O Sultanato de Omã é um país bastante único no mundo árabe. Não apenas foi a primeira nação a conquistar sua independência na região, governada pela dinastia abuçaíde desde 1749, como grande parte de sua população segue uma variante do Islã que não é sunita tampouco xiita. Trata-se do único país árabe predominantemente ibadita, embora haja pequenas comunidades no Norte da África, sobretudo na Argélia, e na costa oriental do continente, incluindo o antigo território omanense de Zanzibar. Como terceiro maior ramo da religião islâmica, o ibadismo costuma ser ignorado tanto por muçulmanos quanto não-muçulmanos. Sua concentração geográfica conseguiu evitar, até então, os conflitos sectários que afetam a região. Este caráter distinto de Omã pode explicar sua tradicional neutralidade em política externa, ao navegar com êxito entre o “eixo de resistência”, liderado por Teerã, e o “eixo de normalização”, que busca aproximar-se de Israel sob apoio dos Estados Unidos.
Batizado em memória de um teólogo iraquiano do século VIII, Abdallah ibn Ibad, o movimento ibadita é descrito muitas vezes como ramo reformado das seitas carijitas, como seu último vestígio sobrevivente, embora alguns estudiosos considerem o sucessor de Ibad, Jabir ibn Zayd, nascido na cidade omanense de Nizwa, como seu verdadeiro fundador. De fato, os próprios carijitas foram reconhecidos como o primeiro cisma relevante da religião islâmica, contudo, associados a princípios extremistas, ao ponto de grupos contemporâneos como al-Qaeda e Daesh (Estado Islâmico) serem apontados eventualmente como neocarijitas. Não obstante, os próprios ibaditas negam qualquer vínculo com as seitas carijitas, mas reconhecem que sua emergência decorre dos mesmos contextos históricos e políticos. Semelhante ao vizinho Iêmen, que possui presença considerável do xiismo zaidita, o relevo montanhoso de Omã ajuda a explicar parcialmente como os ibaditas conseguiram sobreviver nessas terras sem sofrer perseguição ou cooptação dos califados omíada e abássida. Mais recentemente, a população omanense conseguiu contornar a ascensão do wahabismo na Arábia Saudita.
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Para além do violento fenômeno de takfiri — referente a acusações de apostasia, cujos pioneiros foram os próprios carijitas —, o movimento ibadita foi capaz de manter-se pragmático e mesmo “friamente pragmático” no que concerne critérios para legitimar uma autoridade política fundamentalmente islâmica. No período contemporâneo, o ramo tornou-se notório por sua “tolerância religiosa”, alicerçada em princípios de sobrevivência como comunidade homogênea em uma sociedade heterogênea, em escala regional. Dessa forma, a diplomacia do sultanato pode também ser classificada pela influência do pensamento ibadita, sobretudo ao tentar mediar conflitos regionais e conquistar a confiança de países majoritariamente sunitas e xiitas, e até mesmo entre disputas tribais em âmbito doméstico. A diplomacia moderna de Omã não pode ser debatida sem mencionar o legado do falecido sultão Qaboos bin Said, que transformou uma nação isolada em um estado proeminente na geopolítica do Oriente Médio. Sob Qaboos e seu sucessor, Haitham bin Tariq — ao que tudo indica —, Omã preservou uma política externa rigorosa de não-interferência e não-alinhamento.
Isso é notável não apenas no relacionamento histórico com o Irã, apesar de tensões com estados do Golfo, como também por seu diálogo aberto com Israel, o que incitou especulações recorrentes de que Muscat será o próximo governo árabe a normalizar laços com a ocupação, após Emirados Árabes Unidos e Bahrein. Tais avanços, no entanto, parecem improváveis e mesmo inconsistentes com as políticas estabelecidas de Omã. O sultanato reafirmou previamente sua independência e insistiu que a normalização não pode preceder a instauração de um estado palestino. O relacionamento extraordinário entre Muscat e Teerã antecede ainda a Revolução Islâmica, quando o então xá iraniano interveio na guerra civil no sultanato, para derrotar a rebelião Dhofar e consolidar o longo reinado de Qaboos. As relações foram conservadas e mesmo se desenvolveram após o advento da República Islâmica, à medida que Omã propunha esforços de mediação sobre as disputas internacionais com o regime iraniano, incluindo as sanções econômicas. Nesse contexto, o sultanato omanense é o único regime do Golfo a assentir que empresas radicadas no Irã operem em seu território, ao asseverar, dessa maneira, seu devido acesso aos mercados internacionais.
Em outras disputas bastante polarizadas na região, Omã foi capaz de alimentar uma imagem de mediador honesto e confiável. No Iêmen, o sultanato tornou-se um canal estratégico de bastidores para que o governo de facto comandado pelo movimento houthi pudesse conduzir negociações indiretas com a Arábia Saudita. É também interessante observar que Omã é único estado do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) a declinar qualquer envolvimento na coalizão que intervém no Iêmen, decisão que asseverou sua estabilidade e soberania, diante de retaliações transfronteiriças conduzidas em território saudita e, mais recentemente, nos Emirados Árabes Unidos. Dentro do próprio CCG, após deflagrar-se a crise diplomática que culminou no bloqueio ao Catar, o sultanato manteve sua neutralidade e beneficiou-se efetivamente de um aumento no comércio entre as partes, ao conferir à população catariana um cordão de segurança alimentar através do Golfo Pérsico. O gesto não foi esquecido e Omã recebeu US$1 bilhão em assistência do Catar durante a crise financeira de 2020, o que reduziu o grave impacto da pandemia de coronavírus e do colapso nos preços de petróleo.
Recentemente, Omã decidiu dar um passo além em seus esforços diplomáticos, talvez com a matéria mais controversa de sua política externa, ao reaproximar-se da Síria. Após a normalização entre Emirados e Síria e, em contrapartida, a insistência do Catar em não fazê-lo, o chanceler omanense, Badr bin Hamad al-Busaidi, realizou uma visita oficial a Damasco, ao descrever o país assolado pela guerra como “pedra angular na cooperação árabe”. Junto com a Argélia, o sultanato parece decidido em reintegrar o regime sírio de Bashar al-Assad a seu assento na Liga Árabe. O sultanato, desde o princípio, escolheu não apoiar expressamente a oposição síria, como fez a Arábia Saudita e o Catar. Demonstrando um equilíbrio aparentemente contraditório, a reaproximação com um estado-membro do “eixo de resistência”, coincidiu em parte com a presença de Omã em um exercício militar promovido pela Marinha dos Estados Unidos, que incluiu Israel e Arábia Saudita, embora o sultanato não possua relações formais com ambos os países. O episódio foi a primeira vez que o estado ocupante participou publicamente do evento. Uma parte considerável dos esforços de normalização dos regimes sunitas com a ocupação israelense decorre de uma apreensão em comum sobre os interesses e políticas regionais de Teerã. Neste entremeio, estados e movimentos árabes alinhados com a república islâmica conservam sua veemente oposição a qualquer aproximação com Tel Aviv. Omã senta-se no meio, enquanto nega as supostas ameaças representadas pelo Irã e mantém-se aberto a certo grau de diálogo com o governo israelense, sem comprometer-se com nenhum alinhamento integral.
A abordagem cautelosa de Omã sobre as matérias regionais, portanto, é embasada em promessas de pragmatismo e na recusa de posturas polarizadas. No último ano, o chanceler Busaidi defendeu sua política externa por “procurar sempre preservar e encorajar o diálogo entre o maior número possível de partes interessadas”. Ainda assim, pode-se argumentar que a moderação encontrada na escola de pensamento ibadita outorgou ao estado de Omã um impacto profundo em termos de política externa, para além do governo de Qaboos.
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