Forças russas invadiram a Ucrânia em 24 de fevereiro; batalhas continuam nas proximidades de Kiev, a fim de capturá-la e derrubar o regime ucraniano, segundo informações da imprensa ocidental. Muitos países europeus, além dos Estados Unidos e aliados, emitiram seu repúdio às atitudes de Moscou, incluindo um pacote de sanções econômicas descrito como o mais veemente da história moderna. Além de enviar armas e suprimentos ao exército ucraniano, a Grã-Bretanha também exortou voluntários a combater a seu lado.
O uso da força ou ameaça contra a integridade territorial e independência política de outro país é expressamente proibido pelo Parágrafo 4°, Artigo 2 da Carta da Organização das Nações Unidas (ONU). Todavia, no Artigo 51 repousa uma determinação de resistência: “Nada neste documento deve impedir o direito inerente de autodefesa individual ou coletiva, caso um ataque armado ocorra contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tome as medidas necessárias para manter a paz e segurança internacional”. O recente ataque ordenado pelo Kremlin é uma invasão declarada e coordenada e não ocorre sob qualquer escopo legítimo da autodefesa, além de infringir notoriamente a lei internacional.
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O princípio de soberania do estado, a independência de seus territórios e a proibição do uso da força são regras vinculativas (jus cogens) que impõem deveres a todos os membros da comunidade internacional (erga omnes), que não podem ser violados ou transgredidos, não importam as circunstâncias.
Ao observarmos a questão palestina sob a lei internacional, fica evidente porque os territórios capturados por Israel durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, são designados “terras ocupadas”. O assunto foi reafirmado diversas vezes pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, a começar pela Resolução 242 e culminando na Resolução 2334, sobre a qual o então governo de Barack Obama decidiu abster-se de seu poder de veto, na ocasião. Deste modo, quando Israel — como potência ocupante — ataca os palestinos, sua propriedade e sua subsistência, seja em Jerusalém, Cisjordânia ou Faixa de Gaza, os palestinos têm consagrado o direito à autodefesa, conforme o Artigo 51 da Carta das Nações Unidas.
Por que então o Ocidente insiste em dois pesos e duas medidas? Quando interessa, as potências ocidentais acatam o princípio de resistência, ao ponto de conclamar voluntários para viajar à Ucrânia e combater ao lado das tropas nacionais. No entanto, quando se refere à Palestina, a resistência é rotulada quase imediatamente como “terrorismo”. Mesmo o apoio à causa palestina, seja verbal ou material, tornou-se um crime em alguns países europeus, ignorando-se a solidariedade a uma nação ocupada que reage sobre princípios estabelecidos de autodefesa. Após os eventos em Sheikh Jarrah e o subsequente massacre na Faixa de Gaza, Grã-Bretanha e Austrália chegaram ao ponto de criminalizar a ala política do Hamas como grupo “terrorista”, em evidente negativa ao direito de resistência do povo palestino.
A lei internacional, vale notar, equivale a todos os países, não importa sua influência política, extensão territorial, poderio econômico ou população.
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A Palestina, embora ainda aguarde por sua independência e permaneça sob ocupação israelense, cumpre os critérios de “estado” conforme a Convenção de Montevidéu de 1933, que instaurou quatro pressupostos: população permanente; território definido; governo próprio; e capacidade de relacionar-se com outros países. A Palestina cumpre os quatro pontos e efetivamente obteve status de membro-observador da ONU, além de integrar-se, ao longo dos anos, a diversas instituições em âmbito global, como a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a Interpol e o Tribunal Penal Internacional (TPI).
Dessa maneira, a Palestina opera sob a mesma lei internacional que a Ucrânia, agora também assolada pela guerra. Assim como os ucranianos têm o direito de resistir à invasão russa, os palestinos têm o direito de resistir à ocupação israelense. É preciso dar fim à persistente política de dois pesos e duas medidas e deixar de estigmatizar a autodefesa como “terrorismo”, em respeito à Resolução 3236/1974 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que assegura ao povo palestino o direito de restaurar seus pressupostos nacionais por quaisquer meios legítimos.
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