulam foi atingida e totalmente destruída por uma bomba, que também desfigurou o seu rosto. Após perder o irmão e ver o agravamento do quadro de saúde mental de seu pai, a menina decidiu burlar as leis do Talibã para poder sustentar a família.
A guerra civil do Afeganistão, oficializada com a renúncia do presidente Mohammad Najibullah (1992), permitiu aos mujahidins tomarem Cabul, enquanto outros grupos lutavam para controlar partes do país fragmentado e tomar o controle da capital. Foi nesse contexto, em 1993, que aquela bomba mudaria o curso de vida de Nadia Ghulam.
Ela passou seis meses em coma e dois anos tratando dos ferimentos, indo em diferentes hospitais de Cabul. A vida do seu irmão Zelmai, no entanto, Nadia jamais pôde recuperar.
Aos onze anos, com a pai acometido pela depressão, Nadia decidiu colocar a própria vida em risco ao tornar-se o “homem da casa”. Para sustentar a mãe, o pai e as duas irmãs, Nadia assumiu as roupas, a identidade e o nome do irmão falecido, driblando as regras impostas pelo regime. “Ser homem era ‘a única maneira de sobreviver’ ao Talibã”.
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Na Cabul devastada pela guerra, Nadia, com a identidade de seu irmão Zelmai, transgrediu as regras impostas pelo Talibã e enfrentou a dureza do trabalho no campo para superar a fome. A vida sob a pressão de não ser descoberta fez Zelmai entrar em conflito com sua própria natureza. Foi nos estudos do Alcorão que Zelmai encontrou refúgio para o que estava enfrentando.
Aos 16 anos, com a derrota do Talibã, Nadia se matriculou na escola feminina, entretanto não poderia abandonar Zelmai repentinamente. “Eu era Zelmai e não poderia ser outra pessoa de uma vez.”
Em 2006, A Associació per als Drets Humans a l’Afganistan (Associação para os Direitos Humanos no Afeganistão), uma ONG internacional em Cabul, ajudou Nadia a se mudar para a Catalunha, onde ela recebeu uma cirurgia de reconstrução facial. Na Espanha, a jovem afegã escreveu com a escritora Agnès Rotger um livro sobre as suas memórias. O Segredo do meu Turbante venceu o prêmio Prudenci Bertrana em 2010.
Atualmente, Nadia atua na ONG Ponts per la pau (Pontes para a Paz), fundada por ela em 2016. A organização oferece cursos de idiomas para migrantes na Catalunha e também auxilia crianças em idade escolar no Afeganistão com materiais e tarefas de leitura. O trabalho da ONG, com sede na Espanha, recebeu em 2016 o prêmio Trencant Invisibilitats para Transformação Social e superação de estereótipos de gênero.
Pelo seu ativismo, a afegã ganhou ainda outros dois prêmios em 2020.
Nadia Ghulam Dastgir hoje guarda do irmão Zelmai apenas as lembranças e o carinho.
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