“Dandara vive, Dandara viverá! Mulheres negras não param de lutar.” A palavra de ordem é entoada a cada manifestação contra o racismo, o machismo e o genocídio do povo pobre e negro no Brasil. Trezentos e vinte e oito anos após sua morte, completados neste dia 6 de fevereiro, Dandara segue presente e a inspirar as lutas justas contra a opressão e exploração.
O que: Aniversário de morte de Dandara, liderança negra do Quilombo dos Palmares que segue a inspirar a luta das mulheres contra o racismo.
Quando: 6 de fevereiro de 1694
Onde: Brasil
O que aconteceu
Apesar de sua importância na resistência à escravidão no país, sua história ainda é amplamente desconhecida da maioria dos brasileiros e brasileiras. Como ocorre com um sem-número de mulheres protagonistas de movimentos por libertação, em todo o mundo, não estão incluídas nos livros escolares e quando são citadas, sempre aparecem como apêndices de heróis masculinos. É o caso também das heroínas palestinas na resistência à contínua Nakba – catástrofe consolidada com a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada.
Dandara não raro é apresentada como a companheira de Zumbi dos Palmares, a liderança negra mais citada em livros tradicionais de história, mas sua própria relevância é minimizada. Contribui para isso o fato de seu legado ter sido intencionalmente apagado pelos escravocratas, segundo o portal Aventuras na História. De fato, Dandara era a companheira do herói Zumbi e com ele teve três filhos: Motumbo, Harmódio e Aristogíton. Mas era também uma guerreira que dominava técnicas de capoeira e estrategista das ações no Quilombo dos Palmares.
Não se sabe exatamente onde ela nasceu. Conforme o portal Aventuras na História, pesquisas realizadas até hoje indicam que foi no Brasil e que tinha ascendência africana de Jeje Mahin. Teria se juntado ainda menina a grupos de luta contra a escravidão.
Ao lado de Zumbi, recusou-se a aceitar acordo com os senhores de escravizados negociado com o governo imperial em 1678 pelo líder negro Ganga Zumba, após 16 expedições militares contra o Quilombo dos Palmares e o aprisionamento de três de seus filhos.
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O malfadado acordo incluía a libertação dos negros nascidos em Palmares, que seriam transferidos para terras improdutivas em Cucaú; aceitação, por parte dos palmarinos, de se submeterem como súditos à Coroa portuguesa, dentro da ordem estabelecida da escravidão; e reescravização dos que fugiram para Palmares por conta própria. Na resistência, preferiu se jogar de um penhasco a se entregar ao capitão-do-mato. Zumbi foi assassinado em 20 de novembro de 1965 na expedição derradeira liderada por Domingos Jorge Velho, seu corpo foi decapitado e sua cabeça, exposta em praça pública no Recife. Já Ganga Zumba, que era tio de Zumbi, foi envenenado pouco tempo depois em Cucaú e os que lá se encontravam foram reescravizados.
O peso das mulheres no quilombo
No Quilombo dos Palmares, local de resistência formado em 1597 por mocambos – associações de comunidades negras que abrigavam aqueles que escapavam da escravidão –, entre floresta e montanhas na fronteira dos estados de Pernambuco e Alagoas, Dandara atuava no cultivo agrícola e na defesa do espaço contra os ataques portugueses.
“Além de plantar e trabalhar na produção de farinha, Dandara também aprendeu a caçar e teve atuação relevante na posição de caçadora. Para defender o quilombo, pegava em armas liderando forças femininas e masculinas”, descreve o texto no portal Aventuras na História. O quilombo chegou a reunir 30 mil habitantes e 5 mil guerreiros. A primeira dirigente foi também uma mulher, Acotirene, demonstrando o peso delas na organização e formação da sociedade palmarina.
A escravidão no Brasil teve início em 1550 e durou mais de três séculos – o país foi o último a aboli-la. Nos odiosos navios negreiros, foram trazidos à força e acorrentados cerca de 4 milhões de africanos – por volta de 40% de todos os negros escravizados provenientes do continente, especialmente da Guiné, Costa do Marfim, Congo e Angola. Houve 618 quilombos instalados no Brasil, que reuniram algo em torno de 500 mil negros rebelados, e 38 insurreições que sedimentaram o caminho para o fim da escravidão. Dandara é uma das grandes heroínas entre inúmeras e inúmeros anônimos ou pouco conhecidos nesse processo.
Os nomes dessas mulheres negras que lutaram contra a escravidão no Brasil, assim como as palestinas em sua resistência contra a colonização sionista desde o início do século XX, dariam para preencher as páginas de um livro.
Recuperar essa memória não é, contudo, tão somente um justo reconhecimento e breve registro histórico. É trazer o exemplo de uma mulher que manteve a fé na resistência e atuou até a morte pela libertação de seu povo, sem nunca se dobrar a seus algozes e permitir que lhe colocassem grilhões novamente.
Ante um país sem qualquer reparação, que não passou seu terrível passado a limpo e cujo racismo estrutural, instrumento do capitalismo, é herança maldita de mais de 300 anos de escravidão, relembrar essa heroína segue na ordem do dia de todos e todas que lutam por justiça. Dandara vive! Dandara presente, hoje e sempre!
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