Há quase três mil quilômetros entre Tel Aviv e Kiev. Ainda assim, a crise entre Rússia e Ucrânia demonstra um profundo impacto sobre Israel. Se não compartilha fronteiras com os países em questão, porque então o estado sionista parece fazer parte da crise regional?
O primeiro-ministro israelense Naftali Bennett tentou mediar as divergências entre Washington e Moscou durante um encontro de cúpula com o presidente russo Vladimir Putin, na cidade de Sochi. O chanceler Yair Lapid tentou também abordar a matéria junto de sua contraparte russa, Sergey Lavrov. Seus esforços fracassaram, provavelmente porque a disputa está acima de Israel. Moscou parece ainda sentir que o estado ocupante tende a uma posição ocidental, ao invés de representar um mediador honesto e imparcial.
Seus interesses militares e econômicos implicam na busca israelense pela manutenção dos laços com Washington e Moscou, mas a crise encurralou Tel Aviv. O governo da ocupação pode ter de escolher um lado e sair de cima do muro — evidentemente, colocando em risco os interesses de ambas as partes.
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A análise israelense é que, caso a situação se agrave, pode consumir demais os Estados Unidos e afastá-lo, portanto, do Oriente Médio —, deixando o estado ocupante sem qualquer suporte. Tais avanços seriam consistentes com a retirada gradual da presença americana na região, que teve início no Iraque e no Afeganistão. Dessa maneira, outras potências em busca de influência regional podem dar um passo adiante para preencher a lacuna, em detrimento de Israel.
Além disso, centenas de milhares de judeus que possuem cidadania israelense, mas residem na Ucrânia e na Rússia, podem estar sob perigo perante uma eventual invasão militar. O Ministério de Assuntos Estrangeiros e da Diáspora de Israel, assim como a Agência Judaica para Imigração, já prepararam planos para evacuar judeus ucranianos em caso de guerra.
Apoiar um lado ou outro deve depender da abordagem internacional sobre a crise. O contexto parece reproduzir uma nova Guerra Fria e sua divisão global em campos opostos. Entretanto, o estado ocupante quer beneficiar-se de todos os lados, como de costume, mas enfrenta pressão de Moscou e Washington para fazer sua escolha. Os Estados Unidos querem mobilizar o maior número possível de países do seu lado, sobretudo aliados convencionais — portanto, incluindo Israel.
De fato, os Estados Unidos ainda representam a Tel Aviv seu escudo político e diplomático mais consistente, o que significa que não há como aceitar um “não” como resposta — politicamente ou mesmo em campo. Se Israel recusar-se a apoiar a posição do Pentágono, devido a interesses próprios, tensões entre os tradicionais aliados podem escalar em um momento no qual a China parece ocupar lacunas.
Enquanto isso, Moscou querem uma contrapartida sobre privilégios conferidos a Israel, como a liberdade de conduzir ataques aéreos na Síria, sua oposição ao acordo nuclear com Teerã e sua opressão contra o povo palestino. O Kremlin acredita que é hora de Tel Aviv quitar suas dívidas, ao adotar uma posição incontestável.
O arsenal israelense é outro fator da crise. A exportação de equipamentos militares à Ucrânia e países vizinhos preocupa Moscou, que recentemente conclamou Israel a suspender tais vendas, sobretudo de armamentos anti-tanque, que podem ser utilizados contra tropas russas em caso de invasão. Israel não pôde resistir à pressão, pois conhece as sanções implacáveis que Moscou pode instituir, caso necessário. Neste contexto, a crise se aproxima de seu clímax de uma forma ou outra, à medida que Israel compromete-se cada vez mais.
Tel Aviv não quer que a matéria chegue a um ponto sem retorno, isto é, que a invasão russa sobre a Ucrânia de fato aconteça. Para a ocupação, seria um pesadelo. Até então, os círculos políticos do governo israelense não parecem ter uma ideia nítida sobre qual postura assumir caso seja inevitável fazê-lo. Porém, não se espera uma aliança direta e imediata com nenhum dos lados, algo aparentemente aceitável em um primeiro momento.
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Caso a Rússia insista em sua política de “à margem do abismo”, o estado israelense pode ainda aproveitar a oportunidade para aprimorar contatos com o Kremlin e assegurar que sua política no Oriente Médio não seja afetada por uma escalada na Ucrânia. Para além de sua capacidade de executar operações militares na Síria e da posição russa sobre o acordo nuclear iraniano, o regime israelense quer assegurar que Moscou não conceda a Teerã armamentos que possam virar do avesso o equilíbrio de poder em toda a região.
Se houver um acordo para desescalar a crise na Ucrânia — como tanto quer Israel —, espera-se que o estado sionista mantenha uma imagem de independência aos olhos do Kremlin e da Casa Branca. É algo importante porque Tel Aviv não quer ser visto por nenhuma das partes como um aliado eventualmente descartável no restante do mundo, ao assumir uma determinada postura perante um conflito em particular.
Nada disso deve ocorrer de imediato, mas há apelos cada vez mais eloquentes dentro de Israel para preservar seus interesses estratégicos sem comprometer-se com as partes envolvidas. Ao depender cada vez mais de um lado ou de outro, Israel pode tornar-se um “protetorado” russo ou americano — agravando a hostilidade de terceiros.
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