Azra* trabalha como jornalista na Turquia há 25 anos. Azra presenciou a ascensão da censura e a repressão cada vez mais contundente às liberdades de expressão em seu país. Tamanha mudança a deixou apavorada.
Os repórteres enfrentam acusações penais cada vez mais frequentes, simplesmente por contarem suas histórias. Para Azra, a perseguição veio com uma escolha trágica, que muitos outros antes dela tiveram de enfrentar: pare o que está fazendo ou faça de outra maneira.
Como resultado, Azra tornou-se uma profissional clandestina. “Este trabalho é minha vida, então jamais poderia desistir”, relata Azara. “Ainda assim, sinto saudades de ser correspondente e escrever as manchetes da Turquia”.
A Turquia é um dos países com maior aumento recente nos índices de perseguição e prisão contra jornalistas. Em 2012, a rede Repórteres Sem Fronteira (RSF) constatou recordes de detenção contra profissionais de mídia, com 488 pessoas encarceradas, incluindo 60 mulheres mantidas em custódia por exercer seu trabalho.
O aumento de 20% nos casos de prisão ao longo dos últimos 12 meses coincide com a queda global nos índices concernentes a liberdades democráticas. Amy Slipowitz é co-autora do relatório anual ‘Freedom in the World’, que analisa os direitos políticos e liberdades civis de 210 países. Aponta Amy: “Descobrimos que, entre 2005 e 2020, houve um declínio contínuo das liberdades globais e a liberdade de imprensa sofreu a mais dramática derrocada dentre os dados gerais”.
Conforme o relatório, as liberdades de mídia caíram 13% em relação ao ano de 2005. No Oriente Médio, tais direitos se deterioraram em ritmo alarmante no decorrer da última década. ”A pontuação média para as liberdades de imprensa declinaram 25%, o que representa uma imensa queda”, enfatizou Amy.
Arábia Saudita e Egito possuem o maior número de jornalistas aprisionados, abaixo apenas da China. Em agosto de 2021, Ali Aboluhom, repórter iemenita radicado na monarquia islâmica, foi sentenciado a 15 anos de prisão por tuítes que autoridades consideraram culpados por espalhar “ideias de apostasia, ateísmo e blasfêmia”. Sua sentença é uma das maiores promulgadas contra jornalistas em todo o mundo.
Táticas para restringir as liberdades de imprensa são bastante variadas e costumam mudar rapidamente, à medida que os próprios repórteres buscam alternativas para garantir que relatos críticos e fundamentais alcancem o público. As redes sociais se tornaram uma ferramenta cada vez mais vital aos jornalistas, ao passo que regimes autoritários assumiram esforços para fechar ou cooptar redes de imprensa.
Não obstante, nos últimos anos, leis específicas contra a cobertura de imprensa nas redes sociais foram impostas. “O ponto em comum entre diversos países do Oriente Médio é o uso de legislação referente a ‘notícias falsas’ ou ‘crimes cibernéticos’, em nome da segurança nacional ou combate ao terrorismo”, destaca Sabrina Beunnoui, diretora regional da organização Repórteres Sem Fronteiras.
“Trata-se de uma ferramenta sistemática no Egito, onde a maior parte dos jornalistas ou blogueiros estão encarcerados sob acusações de ‘propagar informações falsas’ ou ‘pertencer a grupos proibidos’. Alegações de crimes cibernéticos são mais comuns no Líbano e na Síria, no que se diz respeito a investigações de ‘corrupção’ ou ‘difamação’ na internet”, insiste Sabrina. “Certamente, é algo utilizado para silenciar jornalistas e blogueiros e restringir sua liberdade de informar o público”.
Como diz Sahar Mandour, pesquisador da Anistia Internacional sobre o Líbano: “As leis não favorecem a liberdade de expressão. Pelo contrário, protegem o status das pessoas no poder”.
“Desde 2019, testemunhamos uma repressão sem precedentes contra as liberdades de expressão no Líbano. Diversas agências de segurança pública passaram a intimar jornalistas e ativistas somente por expressarem algo nas redes sociais. Era incomum que um repórter fosse convocado por criticar ao presidente, mas um precedente foi estabelecido e agora tornou-se via de regra”.
Ao passo que avançaram esforços repressivos contra a liberdade de imprensa, muitos jornalistas tiveram de recorrer à autocensura. “Lamentavelmente, em muitos estados com governo autoritários, como Egito, Síria e Arábia Saudita, repórteres e blogueiros desistiram de exercer seu trabalho e abandonaram o verdadeiro jornalismo”, adverte Sabrina. “Eles então continuam em absoluto silêncio, uma vitória para as autoridades no poder”.
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Para Azra, práticas de autocensura são essenciais para se proteger. “Minha redação tornou-se menos contundente devido aos riscos. Muitos colegas voltaram atrás por medo de serem presos. Estamos em crise”.
A situação, insiste Azra, faz com que tema pelo futuro do jornalismo.
As gerações mais jovens aceitam formas de censura sem sequer questioná-las. De fato, toda uma geração de jornalistas é treinada pouco a pouco para normalizar a censura e adotá-la como precondição para exercer seu trabalho.
Para resguardar sua integridade, muitos repórteres fugiram de seus países. Kaveh Ghoreishi, que operou no Curdistão iraquiano por seis anos, saiu de sua terra em 2011, devido aos perigos envolvidos. Radicado na Alemanha, sua cobertura sofre diversas dificuldades. “Como jornalista na diáspora, enfrento inúmeras restrições; sobretudo, a falta de acesso a dados geográficos indispensáveis a meu trabalho”.
Acrescenta Ghoreishi: “Fui indiciado por minhas atividades no Irã e não posso viajar com segurança ao território curdo, em virtude da influência iraniana sobre o Iraque. No Irã, como jornalista curdo, estou sempre sob risco de pena capital”.
Restrições e riscos instituídos a jornalistas devem se agravar no futuro próximo, em particular após a pandemia de coronavírus. Pesquisadores da rede Repórteres Sem Fronteira constataram que, durante o período, houve uma “deterioração dramática” da situação, à medida que governos acentuaram seu controle sobre os noticiários e promoveram cada vez processos litigiosos contra os profissionais de imprensa.
A despeito de tudo isso, há esperança no futuro do jornalismo. Como mostram Azra e Kaveh, apesar da necessidade de adaptar-se, seu trabalho continua. “Há inúmeras restrições, mas surgem agora formas inovadoras de desenvolver conteúdo”, enfatiza Amy, da fundação Freedom House. “As pessoas sempre encontrarão caminhos para dizer a verdade”.
* Nome fictício para proteger sua identidade