O mundo foi pego de surpresa com a Guerra da Ucrânia deflagrada no último mês. Apesar de alertas aqui e acolá, parece que o grosso do mundo não estava levando muito a sério a possibilidade concreta de uma investida militar russa ampla na Ucrânia, com declaração de guerra. O mundo, principalmente o Ocidente, ficou perplexo. Análises de geopolítica proliferaram na tentativa de entender as origens e causas do conflito. A causa direta mais óbvia a todos está na liderança do presidente russo atual Vladimir Putin, que em mais de duas décadas no poder, conseguiu trazer com força de volta a Rússia ao palco geopolítico mundial, após a sua quase ausência na última década do século XX, por ocasião do colapso da União Soviética.
Para entender o modo de pensar e agir de Putin, temos que estudar o homem que é o responsável por “fazer a cabeça” do novo czar russo. Trata-se do Aleksandr Dugin, filósofo, cientista político, sociólogo e escritor russo com fortíssima influência político-ideológica sobre Vladimir Putin. O curioso é que o mentor é dez anos mais novo que o seu discípulo, já que o primeiro nasceu no ano de 1962 e o segundo em 1952. No entanto, ao contemplar as fotos mais recentes de ambos, facilmente encontradas na internet, temos a nítida impressão que Dugin, com sua imponente barba e cãs desajeitados sem tinta, é mais velho que Putin, de barba feita e cabelos pintados. O filósofo parece um daqueles austeros monges da Igreja Ortodoxa Russa e lembra famosos barbados russos como os gigantes da Literatura Universal, Tolstoi e Dostoievsky.
Dugin tem uma carreira acadêmica sólida e bem-sucedida com um doutorado em sociologia e outro em ciências políticas. Mas a sua influência ultrapassa os muros da Universidade para alcançar as academias militares russas e o círculo estreito de poder, chegando ao próprio Kremlin. E não se trata de ter presença forte na Rússia somente, mas Aleksander Dugin já debateu com pensadores mundialmente reconhecidos como Fukuyama e Henri-Levy.
Numa entrevista concedida para a famosa emissora de televisão árabe Al-Jazeera, com sede no Qatar, há cerca de três meses, Dugin reconheceu a sua forte influência sobre Putin nas últimas duas décadas. O filósofo falou num tom sóbrio, mas nitidamente orgulhoso, sobre quão forte tem sido a sua mentoria sobre Putin e a elite que o cerca. Ele defendeu amplamente, com semblante sereno e sóbrio, a sua chamada Quarta Teoria Política e suas visões de geopolítica em relação à Rússia e ao mundo.
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Ao ser questionado pelo entrevistador árabe sobre o fato do regime russo dar apoio a ditaduras sanguinárias no Oriente Médio e o desprezo deste regime pelos direitos humanos, o filósofo russo demonstrou absoluta tranquilidade ao relativizar o assunto. Ele disse que conceitos como ditadura, direitos humanos e terrorismo são conceitos relativos e dependem do ponto de vista. Sobre a intervenção russa na Síria, ele foi absolutamente favorável, apesar dos massacres, crimes e abusos cometidos pelas forças armadas russas contra o povo sírio.
Esta entrevista está disponível no youtube, em duas partes, cada uma com quase uma hora. O entrevistador faz as perguntas em árabe, Dugin responde em russo, mas há dublagem instantânea para o árabe. No início da entrevista, o mentor de Putin disse ser fluente em nove idiomas, mas lamentou não ser fluente em árabe, língua cuja beleza ele reconheceu.
Na entrevista, Dugin defendeu a sua Quarta Teoria Política, sobre a qual escreveu um livro. Trata-se de uma teoria alternativa em relação às três tendências e movimentos políticos que, segundo Dugin, dominaram o século XX: liberalismo, comunismo e fascismo. A Quarta Teoria Política defende um mundo sem imperialismo, anti-liberal, anti-ocidental, com exaltação dos valores espirituais, nacionais e sociais próprios de cada povo ou nação. Ele defendeu o papel do gigante continente da Eurásia, com central protagonismo russo.
Tradicionalista, nacionalista e conservador, Dugin defende um mundo multipolar, e faz apologia para a aliança da Rússia com a China, Irã, Turquia e Arábia Saudita, que ele considera como os cinco pólos de poder em contraposição ao Ocidente que tem os Estados Unidos como pólo único. Reconhece a forte aliança russa com a teocracia xiita iraniana, e admite que a Rússia é mais distante do sunismo quando o assunto é Islam. No mais, Dugin mostrou-se defensor da autonomia do Islam e do direito das nações islâmicas de libertarem-se da influência e domínio ocidentais.
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Aleksander Dugin está para Vladimir Putin tal qual Olavo de Carvalho está para Jair Bolsonaro. Mestres intelectuais e discípulos são unidos pelo conservadorismo com influência religiosa cristã. Divergem sobre o papel do Ocidente. O duguismo é ferrenhamente anti-ocidental. O olavismo faz apologia ao protagonismo e hegemonia ocidentais.
Considerado por muitos como polêmico, por conta das ideias nada convencionais, e pela forte influência que exerce sobre Putin, Dugin já foi comparado a Rasputin, o devasso charlatão que exerceu perniciosa influência sobre o último czar russo, Nicolau II, influência esta ao qual já foi atribuída a culpa pela queda do império russo e a eclosão da Revolução Bolchevique e seu posterior triunfo. Diferentemente de Rasputin, camponês siberiano que aderiu a seitas ocultistas e teve acesso ao czar, Dugin tem uma sólida carreira acadêmica, mas nem por isso deixou de ter ideias bem radicais como as guerras que seu pupilo aspirante a czar tem se envolvido desde que chegou ao poder há cerca de duas décadas na Rússia.
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