A crise na Ucrânia e suas implicações sobre os países árabes

Ao longo das décadas, o Oriente Médio foi a principal arena para disputas por influência e interesses entre Estados Unidos e Rússia, em diversos conflitos.

Foi assim até o fim do mandato do ex-presidente americano Donald Trump. O envolvimento de Washington nos conflitos regionais, no entanto, declinou desde a posse de Joe Biden, em janeiro de 2021, à medida que sua administração adotou uma estratégia mais voltada para a Ásia, com intuito de confrontar potenciais ameaças chinesas ou russas na região.

A dependência americana sobre recursos energéticos do Oriente Médio também decaiu, ao passo que a Casa Branca assumiu ainda uma política de reduzir tensões com Teerã e distanciar-se dos conflitos entre a república islâmica e os estados do Golfo.

Os Estados Unidos ofereceram até mesmo algumas concessões para convencer o Irã a retornar ao acordo nuclear de 2015, que assevera ao país a possibilidade de desenvolver tecnologia nuclear, para fins pacíficos, e livrar-se de persistentes sanções econômicas.

Mesmo as relações entre Washington e seus aliados no Golfo vivenciaram tensões devido a abusos de direitos humanos, a guerra no Iêmen e a imposição de restrições a alguns armamentos. Tudo isso levou a Arábia Saudita, em particular, e os Emirados Árabes Unidos, em algum grau, a voltar-se a Moscou e Pequim para adquirir seus aparatos militares.

Como se não bastasse, países como Egito, Irã e Iraque, entre outros, decidiram fortalecer sua cooperação econômica com Rússia e China. Alguns centros de decisão política em solo americano consideram, contudo, que a aproximação entre tais potências e alguns estados no Oriente Médio, nos campos de comércio e segurança, são um verdadeiro desafio aos interesses de Washington em toda a região.

Ao longo das décadas, muitos países do Oriente Médio sofreram as consequências da rivalidade e dos interesses das grandes potências, sobretudo entre Estados Unidos e a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que tornou-se a contemporânea Federação Russa.

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Alguns países temem agora que o conflito entre Rússia e Ucrânia e a eventual deflagração de uma guerra possa chegar às suas fronteiras e levar a instabilidade no Oriente Médio, em particular, e no mundo como um todo, principalmente se o Pentágono envolver-se de alguma maneira em tamanha disputa.

Não obstante, outros países na região, sobretudo estados exportadores de petróleo e gás natural do Golfo, consideram a crise como uma oportunidade para melhorar seu relacionamento com a atual gestão na Casa Branca, que busca maneiras de compensar a falta de gás natural russo nos mercados europeus. O fechamento dos gasodutos é uma ameaça concreta caso Biden imponha sanções a Moscou ou sob circunstâncias da guerra.

A possibilidade de interrupção no fornecimento de insumos energéticos aos estados ocidentais é fonte de preocupação tanto para a União Europeia quanto para os Estados Unidos. Ambos buscam medidas preventivas para reforçar sua segurança energética e impedir uma paralisação de larga escala no abastecimento. Caso avancem as sanções ocidentais, o mercado global de petróleo e gás natural deve vivenciar também uma enorme instabilidade nos preços.

Tais sanções impediriam nominalmente a compra de insumos energéticos da Rússia. A guerra pode levar ainda à interrupção das remessas devido aos perigos de transportá-las aos consumidores europeus por meio dos territórios ucranianos ou do Mar Negro.

Estimativas oficiais sugerem que os países europeus dependem da Rússia para cerca de 40% de sua demanda em gás natural, de modo que encontrar alternativas não será fácil.

Durante sua visita a Washington, no final de janeiro, o emir catariano Tamim bin Hamad debateu com o presidente americano opções para enviar gás natural liquefeito aos estados-membros da União Europeia, em caso de deflagração russa em solo ucraniano. Entretanto, analistas creem que transferir recursos catarianos à Europa demanda mais tempo. Além disso, Doha permanece sob uma série de compromissos de exportação com países asiáticos e africanos, o que restringe sua capacidade de compensar a paralisação do fornecimento da Rússia.

Taxa de câmbio em uma placa eletrônica da instituição financeira Rosselkhozbank JSC, em Moscou, Rússia, 22 de fevereiro de 2022 [Andrey Rudakov/Bloomberg via Getty Images]

Outros países produtores de gás natural, como Argélia e Egito, podem contribuir junto do Catar para mitigar a dependência europeia dos insumos encaminhados pela Rússia. Além disso, grandes exportadores de petróleo — como Arábia Saudita, Iraque, Kuwait e Emirados Árabes Unidos — podem auxiliar a Europa a diversificar suas importações de petróleo, ainda subordinadas às remessas de Moscou.

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Outro impacto refere-se a ondas de refugiados que fogem das zonas de guerra à União Europeia, além de pressões complementares sobre programas assistenciais em todo o mundo, dos quais ainda dependem milhões de refugiados do Oriente Médio e Norte da África.

Para além da pauta energética e migratória, a região do Oriente Médio e Norte da África pode ser afetada pela guerra em termos de insumos agrícolas e comércio de grãos. Muitos países árabes, como Iêmen, Líbano, Líbia, Egito, Tunísia e Argélia, dependem da importação de trigo produzido na Rússia e na Ucrânia, para suprir as demandas nacionais. Tais países — sob crises socioeconômicas ainda consistentes —serão particularmente afetados pelo aumento nos preços do trigo, devido a uma queda no fornecimento global da mercadoria.

As importações de trigo da Rússia e da Ucrânia representam aproximadamente 30% das transações globais sobre a matéria, além de outros bens alimentares como milho e óleo vegetal. A Ucrânia é ainda a quinta maior exportadora de trigo de todo o planeta. Os estados do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) dependem da importação de trigo e outros insumos para suprir as necessidades de sua população. Irã e Argélia estão entre os dez maiores importadores de trigo do mundo. O Egito deve sofrer invariavelmente, dado que 60% de suas importações de trigo provêm da Rússia e 30% da Ucrânia.

A intervenção russa na Síria e na Líbia levou efetivamente ao agravamento dos respectivos conflitos. Os governos árabes temem que ambas as crises e a subsequente tensão entre Moscou e os estados europeus, além do envolvimento de Washington, possam prejudicar esforços internacionais para solucionar as disputas políticas na região.

Enquanto isso, a maioria dos regimes árabes evita declarar posições sobre a crise em curso na fronteira russo-ucraniana, a fim de manter relações balanceadas com todas as partes. Entretanto, conforme avançam tensões entre Estados Unidos e Rússia, alguns governos podem ser forçados a assumir politicamente um lado, a despeito de suas consequências.

Neste entremeio, os países da região — como Síria, Arábia Saudita, Emirados, Iraque, Argélia e Irã — buscam preservar seus contatos com o Kremlin, pois dependem de equipamentos militares fabricados na Rússia e de sua colaboração para manter os preços de petróleo global conforme combinado previamente. Síria e Irã querem ainda aprimorar sua influência diplomática diante de suas confrontações com os Estados Unidos.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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