A barbárie do sistema capitalista, baseado na exploração e opressão, em que o racismo e a xenofobia são instrumentais. Essa face é explicitada no assassinato brutal do refugiado congolês Möise Kabagambe, de 24 anos, no dia 24 de janeiro último, na cidade do Rio de Janeiro. Palestinos, árabes e islâmicos no Brasil se somam às mobilizações por justiça.
Organizações como o espaço cultural palestino Al Janiah, a Frente em Defesa do Povo Palestino, o Fórum Latino-Palestino e a Associação Islâmica de São Paulo aliam-se a essa luta e ao repúdio veemente do racismo e xenofobia no Brasil e no mundo.
A crueldade do assassinato de Möise quando tentava receber por um trabalho feito e denúncias de que houve quem assistisse ao espancamento sem fazer nada, bem como de como o caso vem sendo tratado – inclusive com intimidação de familiares em busca de informações por parte da polícia – são a expressão desse sistema, em um país em que o sangue pobre e negro é derramado impunemente.
Agora sob o governo de ultradireita de Bolsonaro, a perversa face brasileira que nada tem de cordial vem se sentindo cada vez mais livre para aparecer, sem máscaras. Uma horrenda face em que a desumanização é a regra. “Somos vistos como bicho”, denunciou em reportagem do Estadão a refugiada congolesa Prudence Kalambay, há 14 anos no Brasil. Ela é parte da comunidade que se fixou no Brasil buscando escapar da violência que já fez milhões de mortos em seu país.
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De 57 mil refugiados que obtiveram esse estatuto no Brasil entre 2011 e 2020, 1.050 são congoleses. Möise era um deles. E não foi a única vítima fatal. Segundo reportagem do G1, a diplomacia do país africano denunciou outros quatro assassinatos nos últimos seis anos, que seguem impunes. Agressões e racismo não são de hoje.
Tribunas do ódio
Conforme publicado no portal Politize!, em janeiro de 2018, a Secretaria Especial de Direitos Humanos apresentou um relatório que informava o assombroso aumento de 633% nas denúncias de xenofobia em relação a 2014. Nos últimos anos houve uma série de reportagens que revelavam ataques a haitianos, venezuelanos, africanos e árabes.
O que se vê no Parlamento e no Executivo Federal é uma ideologia que alimenta esse grave quadro. As consequências são tanto agressões verbais quanto físicas, maior vulnerabilidade para a precarização dessa mão de obra, sobretudo em momentos de crise como o atual, e mesmo submissão a condições análogas à escravidão.
“A xenofobia afeta a maior parte de grupos migrantes, mas ainda assim se deve destacar a existência de uma questão de interseccionalidade. Não se pode considerar que todos os grupos enfrentam a xenofobia do mesmo modo. Diferentes fatores devem ser levados em consideração ao analisar a xenofobia contra determinado grupo, já que características como origem geográfica, cultura, gênero, cor, etnia, classe social e religião afetam a recepção desses estrangeiros nos países de destino”, destaca a reportagem no portal Politize!. Se no caso dos árabes pesa o orientalismo e islamofobia, no caso dos africanos e haitianos combina-se o racismo sistêmico no País como legado abjeto de mais de 350 anos de escravidão.
Em setembro de 2015, mesmo ano em que explodiram as denúncias de xenofobia, durante entrevista ao Jornal Opção, de Goiás, Jair Bolsonaro, então deputado federal, chamou os refugiados e imigrantes de “escória do mundo”. Protegido pela imunidade parlamentar – que lhe permitiu seguir com sua verborragia repugnante, ofensiva contra trabalhadores e oprimidos, política genocida e defesa da ditadura – não só não foi punido, como chegou à cadeira do Planalto. Como um passo nessa direção, quando ainda era pré-candidato à Presidência da República, fez declarações arrepiantes de cunho racista, xenofóbico, LGBTIfóbico e misógino.
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O deputado federal Douglas Garcia é vice-presidente do Movimento Conservador, que sob sua antiga denominação – Direita São Paulo – protagonizou em 2017 um ato com forte conteúdo xenofóbico e islamofóbico contra a Lei de Migração. Mais recentemente, em agosto de 2021, ele subiu de novo o tom, numa verborragia que expressava o mesmo conteúdo, durante uma sessão da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Atacava os palestinos, afirmando que o espaço Al Janiah, que conta com trabalhadores refugiados e imigrantes e é ponto de encontro da comunidade palestina em São Paulo, abriga “o que hoje há de pior na sociedade paulistana”. Vale lembrar que o restaurante já foi atacado mais de uma vez e gritos de cunho xenofóbico à sua porta também foram ouvidos no último período com triste frequência.
Em agosto de 2021, por ocasião dos últimos ataques proferidos por Douglas Garcia, artigo publicado no Monitor do Oriente alertava sobre a urgência em repudiar o fato de políticos “estarem usando tribuna privilegiada no Brasil para discursos de ódio” e exigir o fim da impunidade em nome de suposta “liberdade de expressão” – uma distorção absurda desse conceito e terreno fértil a agressões a refugiados, imigrantes no Brasil, “trabalhadores e trabalhadoras que, juntamente com sua família, não deixaram sua terra por vontade própria, mas porque não tiveram escolha”. Lamentavelmente, essas denúncias têm encontrado ouvidos moucos. O resultado é sangue e morte, como se vê agora com Möise.
Urge dar um basta, ao que unir os oprimidos e explorados no Brasil e no mundo é fundamental. Os palestinos, que enfrentam regime de apartheid israelense e limpeza étnica planejada na contínua Nakba (catástrofe com a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948), entendem que a luta por justiça para Möise Kabagambe é também sua luta. Para que nenhuma outra mãe pobre, negra, refugiada chore o assassinato bárbaro de seu filho.
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