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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Espionagem é um jogo sujo que Israel executa com impunidade

Escritório de advocacia Christine Lee & Co. Solicitors Ltd. em Londres, Reino Unido, 17 de janeiro de 2022 [Jason Alden/Bloomberg via Getty Images]

Desde as alegações da inteligência britânica de que espiões chineses querem “intervir em segredo” na política nacional, vieram à tona uma profusão de histórias de terror, à margem do pânico e da histeria coletiva. Trata-se mais outra vez do velho perigo vermelho. A imprensa britânica, afeita a uma boa história de espionagem, enxerga agora agentes de Pequim em todos os cantos, dos gabinetes parlamentares à Câmara dos Comuns, e mesmo na Câmara dos Lordes. Há rumores de que a própria Família Real está infiltrada.

Há apenas alguns dias, o filho de uma mulher suspeita de servir à China deixou seu trabalho no gabinete de Barry Gardiner, parlamentar trabalhista que monitora as atividades ministeriais. O serviço de segurança doméstica MI5 estranhamente emitiu um alerta a parlamentares e nobres para que evitem quaisquer relações com Christine Lee, ao acusá-la de “engajar-se notoriamente em atividades de ingerência política” em nome do Partido Comunista Chinês.

Não sei se é verdade, mas não há dúvida que Londres paga seus próprios espiões para fazer o mesmo contra governos além-mar. Tais operações estão justamente na descrição do cargo de membros do Serviço Secreto de Inteligência, isto é, o MI6, não estão? Pergunto porque sei tanto desse assunto como qualquer outro membro do público — isto é, muito pouco.

Se alguém é culpado de espionagem, este indivíduo deve ser detido, indiciado e julgado. Trata-se de procedimentos da justiça e podemos francamente lidar com os fatos.

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Isso me leva a um estado estrangeiro que foi pego com a boca na botija, em desprezo veemente à soberania britânica. Evidentemente, me refiro a Israel.

Em 2010, o então Secretário de Relações Exteriores David Miliband expulsou um diplomata israelense após um esquadrão da morte do estado sionista utilizar doze passaportes britânicos falsificados para executar Mahmoud al-Mabhouh, comandante militar do Hamas, em um quarto de hotel em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. A medida adotada por Londres foi uma confirmação tácita de que o Mossad fora responsável pelo assassinato.

“Eu pedi a um membro da Embaixada de Israel que fosse retirado do Reino Unido por seu envolvimento nesta matéria”, declarou Miliband ao parlamento. “Concluímos que há razões convincentes para crer que Israel fez mau uso dos passaportes britânicos”. A investigação sobre o caso não apontou envolvimento externo, senão de Israel, prosseguiu o chanceler. Miliband então acusou o estado de apartheid de colocar em risco a vida de cidadãos britânicos e mostrar “profundo desrespeito” à soberania do Reino Unido. Mais tarde, foi revelado que o diplomata expulso era chefe do serviço secreto israelense na cidade de Londres.

Segundo fontes, Miliband teve de brigar bastante para expulsar o espião israelense e fazê-lo de exemplo. Oficiais na chancelaria tentaram demovê-lo a uma resposta menos combativa.

Em 1988, a então primeira-ministra Margaret Thatcher tampouco negligenciou uma operação de agentes duplos instaurada pelo Mossad em solo britânico. Thatcher ordenou a deportação do agente israelense Arie Regeve, assim que soube das violações.

Ainda hoje, a espionagem é um assunto turvo, mas não surpreendem acusações contra Pequim. Contudo, deveria haver em jogo um elemento de “confiança” entre supostos parceiros e aliados, como aquele invocado ad nauseam no relacionamento entre Israel e Reino Unido.

Já faz cinco anos que uma reportagem explosiva da Al Jazeera sobre o lobby sionista em Westminster revelou que um diplomata israelense vangloriou-se publicamente de conspirar para “derrubar” parlamentares eventualmente hostis à ocupação. Shai Masot — “agente político” — foi deportado a Tel Aviv de maneira vexatória, sobretudo por ter sido gravado.  Entretanto, logo a seguir, seus superiores partiram para o ataque, ao acusar a rede catariana de “antissemitismo” para tentar revogar sua licença no Reino Unido. A agência regulatória de telecomunicações em Londres, todavia, recusou as denúncias e concluiu que a Al Jazeera não violou quaisquer de suas normas ao longo da reportagem investigativa.

Na ocasião, Israel e uma coalizão formada por Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Egito exigiam que o Catar fechasse as portas de sua principal empresa de mídia, de uma vez por todas. O então premiê israelense Benjamin Netanyahu acusou a Al Jazeera de incitar o ódio e a violência — e quem foi que disse que a ironia está morta? Os detratores da emissora no Golfo chegaram ao ponto de reivindicar o fim de suas atividades como pré-condição para suspender o bloqueio imposto ao Catar em 2017.

No último ano, sir Alan Duncan, que serviu como segundo homem mais importante da chancelaria britânica, também acusou o lobby sionista de perpetrar atividades de “ingerência degradante em nossa vida pública”. Sem meias palavras, seu livro The Thick of It expôs a interferência “em alto escalão na política britânica, em nome dos interesses de Israel”. Duncan não se referia necessariamente ao trabalho do Mossad, dado que grupos de lobby como Amigos Conservadores de Israel e Amigos Trabalhistas de Israel assumiram toda e qualquer oportunidade em mãos para promover a ocupação, nas costas de poderosos doadores de campanha. Duncan comentou ao jornalista político Michael Crick que essa situação como um todo representa “um escândalo velado que tem de acabar”.

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De fato, todo o sistema de lobby em Westminster demanda reforma, mas isso não vai impedir Israel de recorrer à segunda profissão mais velha do mundo. Dessa maneira, ao invés de procurar comunistas debaixo da cama, o MI5 deveria dar um passo além e olhar para aqueles que efetivamente sabotam a democracia britânica, por meios que fariam Maquiavel parecer um homem santo.

Israel jamais aprendeu algo das punições insuficientes que sofreu no passado. Jonathan Pollard, por exemplo, foi preso por espionagem nos Estados Unidos e passou décadas na prisão. Após ser solto, foi recebido como herói pelo governo sionista, no final de 2020. Washington, vale lembrar, fornece a Israel quantidades absurdas de financiamento militar e cobertura diplomática — em troca, sofre espionagem. Em 1967, bombas israelenses atingiram o USS Liberty em águas internacionais, resultando na morte de 34 tripulantes americanos, além de 171 feridos. Tel Aviv alegou “erro”, mas os sobreviventes insistem que sucessivos presidentes na Casa Branca trabalharam para encobrir os fatos. A assistência do Pentágono à ocupação, não obstante, continua como nunca e equivale atualmente a US$3 bilhões por ano.

Israel escapa impune, apesar de suas mãos estarem cheias de sangue — literal e figurativamente. O mesmo vale para os crimes de guerra e lesa-humanidade conduzidos contra os palestinos. Mas não é diferente para crimes de espionagem que envolvem “parceiros e aliados”. A espionagem é um jogo sujo que Israel executa com impunidade

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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