Janna Jihad se tornou a jornalista palestina mais jovem a documentar a ocupação israelense de dentro Territórios Palestinos Ocupados (TPO). Aos sete anos, a menina presenciou o assassinato do tio e primo pelas Forças de Ocupação Israelense (IOF, na sigla usual em inglês), desde então, começou a documentar e reportar as violações dos soldados israelenses em sua vila.
Como qualquer criança, “Eu só queria ter uma vida normal e poder jogar futebol com meus amigos sem ter bombas de gás lacrimogêneo sendo atiradas sobre nós,” confessa a adolescente.
Atualmente, com 15 anos, Janna é obrigada a lidar diariamente com ameaças contra sua vida, algumas delas, acompanhadas de informações sobre sua rota para escola, placas dos carros da família e até seu endereço. A menina que vive na Cisjordânia, não tem o direito nem de se esconder, pois vive na vila de Nabi Saleh, território onde a ocupação israelense instalou uma colônia ilegal.
Nesta entrevista ao Monitor do Oriente Médio ela fala desse cotidiano em que as violações das casas palestinas nas madrugadas são constantes e ninguém é responsabilizado.
Você é uma das jornalistas mais jovens do mundo. O que te motivou?
Resolvi ser jornalista aos sete anos, quando percebi que não havia jornalistas suficientes cobrindo o que estava acontecendo na minha vila. Eu assistia pessoas sendo constantemente presas, feridas e até mortas, simplesmente por tentarem resistir à ocupação.
Mesmo minha casa foi atacada várias vezes durante a noite. Acordávamos ao som das bombas de gás. — Como pode uma criança de sete anos viver todo aquele terror? E todas essas violações dos meus direitos como criança?
Eu sentia tanto que tentei encontrar uma maneira de compartilhar meus sentimentos. Um dia, em uma manifestação, nós marchávamos cantando e segurando nossas bandeiras, e claro, as forças de ocupação israelense chegaram para reprimir os manifestantes, foi aí que peguei o telefone da minha mãe e comecei a gravar.
Essa foi a maneira que encontrei para enviar minha mensagem, como uma das milhões de crianças palestinas que vivem sob regime de “apartheid”, que comete crime e violações contra nós palestinos.
Qual a diferença entre você e os outros jovens no mundo?
A diferença entre mim e as crianças ao redor do mundo, é que eu sou palestina. Isso significa que minha terra é ocupada há mais de setenta e quatro anos e que eu vivi toda a minha vida sob esse regime. O mesmo regime que viola se não todos, aos menos a maioria dos meus direitos. Significa que minha vida é afetada diretamente pela ocupação.
Eu não vivi uma infância normal. Testemunhei meus familiares, amigos e vizinhos sendo feridos, presos e mortos. Eu nunca consegui viver como uma criança normal. Eu nunca me senti segura em minha própria casa.
Há tantas diferenças em ser palestino, apenas pelos nossos olhos ou nossa identidade que é algo que não podemos mudar. Nós, mesmo os jovens, somos tratados como cidadãos de segunda classe. Somos discriminados apenas pelo fato de sermos palestinos.
Essa é a diferença, estão tentando nos parar porque estamos tentando parar a ocupação, para que as próximas gerações de crianças vivam a infância que eu pessoalmente não vivi.
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Como foi crescer em um território ocupado?
Viver sob a ocupação é como viver em um massacre. Minha vila é muito pequena, ao lado de uma colônia na Cisjordânia ocupada. Nossa vida é diariamente afetada, como a de tantas outras crianças em tantas outras vilas na Palestina.
Eu costumo acordar muito cedo para ir para escola em Ramallah, que fica a uns 30 minutos de minha casa. Várias vezes sou acordada pelas as IOF invadindo nossas aldeias e aterrorizando nossas crianças no meio da noite. Eu acordo com sons de bombas de gás explodindo perto da minha janela. Eles expulsam pessoas de suas casas no meio da noite, só para prender uma pessoa. Eles nos batem, atiram “spray” de pimenta e nos deixam esperando por horas na rua, bem no frio do inverno. Eles fazem isso para nos assustar, como forma de punição coletiva.
Essa é uma situação extremamente assustadora. Acordar com o som das bombas de gás e com um soldado israelense que invadiu sua casa. Eles te acordam com uma arma na mão, então, é muito difícil dormir depois. Geralmente isso acontece às 2 ou 3 da manhã, então você ficaria acordado até às sete, para poder se arrumar para ir para a escola.
Para ir à escola, eu levo 30 minutos de carro. Eu tenho que passar pelos checkpoints, onde eles verificam nossas identidades. Às vezes, os soldados israelenses também colocam barreiras em algumas ruas aleatórias, quando essas barreiras estão fechadas temos que tomar outro caminho que pode levar até 3 horas e meia. Eu poderia estar na minha escola em 30 minutos se não houvesse postos de controle.
Ao lado da minha escola existe um assentamento israelense, neste local ocorrem muitas manifestações, então não podemos abrir as janelas devido ao cheiro de gás.
Em casa também é difícil estudar, porque do lado de fora tem muitas coisas acontecendo continuamente. Eu amo jogar futebol com meus amigos, mas, se um dele vê um soldado, eles começam a atiram pedras, aí os soldados começam a atirar coisas contra nós, então o ciclo se repete.
Enfrentamos tantas coisas diariamente. Você não pode esperar nada. Não pode fazer planos, porque não sabe o que vai acontecer na próxima hora. A qualquer momento posso ser presa em um posto de controle ou um soldado pode vir a minha casa me prender ou matar, sem ser responsabilizado por isso. O fato é que eles podem fazer o que quiserem, só porque sou palestina.
Você acha que se tivesse crescido em outro país, teria se tornado jornalista?
É difícil me imaginar não morando na Palestina, porque minha vida, como eu disse, é tão diferente das outras pessoas. Para mim, é muito fácil imaginar uma Palestina livre. Fico imaginando se eu tivesse crescido em uma Palestina livre.
Claro, a Palestina não é a única forma de Injustiça praticada no mundo. Você sabe que o capitalismo vem nos afetando a tantos anos, com tantas formas de colonização e tantas formas de Injustiça que estão sendo praticadas contra tantos grupos de pessoas ao redor do mundo. Por isso, eu queria escolher uma carreira que me ajudasse a transmitir essa mensagem.
Antes de me tornar jornalista, eu queria ser jogadora de futebol ou artista. Eu queria ser tantas coisas diferentes.
Eu amo e aprecio totalmente o fato de poder transmitir uma mensagem através do jornalismo, mas eu esperava que isso acontecesse em circunstâncias diferentes ao invés de enviar ao mundo todos os medos e traumas que eu vivi.
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Quem te inspira como jornalista?
Uma das minhas principais inspirações, na verdade, antes de me tornar jornalista, foi meu tio Bilal Tamimi. Ele me levava nas manifestações desde que eu tinha 3 anos em 2009. Ele era o único na minha vila segurando uma câmera e documentando a ocupação. Então estar perto dele, é claro, teve uma grande influência. Eu percebi que a câmera poderia realmente enviar uma mensagem muito clara e muito verdadeira. Eu sou muito inspirada por ele como tantos outros, mas ele é primeira pessoa que vem na minha cabeça.
O que mudou na sua vida depois que você começou a reportar a violência das Forças de Ocupação Israelense (IOF) contra os palestinos?
Tantas coisas mudaram na minha vida desde que me tornei jornalista. Através do jornalismo eu consigo alcançar muitas pessoas ao redor do mundo, com meus vídeos e mensagens, mas é claro que tudo tem um preço. Eu recebo tantos ataques e tantas ameaças. Uma vez, quando eu tinha 11 anos, fizeram um relatório em Israel afirmando que eu sou a próxima ameaça ao seu país. Um canal na ‘internet’ publicou aquele relatório perguntando: Como vamos detê-la? Depois disso recebi muitas ameaças: Esta é sua casa. Este é seu carro. Este é seu caminho para escola. Nós vamos matá-la e queima-la como a família do Dawabcheh.
Eu tenho muito medo por minha vida, e ser jornalista não mudou muito, porque uma criança palestina nunca está segura nem na sua própria casa.
A família Dawabcheh foi queimada viva em sua própria casa em um incêndio provocado por colonos israelenses no TPO. Dentre as vítimas estavam, pai, mãe e um bebê de 18 meses. O único sobrevivente ao atentado foi Ahmed, com quatro anos na época.
O que sua família acha sobre a sua profissão? Eles te apoiam? Eles sentem medo?
Minha mãe e toda minha família sempre me dão muito apoio e me ajudam de todas as formas que podem, mas é claro que eles ainda são minha família, então, temem por mim. Como todos os pais que cuidam dos seus filhos eles têm medo, mas, pelo fato de não podermos ficar calados, eles sabem que precisamos fazer algo para mudar a atual situação.
Qual a dificuldade para você reportar de dentro da Palestina?
É extremamente difícil ser jornalista para qualquer um que esteja tentando expor os crimes da ocupação israelense. A ocupação é extremamente poderosa, infelizmente. Eles tentarão silenciar qualquer pessoa que tente resistir, eu mesma fui interrogada quando tinha 12 anos.
Uma vez eles entraram na minha casa, aí comecei a filmar ao vivo, eles iam tentar levar minha câmera ou quebrar. Em alguns vídeos você pode ver eles tentando tomar minha câmera.
Claro, os meus direitos não são os únicos violados. Muitas plataformas, mídias sociais e páginas da ‘internet’ daqueles que denunciam a ocupação, são “hackeadas”. Muitos vídeos são removidos com a justificativa de não corresponderem as diretrizes da comunidade. Na verdade, eles realmente vão contra as diretrizes da comunidade, já que a máquina de propaganda israelense é extremamente poderosa e eles atacam qualquer pessoa que tente resistir a ocupação.
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Você acha que os líderes mundiais têm olhado com atenção para Palestina?
Os líderes mundiais são forçados a ignorar a questão Palestina, por isso que estamos tentando chamar a atenção de todas as pessoas ao redor do mundo, pessoas normais como nós, precisamos que elas se conscientizem e ensinem aos outros sobre a ocupação e a resistência.
Quais são os atuais perigos para você?
Qualquer pessoa que resista, está sob a ameaça de ser preso morto ou ferido a qualquer momento.
Na Palestina, qualquer pessoa pode ser interrogada, processada ou presa sem julgamento. Isso vem acontecendo há tanto tempo que ninguém é responsabilizado por isso. Mesmo que eles sejam supostamente responsabilizados, não há justiça em seus julgamentos.
Segundo o ordenamento jurídico do “estado judeu”, crianças palestinas podem ser presas a partir dos 12 anos, podendo ser submetidas a uma pena máxima de 6 meses.
Uma alteração na Lei de Juventude e Cidadania, em 2015, também passou a condenar os pais de atiradores de pedras e estipular multas aos pais dos condenados pelo delito.
Segundo a organização independente de direitos humanos e centro jurídico, Adalah: “A lei viola os princípios mais básicos do direito penal: que a imposição de responsabilidade criminal e punição deve ser específica e aplicável apenas à pessoa que cometeu o delito. Punir os pais viola a proibição de punição coletiva, visto que não pode haver ‘responsabilidade vicária’ dos pais pelos atos de seu filho.”
Você tem medo dos soldados te prenderem ou fazerem algo com você?
Eu sou uma criança, alguém que tem medos e sentimentos como qualquer outro ser humano, mas não posso deixar que meus medos me controlem, se não, eu não conseguiria ir em frente. Não vou deixar o medo me controlar.
Eu tenho medo de ser presa, imagina, ficar em uma prisão israelense significa que você não terá nenhum dos seus direitos. Você ficará submetido a tantas formas de tortura mental e física. Será submetido aos interrogatórios e não poderá se comunicar com o mundo exterior, com seus pais, com sua família.
Qual os seus planos para o futuro?
Sonho primeiro em terminar o ensino médio, eu ainda sou aluna da décima série. Depois disso, eu planejo o estudar algo como ciências políticas ou outra coisa que melhore meu jornalismo.
Eu sou apaixonada por muitas coisas, então espero encontrar uma carreira que me ajude a lutar contra todas as formas de injustiça ao redor do mundo.
Espero ir para faculdade e poder ver a Palestina livre.
Como você gostaria de ver a Palestina no futuro?
Eu espero por uma Palestina livre, onde eu possa praticar todos os meus direitos livremente. Quero poder ir à praia para ver o mar mediterrâneo ao nascer do sol. Nós não podemos ir lá porque os israelenses não nos permitem. Espero poder ir a Jerusalém e a mesquita al-Aqsa. Espero que as pessoas possam viver e ter seus direitos respeitados e sem medo. Espero que as pessoas possam andar por aí sem medo de serem presas ou mortas e acabarem se tornando um classificado nos jornais.
Espero ver meu primo de três anos viver a infância que eu não vivi. Espero que ele possa ser feliz e jogar futebol sem que os soldados israelenses atirem suas bombas de gás.
Espero que ninguém mais veja seus familiares sendo mortos na sua frente. Espero que ninguém mais seja obrigado a ver o sangue palestino derramado por todos os lugares.
Espero realmente ver a Palestina livre da ocupação israelense.
O que você diria aos jovens de Israel?
Eu gostaria de dizer que também são vítimas da ocupação. Eu, como palestina, resisto e estou ciente da ocupação em minha terra, tenho minha terra colonizada, mas não posso ser colonizada. No entanto, eles não conseguem ver que estão sendo colonizados pela ocupação. A ocupação já está em suas mentes. Eles estão sendo criados para nos odiar e nos matar, o que os deixa cada vez mais afastados da sua humanidade.
Eles estão crescendo em um sistema criminoso que está limpando etnicamente as pessoas e cometendo genocídio, eles estão literalmente matando crianças desde 1976.
Gostaria que eles parassem e pensassem. Milhares de famílias foram expulsas de suas casas, de suas terras para eles montarem suas colônias. Gostaria que eles pensassem em todos os palestinos que estão sendo deslocados à força para fora de suas propriedades para que estrangeiros venham morar.
Eu os convido a lerem sobre a história de Israel e se perguntar: como Israel veio a existir?
Eu os chamo a serem mais conscientes e pensarem profundamente sobre o que está acontecendo.
Eu os convido a acordar.
Por documentar as violações cometidas por Israel, a jovem palestina de 15 anos sofre perseguições e ameaças de morte. O grupo para defesa dos direitos humanos Anistia Internacional criou a campanha para exigir que Israel proteja Janna da discriminação e violência. O formulário se encontra disponível na internet
Em 2017, Janna Jihad recebeu o Prêmio Internacional de Benevolência em Istambul, Turquia. Por documentar as violações cometidas contra os palestinos.
A jornalista e ativista acredita que sua geração é a geração da mudança, aquela que fará a diferença e realizará as mudanças necessárias para um mundo melhor, mais livre e saiba respeitar os direitos humanos.
Janna encerra a entrevista mandando uma mensagem aos jovens do Brasil.
“A resistência pode vir de maneiras diferentes, pode ser desde desenhar, pintar, dançar cantar até organizar um protesto, podemos fazer tudo isso e aproveitar para conscientizar as pessoas sobre as injustiças que estão acontecendo no mundo. Alguns pensam que isso é algo pequeno, quando na verdade, é algo enorme. Espero realmente que possamos nos unir para tornar este mundo um lugar de justiça, igualdade e amor. Devemos nos conectar porque todas nossas lutas estão interconectadas. Devemos libertar a Palestina, eliminar a pobreza e acabar com todas as formas de Injustiça em todos os lugares do mundo, seja no Brasil, na Palestina, na América ou no Iêmen.”
E eu quero dizer, eu amo o Brasil.”